sábado, 20 de dezembro de 2014

Última de 2014:Vídeos Poéticos

Todo mundo precisa de um empurrãozinho



     As lentas nuvens fazem sono
Fernando Pessoa

As lentas nuvens fazem sono,
O céu azul faz bom dormir.
Bóio, num íntimo abandono,
À tona de me não sentir.

E é suave, como um correr de água,
O sentir que não sou alguém,
Não sou capaz de peso ou mágoa.
Minha alma é aquilo que não tem.

Que bom, à margem do ribeiro


Saber que é ele que vai indo...
E só em sono eu vou primeiro.
E só em sonho eu vou seguindo.
                                                                                                                                                


                                             

Turbulências 
Ednei Pereira Rodrigues

Estranha Estratosfera 
A Estrela Estreita como estrepe 
Nefelibata para Espairecer 
Tudo Multiforme 
Aquela como mufla 
Para respirar o Azoto 
Lembrar do Esgoto 
Outra como coxim 
Para a sota do coxêndico 
Para o descanso da fuselagem 
Trôpego na Troposfera 
Tropeço no Trópico 
A indecisão me fez arremeter 
Prestes a despressurizar 
Dilacerar outro dilema 
Irromper o Cirro 
Nimbar este ambiente denso
De volta à estaca zero 
Retomar o controle 
A decomposição na decolagem 
Sugado pela Turbina 
Helianto contra a Hélice.



SONETO COM PÁSSARO E AVIÃO
Rio de Janeiro , 2004
De "O grande desastre do six-motor francês 
Leonel de Marmier, tal como foi visto e vivido pelo poeta 
Vinicius de Moraes, passageiro a bordo" 

Uma coisa é um pássaro que voa 
Outra um avião. Assim, quem o prefere 
Não sabe às vezes como o espaço fere 
Aquele. Um vi morrer, voando à toa 

Um dia em Christ Church Meadows, numa antiga 
Tarde, reminiscente de Wordsworth... 
E tudo o que ficou daquela morte 
Foi um baque de plumas, e a cantiga 

Interrompida a meio: espasmo? espanto? 
Não sei. Tomei-o leve em minha mão 
Tão pequeno, tão cálido, tão lasso 

Em minha mão... Não tinha o peito de amianto. 
Não voaria mais, como o avião 
Nos longos túneis de cristal do espaço...


               

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Triedro Poético:Outro Manuel_Beatles_DRUMMOND


Os sapos

Manuel Bandeira


Enfunando os papos,

Saem da penumbra,

Aos pulos, os sapos.

A luz os delumbra.



Em ronco que a terra,

Berra o sapo-boi:

– “Meu pai foi à guerra!”

– “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”



O sapo-tanoeiro

Parnasiano aguado,

Diz: — ” Meu cancioneiro

É bem martelado.



Vede como primo

Em comer os hiatos!

Que arte! E nunca rimo

Os termos cognatos.



O meu verso é bom

Frumento sem joio.

Faço rimas com

Consoantes de apoio.



Vai por cinquenta anos

Que lhes dei a norma:

Reduzi sem danos

A formas a forma.



Clame a saparia

Em críticas céticas:

Não há mais poesia,

Mas há artes poéticas…”



Urra o sapo-boi:

– “Meu pai foi rei” — “Foi!”

– “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”



Brada em um assomo

O sapo-tanoeiro:

– “A grande arte é como

Lavor de joalheiro.



Ou bem de estatutário.

Tudo quanto é belo,

Tudo quanto é vário,

Canta no martelo.”



Outros, sapos-pipas

(Um mal em si cabe),

Falam pelas tripas:

–“Sei!” — “Não sabe!” — “Sabe!”



Longe dessa grita,

Lá onde mais densa

A noite infinita

Verte a sombra imensa;



Lá, fugido ao mundo,

Sem glória, sem fé,

No perau profundo

E solitário, é



Que soluças tu,

Transido de frio,

Sapo-cururu

Da beira do rio…


1918


The Beatles I am the warlus: https://www.youtube.com/watch?v=5Vv_xyNjMC0#t=10


Silêncio Ensurdecedor
Ednei Pereira Rodrigues

Código Morse para se comunicar com a morsa
Um sotaque para soterrar
Ninguém entendi o que enternece
Tudo em prol de meu Laconismo
Começo a coaxar para o sangue coagular
O prolapso do Átrio
O Atrito do Atril com o corpo
Através do Atravessado
Atraio a Atrabílis      
O Lacre Lacerante
Um rugido para as Ruínas
O Rumor é Rúptil
Ruptura no vazio
Fazer rusga para o rude.





Suspendei um momento vossos jogos
na fímbria azul do mar, peitos morenos.
Pescadores, voltai. Silêncio, coros
de rua, no vaivém, que um movimento

diverso, uma outra forma se insinua
por entre as rochas lisas, e um mugido
se faz ouvir, soturno e diurno, em pura
exalação opressa de carinho.

É o louco leão-marinho, que pervaga,
em busca, sem saber, como da terra
(quando a vida nos dói, de tão exata)

nos lançamos a um mar que não existe.
A doçura do monstro, oclusa, à espera...
Um leão-marinho brinca em nós, e é triste. 

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
A vida passada a limpo, 1959

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Inspiração Sazonal



Notícia Poética: http://bandnewsfmcuritiba.com/2014/11/21/papai-noel-que-cobriu-rosto-de-crianca-em-foto-para-obrigar-pagamento-e-afastado-em-shopping-de-curitiba/




EU, ETIQUETA
Carlos Drummond de Andrade

Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comparo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam
e cada gesto, cada olhar
cada vinco da roupa
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrine me tiram, recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.


Capitalismo
Ednei Pereira Rodrigues

Peculiar ao Peculato
Cabedal Edaz
Bagarote como Baganha
Barganha outra Barbárie
Bagatelas para enaltecer
A barestesia
Permuta a mutação
Mutila o vazio
O mutanje mútico
Multa para a multidão
Coima para a coita
Níquel nivela meu niilismo
Riqueza Ríspida não rítmica
Qual o valor do vão?
Mercenários à mercê do sobejo
Sobrou apenas uma sombra
Nesta Penúria de estro
Devaneios na Penhora
Fragmentos do Frágil
Só uma frase
Uma fração do fracasso
Não vou esclarecer o escasso
Está tudo tão óbvio
O obumbrado para obtundir
Todo esse obstrucionismo
Vestígios de Vestuário
Alguém esteve aqui
Indivíduo Indizível
Indícios da indiferença.








sábado, 15 de novembro de 2014

Singela Homenagem ao poeta Manoel de Barros




Em tempos de racionamento de água...


O menino que carregava água na peneira
Manoel de Barros

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.

A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!


Insônia
Ednei Pereira Rodrigues 

Outro dia me disseram para sair do Lúgubre
A crítica em meio a crise
Cretino noveleiro indagou o porque de eu não terminar tudo com Tálamo
Meu enlace é para enlaivar
Persisti no lobrego
Mesmo que tenha que lobrigar a Luz
Localizar um local fora desse lodo
Melhora do Habitat
Peneiro a Penumbra em busca do insight
Tamisar o mais crasso
Crivar o Cris
Layout  na lápide
Ridículo o logotipo
Publicidade Pútrida 
Nunca me influenciou a comprar nada
O que me motiva e o âmago
Que geralmente é soturno
Mas o mote foi a morte do inseto isento de responsabilidades
O motejo do mouco
Naquela noite tudo girava na lâmpada arapuca
A lagartixa fez um bom trabalho
Foi ai então que eclipsei.




O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS
Manoel de Barros

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que as dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor os meus silêncios.



sexta-feira, 7 de novembro de 2014

113 aniversário de Cecilia Meireles



Motivo
Cecilia Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.


Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.




O Enigma da Transparência 
Ednei Pereira Rodrigues


Na ausência do Febo
Sem Febre
Podemos sair no horário do almoço
Sem se amoldar às mudanças
Sem amolgar o asfáltico
E esse ato de amontoar as coisas
Deixa tudo amorfo
Amortecer o impacto da desaceleração
Aquilo que retém, penetra: pôr freio aos desejos
Não almejar um idílio
Algum vínculo com o visto
Relação com o Relâmpago
O Convívio com a Solidão
Conversar com o Silêncio
Desabafar antes que tudo Desabe
Você Sabe dos desatinos
Outro Desastre
Asteróide provoca sua Austeridade
Aluir para fazer alusão ao que zurzi
Ruminar as Ruínas sem objetivo
Se não fosse a Inércia estaríamos juntos.

PANORAMA ALÉM
Cecilia Meireles

Não sei que tempo faz, nem se é noite ou se é dia.
Não sinto onde é que estou, nem se estou. Não sei de nada.
Nem de ódio, nem amor. Tédio? Melancolia.
-Existência parada. Existência acabada.

Nem se pode saber do que outrora existia.
A cegueira no olhar. Toda a noite calada
no ouvido. Presa a voz. Gesto vão. Boca fria.
A alma, um deserto branco: -o luar triste na geada...

Silêncio. Eternidade. Infinito. Segredo.
Onde, as almas irmãs? Onde, Deus? Que degredo!
Ninguém.... O ermo atrás do ermo: - é a paisagem daqui.

Tudo opaco... E sem luz... E sem treva... O ar absorto...
Tudo em paz... Tudo só... Tudo irreal... Tudo morto...
Por que foi que eu morri? Quando foi que eu morri?



quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Tanta Viscosidade...


se no tranco do vento a lesma treme
o que sou de parede a mesma prega
se no fundo da concha a lesma freme
aos refolhos da carne ela se agrega
se nas abas da noite a lesma treva
no que em mim jaz de escuro ela se trava
se no meio da náusea a lesma gosma
no que sofro de musgo a cuja lasma
se no vinco da folha a lesma escuma
nas calçadas do poema a vaca empluma! 


Manoel de barros

Tenaz

Ednei Pereira Rodrigues

Era Noite ou Piche?
Chispa do Acrômico
Laser da Lesma Acrônica 
O Futuro da Fuligem
Fundura Fungiforme
Ostracismo para as Ostras
Só um dente dissidente
Dentadura no copo de água
Regozijo Aquífero
Tudo regulamentado
Regredir com a Regra
Reincorporar para reincidir
Oportuna  Oposição
Operário sem opinião
Oprimido sem Optar
A régua não consegue medir a distância que nos separa
Talvez seja vinte mil léguas submarinas
Verídico Júlio Verne
Vernal dos Vermes.



Elegia à Lesma
Carlos Saldanha Legendre.

NASCIMENTO

No começo
um só ponto
luminoso
no quintal.

Mal e mal
se percebe
o que gera
sobre a argila.

O olhar
busca o grão
que cintila
sobre o chão.

Tênue gota
vacilante
desse orvalho
que se anima

e desdobra
fecundado
como um óvulo
sideral

e veloz
multiplica-se
como espiga
sob o sol.

Do conúbio
dessas bolhas
eriçadas
em espasmos,

- doce orgasmo
das estrelas!,
brota a vida
em espuma.

Um vagido
já se escuta
como canto
dentre a bruma.

Não há sangue
não há ossos
nem fraturas
nem destroços.

Por ser lesma
é nascida
de si mesma,
com origem

primordial.
É tão virgem
como a cal
se expandindo

em bandeja
mineral.
Fogo-fátuo,
luz real

que rasteja
vida afora,
repelida.
Mas é vida!



quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Nudez Abstrata


Numa concha
Olavo Bilac

Pudesse eu ser a concha nacarada,
Que, entre os corais e as algas, a infinita
Mansão do oceano habita,
E dorme reclinada
No fofo leito das areias de ouro...
Fosse eu a concha e, ó pérola marinha!
Tu fosses o meu único tesouro,
Minha, somente minha!

Ah! com que amor, no ondeante
Regaço da água transparente e clara,
Com que volúpia, filha, com que anseio
Eu as valvas de nácar apertara,
Para guardar-te toda palpitante
No fundo de meu seio!



Falofórias
Ednei Pereira Rodrigues

Valsa no Mar
Valva Egéria
Vulva para a Pérola
Búzio contra as buzinas da urbe
Talássico para vogar
No Balanço do Insano Bálano
Toba como Tobogã
Tanger a Tamatiá
Dissonâncias para o Silêncio
Quietar a Quirica
Calida Calipígia
Arrefece o Gêiser
A Ebulição da Libido
Samádi no Sambaqui
Algas na Nalga
Liquens para o Lirismo
Talófitos para Talonear
O esguicho é esguio
O Gameta na Gaveta
Aderência para a distância
Adoça a Adoba
Período de Perversão
Perigo no Períneo
Cautela para Causticar.


A CONCHA

Escondi-me numa concha, no fundo do mar,

mas esqueci-me em qual.

Cotidianamente desço às profundezas
e côo o mar por entre os dedos
a ver se dou por mim.

Às vezes penso
que fui comido por um peixe gigante
e eu procuro por toda a parte
para o ajudar a engolir-me por completo.

O fundo do mar me atrai e espanta,
com os seus milhões de conchas
semelhantes.

ah, eu estou numa delas
mas não sei em qual.

Quantas vezes fui diretamente a uma conha
dizendo : " Este sou eu".
Quando abria a concha
Estava vazia.

Marin Sorescu
tradução de Luciano Maia
(Romênia 1936-1995)

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Poesia de Protesto









Ambição

Ednei Pereira Rodrigues

Depois do sufrágio o naufrágio
A arenga não convenceu ninguém
Gualdripar o erário
Peculiar ao peculato
Pleito desfeito
Corja forja promessas
Endrômina para denominar o falso
Escrutínio sem escrúpulos
Aviltoso avião que conduz a súcia para Suíça
A escória tem escolta é esconderijo
Tributo astuto ao Instituto
A propina é propicia
Subordinado ao suborno
Subsídio para o homicídio
Julgamento iníquo ao oblíquo
Impugnar o impune
Mútua falcatrua
O falido na falésia.

sábado, 2 de agosto de 2014

Trágica Notícia Poética



Míssil abate avião da Malaysia Airlines com 298 pessoas na Ucrânia
http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2014/07/17/inteligencia-dos-eua-confirma-que-missil-abateu-aviao-na-ucrania.htm


Confissão (Mário Quintana)

Que esta minha paz e este meu amado silêncio
Não iludam a ninguém
Não é a paz de uma cidade bombardeada e deserta
Nem tampouco a paz compulsória dos cemitérios
Acho-me relativamente feliz
Porque nada de exterior me acontece...
Mas,
Em mim, na minha alma,
Pressinto que vou ter um terremoto!


Armistício

Ednei Pereira Rodrigues

Pós Míssil
I miss you
O obus e obtuso
Induzir Indúcias
Dúvida da Indúvia
A derme inerme
Sem égide para a efígie
A esfinge já está sem nariz
A bailarina renga
O maestro maneta indaga o silêncio
A cadência dos cadáveres
Nada manente
Idem o malabarista
Dentro da mala,virou contorcionista
Renegar a contenda
Contemplar o Templo profligado
O litígio é lívido
A aridez do aríete.



Esfinge
Florbela Espanca

Sou filha da charneca erma e selvagem:
Os giestais, por entre os rosmaninhos,
Abrindo os olhos d’oiro, p’los caminhos,
Desta minh’alma ardente são a imagem.

E ansiosa desejo – ó vã miragem –
Que tu e eu, em beijos e carinhos,
Eu a Charneca, e tu o Sol, sozinhos,
Fôssemos um pedaço da paisagem!

E à noite, à hora doce da ansiedade,
Ouviria da boca do luar
O De Profundis triste da Saudade...

E, à tua espera, enquanto o mundo dorme,
Ficaria, olhos quietos, a cismar...
Esfinge olhando, na planície enorme...


Glossário
Indúcias:trégua
Indúvia:Órgão de disseminação do fruto, proveniente do perianto da flor, como os papilos dos aquênios das compostas.
Inerme:desarmado
égide:escudo
efígie:imagem
renga:sem uma perna
aríete:máquina de guerra

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Desordem e regresso





Entre o Bater Rasgado dos Pendões

Entre o bater rasgado dos pendões
E o cessar dos clarins na tarde alheia,
A derrota ficou: como uma cheia
Do mal cobriu os vagos batalhões.

Foi em vão que o Rei louco os seus varões
Trouxe ao prolixo prélio, sem idéia.
Água que mão infiel verteu na areia —
Tudo morreu, sem rastro e sem razões.

A noite cobre o campo, que o Destino
Com a morte tornou abandonado.
Cessou, com cessar tudo, o desatino.

Só no luar que nasce os pendões rotos
’Strelam no absurdo campo desolado
Uma derrota heráldica de ignotos. 

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"



Nocaute

Ednei Pereira Rodrigues

No fim da tarde a tareia
Tunda até no Túnel
Sumanta em suma
Sunfa no sundo
Todo suor supérfluo enalteceu o esforço
Fubeca para fulgir a fuligem
Mútua muxinga
Aos vencidos o venefício
Nação sem Noção
Acorda que á realidade é outra
Toda entropia desse entrudo sem fim
Todo esse entulho não cabe no alcatruz
Política de avestruz
Corrupção que corrói
Fato corriqueiro que não se corrige
Suborno de um substantivo para subterfúgio do concreto
Desbarato como ornato.


Glossário:

São sinônimos de derrota todas as palavras:tareia,Tunda,Sumanta, Sunfa,muxinga

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Girafas em meu sonho Lilás


poesia para o ônibus que faz o itinerário santana /jabaquara

Insônia

Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.
Espera-me uma insônia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!

Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!

Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.

Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exatamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exatamente. Mas não durmo.

Álvaro de Campos

Ônibus Onírico

Ednei Pereira Rodrigues

Ruminar a perruma
Antes do empurra-empurra
Boléu no tatame
Enxame para o certame
Ababelar as abelhas
Dormir em pé e para as girafas
O cansaço vai de canoa
Baque no batel
No flúmen eivado sou fluido
Girando sobre o próprio eixo
Machuco o queixo
Acoimar a acromia da insônia
Quando o matutino é matuto
A madrugada machuca
Talvez o vespertino seja verso
Conserta a vértebra
Antes dos vermes
Estarei no vértice
Sanfona que só buzina
Toda sandice será contestada.


Glossário

Perruma:Pão grosseiro, fabricado com farelo, que se dá aos cães.
Boléu:queda
certame:combate
ababelar:confundir
batel:tipo de barco pequeno
flúmen:rio
eivado: poluido
Acoimar:punir



A abelha atarefada não tem tempo para a tristeza.
William Blake


Nada se assemelha à alma como a abelha. Esta voa de flor para flor, aquela de estrela para estrela. A abelha traz o mel, como a alma traz a luz. Victor Hugo

segunda-feira, 5 de maio de 2014

LINFA FINAL

                                  Paulo Leminski


Olhe a poça
Ricardo Pontes

Há quem olhe a poça e veja a lua
Numa noite de intenso tremedal
Nela viaja a sede acre, insaciável
Do homem que trabalha, mas não vive
Daquele que não sabe já quem é
A sede é de tudo e de justiça
E o sedento não vê flores no caminho
A não ser nos canteiros do futuro


Mas como o advir não lhe pertence
Sendo a certeza um fruto de amanhã


Pisar na poça talvez não lhe pareça
Senão mero obstáculo a vencer
Um passo a mais do corpo que carrega


E enquanto a vida for seus dias de alugado
O seu suor, o seu sangue, o excremento
Para ele todo o céu será cinzento
Ter nascido foi ganhar uma sentença


Vai o homem, pisa a poça na calçada
E há quem olhe a mesma poça e veja a lua.




Splash

Ednei Pereira Rodrigues


Uma poção mescla-se com a poça

Equinos alteram o Equinócio

A ferradura brita a pedra

Quebra o manipanço da Górgone

Quero seu manilúvio

Uma cenoura no cenotáfio cenoso para o láparo

Roer o erro

Equívoco do oco

Equivalente ao equóreo

Oceano de Engano

Um esqualo esquálido

Taboca dessa Tabidez

Outro Chape e eu feneço

Uliginoso Ulo

Pororoca Recíproca

Articulação com o Ártico

Ósculo ocluso

Ombro feito de umbra.



O mais alto de nós não é mais que um conhecedor mais próximo do oco e do incerto de tudo.
 Fernando Pessoa


Glossário:
manipanço:feitiço
manilúvio:banho de mãos
cenotáfio:Monumento funerário erigido em memória de um morto, mas que não lhe encerra o corpo.

láparo :coelho
equóreo:relativo ao mar
taboca:engano
tabidez:podre
chape:pancada na água 
uliginoso:molhado
umbra:barro

terça-feira, 29 de abril de 2014

PECULATO POÉTICO:poesia sobre a lixeira colocada na Oscar Freire

http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2014/04/1443712-cidadona-oscar-freire-ganha-lixeiras-de-r-8-mil.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2014/04/1443712-cidadona-oscar-freire-ganha-lixeiras-de-r-8-mil.shtml

O BICHO
Manuel Bandeira


VI ONTEM um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem
.

Reciclagem
Ednei Pereira Rodrigues

Um fungo no funil
Para depor o podre
Sem que ninguém perceba
O rasante em Antares do jereba
Camiranga na miçanga
Mixórdia da discórdia
Choldra em voga
A insânia cizânia
O retrato do retrete
Exala o bodum
Fartum comum
Hircismo Hipotético
Quando o imprestável impressiona
Há chorume no terso
Tudo disperso
O cascalho não serve como atalho
Não fuja da alfruja
Punga que purifica
Púrpura mistura
Com o pus pulsilânime
Onde o gari garimpa o impalpável. 


glossário:
Antares:estrela
jereba:urubu
camiranga:urubu
miçanga:coisas pequenas
mixórdia:mistura
Choldra:objeto sem valor
voga:moda
cizânia:discordia
retrete:privada
bodum:cheiro ruim
fartum:cheiro ruim
hircismo:odor fétido
terso:limpo
alfurja:esterqueira

sábado, 19 de abril de 2014

NOTÍCIA POÉTICA:Em tempos de Revolução Francesa em São Paulo




http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,cabeca-em-saco-de-lixo-e-encontrada-na-praca-da-se,1145842,0.htm

Minha cabeça cortada
Joguei na tua janela
Noite de lua
Janela aberta

Bate na parede
Perdendo dentes
Cai na cama
Pesada de pensamentos

Talvez te assustes
Talvez a contemples
Contra a lua
Buscando a cor de meus olhos

Talvez a uses
Como despertador
Sobre o criado-mudo
Não quero assustar-te
Peço apenas um tratamento condigno
Para essa cabeça súbita
De minha parte

Paulo Leminski


Mula sem cabeça
Ednei Pereira Rodrigues

Confundi o vestíbulo com o patíbulo
Ou prostíbulo para a glande
Raciocínio rápido sem a cachimônia
Escorre o sangue com a cachoeira
Chafariz para a chaga
Toda chalaça como encômio
Enconchar meus desejos
Pérola na peroração
Perpassar o perpendicular
Encortinar o alvorecer
Encostado até encrostrar
Somar o mar com minha asfixia
Neste asfalto asfáltico
Multiplicar o múrmur
O murmúrio murídeo
Do mouse preso no PC
Bestunto desta toda bestidade
Em sua mesa como berloque
Não me incomoda o choque
Desfibrilação para desfigurar.


Só os que perderam a cabeça sabem raciocinar.
Oscar Wilde



glossário:
patíbulo:guilhotina
cachimônia:cabeça
chalaça:insulto
encômio:elogio
peroração:última parte de um discurso
asfáltico:referente ao Mar morto
múrmur:sons das águas
murideo:relativo as ratos
berloque:enfeite

terça-feira, 8 de abril de 2014

Cuidado com o vão entre o trem e a plataforma



TRENS URBANOS
Ruy Proença
(Visão do térreo. São Paulo: Editora 34, 2007. p.41)

Não são como os ratos
ou os vira-latas.

Nunca desviam,
os trens.

Este sempre acompanha
o rio morto vivo.

Aqui dentro, uns lutam pra dormir,
outros, pra acordar.

Uns achando que a vida
é preparação pra morte.

Outros, que a morte
é o motor da vida.

Outros não acham nada.
Sobrevivem.

Os meus botões pensam:
morte em vida é que é problema.

Cocteau pensava além: a vida
é uma queda na horizontal.

O trem para. A porta se abre.
Na falta,

qualquer rua, pra mim,
é rio.


Excesso de Contingente
Ednei Pereira Rodrigues

Cruel mainel tácito
Escada rolante sicária
Usou o cadarço desamarrado para matá-la
Nastro no mastro
Para meu naufrágio
Despir a despedida
Maionese no maiô
Ingerir sua lingerie edível
Às vezes ingênuo
Ainda neófito por causa do néon
Malícia no maliforme
Maciço que cede ao lamecha
A lacrecanha se acanha
Constatado o rompimento do lacre
Prolfalças com baldréu
Na hora da baldeação
Balde para o vagido
E o vagão vago conduz vagens
Eu continuo na vagância
Para não corroer.


"Quem inventou a escada rolante? Degraus que se movem. E depois falam de loucura. Pessoas subindo e descendo em escadas rolantes, elevadores, dirigindo carros, tendo portas de garagem que se abrem ao tocar de um botão. Depois elas vão para as academias queimar a gordura. Daqui a 4.000 anos, não teremos mais pernas, nos arrastaremos sobre nossas bundas, ou talvez só rolemos como tumbleweeds. Cada espécie destrói a si mesma. O que matou os dinossauros foi que eles comeram tudo à sua volta e depois tiveram que comer uns aos outros e com isso só um restou e o filho da puta morreu de fome."
Charles Bukowski

Glossário:
mainel:corrimão
sicária:assassina
nastro:cadarço
edível:comivel
néofito:ingênuo
maliforme:forma de maçã
lamecha:sensível
lacrecanha:mulher feia,desdentada
Prolfalças:cumprimento
baldreu:luva
vagido:choro

sexta-feira, 21 de março de 2014

OUTONO SURREALISTA




Crepúsculo de Outono
Manoel Bandeira

O crepúsculo cai, manso como uma benção.
Dir-se-á que o rio chora a prisão de seu leito...
As grandes mãos da sombra evangélicas pensam
As feridas que a vida abriu em cada peito.


O outono amarelece e despoja os lariços.
Um corvo passa e grasna, e deixa esparso no ar
O terror augural de encantos e feitiços.
As flores morrem. Toda a relva entra a murchar.


Os pinheiros porém viçam, e serão breve
Todo o verde que a vista espairecendo vejas,
Mais negros sobre a alvura unânime da neve,
Altos e espirituais como flechas de igrejas.


Um sino plange. A sua voz ritma o murmúrio
Do rio, e isso parece a voz da solidão.
E essa voz enche o vale...o horizonte purpúreo...
Consoladora como um divino perdão.


O sol fundiu a neve. A folhagem vermelha
Reponta. Apenas há, nos barrancos retortos,
Flocos, que a luz do poente extática semelha
A um rebanho infeliz de cordeirinhos mortos.


A sombra casa os sons numa grave harmonia.
E tamanha esperança e uma tão grande paz
Avultam do clarão que cinge a serrania,
Como se houvesse aurora e o mar cantando atrás.




Êxtase Estático
Ednei Pereira Rodrigues

Sensação de ascensão com o boléu
O Bolor que adorna
A folha como folho
Aqui está a estaquia
Estatelar é inevitável
Presença de clorofila na pupila
Desfolhar o Desfiladeiro
Desfeito o Desejo
Buganvília na bula
Buquê no bucho
Para o dendrófobo
Tudo está tão bucólico
Museu de Dentrites
Progne Provecto
Vicinal Inverno visceral
Invento o Inverso
Valido até o invasor Febo surgir.


Glossário

Boléu:queda
folho:adorno pregueado com que se guarnecem vestidos.
Estaquia:Processo de multiplicação vegetativa das plantas
Estatelar:cair
Buganvilia:planta,sinônimo para primavera
Dendrofobo:aquele que não gosta de árvores
Dentrites:fóssil de árvore
Vicinal:vizinho
Progne:Primavera
Provecto:antigo
Febo:Sol

quinta-feira, 13 de março de 2014

Do pó vieste e ao pó voltarás






Horário do Fim
Mia Couto,"Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

morre-se nada
quando chega a vez

é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos

morre-se tudo
quando não é o justo momento

e não é nunca
esse momento



Elegia 
Ednei Pereira Rodrigues


Greda como grade
Sebe para quem tem sede
Aquele que contorna a sede
Falta sebo
É ebó
Uma emboscada para o embrião


Greda como moeda
Compra o Éden?
Cura o Edema?
Cunha como testemunha
Só sobrou uma unha
Para arranhar o ébano do meu féretro


Ganância com a gândara
Inútil granada para a gangrena
O pueril brinca na gangorra
Substituir minha esquife por pruca
Ninguém se importa
Quando o concreto é concupiscível


Gleba que geba
Pode gear que não sinto frio
Sou caudino
É todo esse caulim
Lodo com dolo
Bátega para o batismo do batráquio.

GLOSSÁRIO

Greda:Barro ou calcário muito macio e friável, de um amarelo esverdeado, que geralmente contém sílica e argila.
cunha:moeda
caudino:feito de um tronco
caulim:argila
Sebe:Cerca de varas ou ripas entrelaçadas.Sebe viva, cerca feita com arbustos; o mesmo que cerca viva.
Sebo:Produto de secreção das glândulas sebáceas.
ebó:Macumba
ébano:Madeira preta e dura que adquire um lindo brilho metálico quando polida.
féretro:caixão
gândara:areia
gangrena:morte
esquife:caixão
pruca:assento
concupiscível:ganância
bátega:chuva
batraquio relacionado às rãs ou aos sapos

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Choque Térmico


Esfinge
Florbela Espanca

Sou filha da charneca erma e selvagem.
Os giestais, por entre os rosmaninhos,
Abrindo os olhos d'oiro, p'los caminhos,
Desta minh'alma ardente são a imagem.

Embalo em mim um sonho vão, miragem:
Que tu e eu, em beijos e carinhos,
Eu a Charneca e tu o Sol, sozinhos,
Fôssemos um pedaço de paisagem!

E à noite, à hora doce da ansiedade
Ouviria da boca do luar
O De Profundis triste da saudade...

E à tua espera, enquanto o mundo dorme,
Ficaria, olhos quietos, a cismar...
Esfinge olhando a planície enorme...

A Ginge da Esfinge

Ednei Rodrigues

Árduo Vácuo
Argumenta com o ar
Sua aréola areniforme
O saibro que broma
Argueiro no olho
Falso Plangor
Leão manso não ruge
O auge da presa
Gerir o circo
Domável Dólmen
Pode ser um dom
Esse de controlar a dor
Mas quando a duna e minha duana
Preciso de uma ducha
O Duende está próximo
Provável duelo
Abandono do abantesma
Abanto anuncia o óbito
Quando só preciso de um abano.

Glossário
areniforme:Semelhante a areia
saibro:areia
broma:bromar(corroer,estragar)
Argueiro:cisco
Plangor:choro
Dolmen:Monumento druídico, pré-histórico, formado por uma grande pedra achatada, colocada sobre outras em posição vertical.
duana:roupa
abantesma:fantasma
abanto:O mesmo que abutre-do-egito

sábado, 25 de janeiro de 2014

São Paulo:460 anos



São Paulo, teu nome
Fernando Paixão

Urbinácia máxima imperfeita
lençol de eus e meus em multidão
plantada em hastes, a planalticeia:
cidade inventada a cada pessoa.

Teus homens, mulheres e moribundos
vestem a roupa rústica das manhãs
à noite desapertam os calçados da tarde
ora com nuvens, ora sem elas.

Levam às ruas o coração fechado
enquanto os olhares usurpam cores
das feias esquinas à quimera das vitrines
atados estamos ao preço das coisas.

E a matéria vivida coexiste calada
nos cômodos das mesmas casas
soma de tantos gestos e sentenças
manchas úmidas nas paredes gastas.

Quantos insones atravessam a tua noite
acionam os remos largos da madrugada
e no amanhecer fecham os olhos cansados
indiferentes à altivez dos arranha-céus.

Na praça do bairro aparecem as primeiras
crianças -as que se interessam pela terra
acreditam na sombra das árvores
e acolhem faceiras a luz deste dia.

Aos poucos -avenidas, viadutos, prédios
despertam os músculos, os ossos e o rosto.
Novamente o corpo se levanta por inteiro
novelo de artérias sem fim nem começo.

Teu nome, São Paulo, induz ao engano,
tão pouco de ti lembra a santidade.


Cidade Turriforme
Ednei Pereira Rodrigues


Baile no bailéu
Valsa no andaime para Andrômeda
Um ândito sem andirobas
Âmbito Ambíguo
Relativo aos Andes
Estrutura que estua
Manguari quando era para aminguar
Amodernar o vetusto
Véu em Vênus
Verniz para a Cicatriz
Alivia o alicerce com a aliteração
Tudo dendróide
Toda seiva se esvai
Desmatar Amsterdã
Mondar como Moda
Armo o ramo com rancor
O ronco que sai do tronco
Fazer galhofa com o galho
Prédio Caulescente
O térreo e o meu tergo.


Glossário

Turriforme:Que tem aspecto de torre
Bailéu:andaime
ândito:caminho estreito,espaço para andar em volta de um edifício.
Andiroba(s):árvore
manguari:coisa muito grande
vetusto:antigo
mondar :podar
galhofa:piada
tergo:coluna





terça-feira, 7 de janeiro de 2014

1 anagrama de 2014




Na tua pele toda a terra treme
alguém fala com Deus alguém flutua
há um corpo a navegar e um anjo ao leme.
Das tuas coxas pode ver-se a Lua
contigo o mar ondula e o vento geme
e há um espírito a nascer de seres tão nua...

 Manuel Alegre


Ansiedade

A degola antes do degelo
A coragem sem roçagem
Verão que revoa
O suor do urso polar
A polaroid não capturou o níveo
Envio o vazio
Um adjetivo que adeja
Deve pairar acima do que se pode proferir
Insolação Ocasional
O furto do fruto
A polêmica do pleno pólen
Nomeado pêssego a amêndoa
Quase um anagrama
Quase um Quasar
Se não fosse o lustre
O onusto escuro
É ônus do rútilo
Tantos foram os recuos
À deriva para evadir-se do inteiro
Ficou nítido em Niterói
Enquanto tudo soçobra
Eles lêem o leme.

Ednei Pereira Rodrigues