Todo mundo precisa de um empurrãozinho
As lentas nuvens fazem sono
Fernando Pessoa
As lentas nuvens fazem sono,
O céu azul faz bom dormir.
Bóio, num íntimo abandono,
À tona de me não sentir.
E é suave, como um correr de água,
O sentir que não sou alguém,
Não sou capaz de peso ou mágoa.
Minha alma é aquilo que não tem.
Que bom, à margem do ribeiro
Saber que é ele que vai indo...
E só em sono eu vou primeiro.
E só em sonho eu vou seguindo.
Turbulências
Ednei Pereira Rodrigues
Estranha Estratosfera
A Estrela Estreita como estrepe
Nefelibata para Espairecer
Tudo Multiforme
Aquela como mufla
Para respirar o Azoto
Lembrar do Esgoto
Outra como coxim
Para a sota do coxêndico
Para o descanso da fuselagem
Trôpego na Troposfera
Tropeço no Trópico
A indecisão me fez arremeter
Prestes a despressurizar
Dilacerar outro dilema
Irromper o Cirro
Nimbar este ambiente denso
De volta à estaca zero
Retomar o controle
A decomposição na decolagem
Sugado pela Turbina
Helianto contra a Hélice.
SONETO COM PÁSSARO E AVIÃO
Rio de Janeiro , 2004
De "O grande desastre do six-motor francês
Leonel de Marmier, tal como foi visto e vivido pelo poeta
Vinicius de Moraes, passageiro a bordo"
Uma coisa é um pássaro que voa
Outra um avião. Assim, quem o prefere
Não sabe às vezes como o espaço fere
Aquele. Um vi morrer, voando à toa
Um dia em Christ Church Meadows, numa antiga
Tarde, reminiscente de Wordsworth...
E tudo o que ficou daquela morte
Foi um baque de plumas, e a cantiga
Interrompida a meio: espasmo? espanto?
Não sei. Tomei-o leve em minha mão
Tão pequeno, tão cálido, tão lasso
Em minha mão... Não tinha o peito de amianto.
Não voaria mais, como o avião
Nos longos túneis de cristal do espaço...
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