segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

São Paulo 462 anos

                                                                               

Coração Polar
Manuel Alegre“Senhora das Tempestades”

Não sei de que cor são os navios
quando naufragam no meio dos teus braços
sei que há um corpo nunca encontrado algures
e que esse corpo vivo é o teu corpo imaterial
a tua promessa nos mastros de todos os veleiros
a ilha perfumada das tuas pernas
o teu ventre de conchas e corais
a gruta onde me esperas
com teus lábios de espuma e de salsugem
os teus naufrágios
e a grande equação do vento e da viagem
onde o acaso floresce com seus espelhos
seus indícios de rosa e descoberta.

Não sei de que cor é essa linha
onde se cruza a lua e a mastreação
mas sei que em cada rua há uma esquina
uma abertura entre a rotina e a maravilha
há uma hora de fogo para o azul
a hora em que te encontro e não te encontro
há um ângulo ao contrário
uma geometria mágica onde tudo pode ser possível
há um mar imaginário aberto em cada página
não me venham dizer que nunca mais
as rotas nascem do desejo
e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos
quero o teu nome escrito nas marés
nesta cidade onde no sítio mais absurdo
num sentido proibido ou num semáforo
todos os poentes me dizem quem tu és.
 






***escrito após a leitura de Dalton Trevisan:O Cemitério de elefantes

Surrealismo erótico urbano
"Então, estranhamente, sem motivo algum, ele para no semáforo aberto"

Camaleônico   
     Ednei Pereira Rodrigues      

Arco-Íris ábdito no semáforo
Magnífico vislumbre fulgente
Violento luculento ludibriante
A pulsação do punaré
Cróceo que relincha próximo do Jockey Club
Helianto contra hélices
Oferece Pucaçus como piáculo para o escuro
Helianto despetalado pelo pincel de Van Gogh
Olho com conjuntivite excretando pus
Malear a ramela amarela esverdeada
Alizarina que aliza a esquina
A ganza da granza
Ameaço o buzinaço com um abraço
Daltônico por causa de Dalton Trevisan
Contemplo a  buldôzer que inuma o Airâvata
Fim de expediente,já pode afrouxar a gravata
Luzes da cidade inebriantes
Neon cria neologismos com o curto-circuito do R do Randevu
Cobalto refletido no asfalto
Quase um orgasmo
O verde de algo menálio
Revolta das cores na convulsão urbana
Todos contra o cinza ranzina.


  Glossário:
ábdito:escondido,oculto
luculento:brilhante
Pucaçus:especie de pomba
piáculo:sacrifício
punaré:cavalo de pêlo amarelo
Cróceo:amarelo
Helianto:girassol
Alizarina:vermelho
ganza:maracá indígena
granza:vermelho
buldozer: Máquina de terraplenagem, composta por um trator
Airâvata:elefante divino(Hinduísmo)
Randevu:bordel,prostibulo

 

Uma Cidade
Albano Martins-" Castália e Outros Poemas"

Uma cidade pode ser
apenas um rio, uma torre, uma rua
com varandas de sal e gerânios
de espuma. Pode
ser um cacho
de uvas numa garrafa, uma bandeira
azul e branca, um cavalo
de crinas de algodão, esporas
de água e flancos
de granito.
                      Uma cidade
pode ser o nome
dum país, dum cais, um porto, um barco
de andorinhas e gaivotas
ancoradas
na areia. E pode
ser
um arco-íris à janela, um manjerico
de sol, um beijo
de magnólias
ao crepúsculo, um balão
aceso

numa noite
de junho.

Uma cidade pode ser
um coração,
um punho.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Porosidade etérea

 http://porosidade-eterea.blogspot.com.br
 
 
 
Poema poroso
Ferreira Gullar

De terra te quero;
poema,
e no entanto iluminado.


De terra
o corpo perpassado de eclipses,
poroso
poema
de poeira –
onde berram
suicidas e perfumes;
assim te quero
sem rosto
e no entanto familiar
como o chão do quintal
(sombra de todos nós depois
e antes de nós
quando a galinha cacareja e cisca).

De terra,
onde para sempre se apagará
a forma desta mão
por ora ardente.
 
 
 
 Adversidades 
Ednei Pereira Rodrigues

Sob poros a insensatez do ígneo
Vulcões em erupção
Magma no diafragma
Forneci o frenético frênico
Inferes o frenesi do que sente
Ginge atinge a esfinge
Distância incumbida do apagma
Furem o origma
Rufem o fêmur quando era ponte
Fruem o fruto fúlgido
A febre que fecunda o vazio
Teve o aval da lava na vala
Instiga o plectro na bregma
Estimula a mula até adoçar
Açula o açúcar com o acúleo
Saliente salinas do cálcio corpóreo
Acirra a corda que te colga
Dispneia displicente do disperso
Incita o acardo na acardia à produzir pérolas
Todo fervor arrefece.
 
Glossário:
Frênico:relativo ao diafragma
Ginge:calafrio
apagma:deslocamento de um osso
origma:abismo
bregma:Ponto de encontro das suturas dos ossos frontal e parietais
acardo:conchas
acardia:ausência de coração
 
 
 
 
 
 DESDE O CHÃO
Eugénio de Andrade

A pele porosa do silêncio
agora que a noite sangra nos pulsos
traz-me o teu rumor de chuva branca.

O verão anda por aí, o cheiro
violento da beladona cega a terra.
Cega também, a boca procura
trabalhos de amor. Encontra apenas
o nó de sombra das palavras.

Palavras... Onde um só grito
bastaria, há a gordura
das palavras. Palavras —
quando apetecem claridades súbitas,
o sumo estreme, a ponta extrema
do teu corpo, arco, flecha,
corola de água aberta
ao fogo a prumo do meu corpo.

Do chão ao cume das colinas,
eis as areias. Cala-te.
Deita-te. Debaixo dos meus flancos.
A terra toda em cima. Agora arde. Agora.

De Obscuro Domínio (1971)