terça-feira, 29 de abril de 2014

PECULATO POÉTICO:poesia sobre a lixeira colocada na Oscar Freire

http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2014/04/1443712-cidadona-oscar-freire-ganha-lixeiras-de-r-8-mil.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/2014/04/1443712-cidadona-oscar-freire-ganha-lixeiras-de-r-8-mil.shtml

O BICHO
Manuel Bandeira


VI ONTEM um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem
.

Reciclagem
Ednei Pereira Rodrigues

Um fungo no funil
Para depor o podre
Sem que ninguém perceba
O rasante em Antares do jereba
Camiranga na miçanga
Mixórdia da discórdia
Choldra em voga
A insânia cizânia
O retrato do retrete
Exala o bodum
Fartum comum
Hircismo Hipotético
Quando o imprestável impressiona
Há chorume no terso
Tudo disperso
O cascalho não serve como atalho
Não fuja da alfruja
Punga que purifica
Púrpura mistura
Com o pus pulsilânime
Onde o gari garimpa o impalpável. 


glossário:
Antares:estrela
jereba:urubu
camiranga:urubu
miçanga:coisas pequenas
mixórdia:mistura
Choldra:objeto sem valor
voga:moda
cizânia:discordia
retrete:privada
bodum:cheiro ruim
fartum:cheiro ruim
hircismo:odor fétido
terso:limpo
alfurja:esterqueira

sábado, 19 de abril de 2014

NOTÍCIA POÉTICA:Em tempos de Revolução Francesa em São Paulo




http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,cabeca-em-saco-de-lixo-e-encontrada-na-praca-da-se,1145842,0.htm

Minha cabeça cortada
Joguei na tua janela
Noite de lua
Janela aberta

Bate na parede
Perdendo dentes
Cai na cama
Pesada de pensamentos

Talvez te assustes
Talvez a contemples
Contra a lua
Buscando a cor de meus olhos

Talvez a uses
Como despertador
Sobre o criado-mudo
Não quero assustar-te
Peço apenas um tratamento condigno
Para essa cabeça súbita
De minha parte

Paulo Leminski


Mula sem cabeça
Ednei Pereira Rodrigues

Confundi o vestíbulo com o patíbulo
Ou prostíbulo para a glande
Raciocínio rápido sem a cachimônia
Escorre o sangue com a cachoeira
Chafariz para a chaga
Toda chalaça como encômio
Enconchar meus desejos
Pérola na peroração
Perpassar o perpendicular
Encortinar o alvorecer
Encostado até encrostrar
Somar o mar com minha asfixia
Neste asfalto asfáltico
Multiplicar o múrmur
O murmúrio murídeo
Do mouse preso no PC
Bestunto desta toda bestidade
Em sua mesa como berloque
Não me incomoda o choque
Desfibrilação para desfigurar.


Só os que perderam a cabeça sabem raciocinar.
Oscar Wilde



glossário:
patíbulo:guilhotina
cachimônia:cabeça
chalaça:insulto
encômio:elogio
peroração:última parte de um discurso
asfáltico:referente ao Mar morto
múrmur:sons das águas
murideo:relativo as ratos
berloque:enfeite

terça-feira, 8 de abril de 2014

Cuidado com o vão entre o trem e a plataforma



TRENS URBANOS
Ruy Proença
(Visão do térreo. São Paulo: Editora 34, 2007. p.41)

Não são como os ratos
ou os vira-latas.

Nunca desviam,
os trens.

Este sempre acompanha
o rio morto vivo.

Aqui dentro, uns lutam pra dormir,
outros, pra acordar.

Uns achando que a vida
é preparação pra morte.

Outros, que a morte
é o motor da vida.

Outros não acham nada.
Sobrevivem.

Os meus botões pensam:
morte em vida é que é problema.

Cocteau pensava além: a vida
é uma queda na horizontal.

O trem para. A porta se abre.
Na falta,

qualquer rua, pra mim,
é rio.


Excesso de Contingente
Ednei Pereira Rodrigues

Cruel mainel tácito
Escada rolante sicária
Usou o cadarço desamarrado para matá-la
Nastro no mastro
Para meu naufrágio
Despir a despedida
Maionese no maiô
Ingerir sua lingerie edível
Às vezes ingênuo
Ainda neófito por causa do néon
Malícia no maliforme
Maciço que cede ao lamecha
A lacrecanha se acanha
Constatado o rompimento do lacre
Prolfalças com baldréu
Na hora da baldeação
Balde para o vagido
E o vagão vago conduz vagens
Eu continuo na vagância
Para não corroer.


"Quem inventou a escada rolante? Degraus que se movem. E depois falam de loucura. Pessoas subindo e descendo em escadas rolantes, elevadores, dirigindo carros, tendo portas de garagem que se abrem ao tocar de um botão. Depois elas vão para as academias queimar a gordura. Daqui a 4.000 anos, não teremos mais pernas, nos arrastaremos sobre nossas bundas, ou talvez só rolemos como tumbleweeds. Cada espécie destrói a si mesma. O que matou os dinossauros foi que eles comeram tudo à sua volta e depois tiveram que comer uns aos outros e com isso só um restou e o filho da puta morreu de fome."
Charles Bukowski

Glossário:
mainel:corrimão
sicária:assassina
nastro:cadarço
edível:comivel
néofito:ingênuo
maliforme:forma de maçã
lamecha:sensível
lacrecanha:mulher feia,desdentada
Prolfalças:cumprimento
baldreu:luva
vagido:choro