terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Porosidade etérea

 http://porosidade-eterea.blogspot.com.br
 
 
 
Poema poroso
Ferreira Gullar

De terra te quero;
poema,
e no entanto iluminado.


De terra
o corpo perpassado de eclipses,
poroso
poema
de poeira –
onde berram
suicidas e perfumes;
assim te quero
sem rosto
e no entanto familiar
como o chão do quintal
(sombra de todos nós depois
e antes de nós
quando a galinha cacareja e cisca).

De terra,
onde para sempre se apagará
a forma desta mão
por ora ardente.
 
 
 
 Adversidades 
Ednei Pereira Rodrigues

Sob poros a insensatez do ígneo
Vulcões em erupção
Magma no diafragma
Forneci o frenético frênico
Inferes o frenesi do que sente
Ginge atinge a esfinge
Distância incumbida do apagma
Furem o origma
Rufem o fêmur quando era ponte
Fruem o fruto fúlgido
A febre que fecunda o vazio
Teve o aval da lava na vala
Instiga o plectro na bregma
Estimula a mula até adoçar
Açula o açúcar com o acúleo
Saliente salinas do cálcio corpóreo
Acirra a corda que te colga
Dispneia displicente do disperso
Incita o acardo na acardia à produzir pérolas
Todo fervor arrefece.
 
Glossário:
Frênico:relativo ao diafragma
Ginge:calafrio
apagma:deslocamento de um osso
origma:abismo
bregma:Ponto de encontro das suturas dos ossos frontal e parietais
acardo:conchas
acardia:ausência de coração
 
 
 
 
 
 DESDE O CHÃO
Eugénio de Andrade

A pele porosa do silêncio
agora que a noite sangra nos pulsos
traz-me o teu rumor de chuva branca.

O verão anda por aí, o cheiro
violento da beladona cega a terra.
Cega também, a boca procura
trabalhos de amor. Encontra apenas
o nó de sombra das palavras.

Palavras... Onde um só grito
bastaria, há a gordura
das palavras. Palavras —
quando apetecem claridades súbitas,
o sumo estreme, a ponta extrema
do teu corpo, arco, flecha,
corola de água aberta
ao fogo a prumo do meu corpo.

Do chão ao cume das colinas,
eis as areias. Cala-te.
Deita-te. Debaixo dos meus flancos.
A terra toda em cima. Agora arde. Agora.

De Obscuro Domínio (1971)

Nenhum comentário: