quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Preencher o vazio com silêncio



Extravio

Onde começo, onde acabo, 
se o que está fora está dentro 
como num círculo cuja 
periferia é o centro? 

Estou disperso nas coisas, 
nas pessoas, nas gavetas: 
de repente encontro ali 
partes de mim: risos, vértebras. 

Estou desfeito nas nuvens: 
vejo do alto a cidade 
e em cada esquina um menino, 
que sou eu mesmo, a chamar-me. 

Extraviei-me no tempo. 
Onde estarão meus pedaços? 
Muito se foi com os amigos 
que já não ouvem nem falam. 

Estou disperso nos vivos, 
em seu corpo, em seu olfato, 
onde durmo feito aroma 
ou voz que também não fala. 

Ah, ser somente o presente: 
esta manhã, esta sala. 


Ferreira Gullar"Antologia Poética"



Começar sem ter terminado

Não teve concordância
Por causa de minha corcunda
Protuberância considerável
Era um protótipo de metáfora
Sem prótons
Mas o prônofero não aguenta o plangor
A planície é densa
O movongo é oblongo 
Não dá para se mover
A inércia ainda é detentora das vicissitudes
O móvito foi premeditado
Foi concedido o direito de conceituar a morte
Não concerne com a cerne
O vazio que se preenche com silêncio
 A letra U era uma lira
Sem lírios no jardim
Delírios do Delóstomo
Delúcia de pelúcia 
Permissão para a Natureza-Morta. 

                                 Ednei P.Rodrigues

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Realismo Superado


SEQUELA



Sempre

a adaga alopática

na goela

do soco 


Rugas

de lágrimas torcidas

no travesseiro



Toda manhã

de cara

passada a ferro




E o verso

infecto

de melodia

em esforço homeopático.


Deise Assumpção







Sequela


O sangue já coagulou
Podemos então sair para deambular
Burlar a Bula
Espairecer a espalação
No campo minado não dá para fazer muitas coisas
A não ser que chova
Iríamos ter mais opções
Um dilema que pode provocar dilatação
Escolho o estolho
Por causa da frase frese
O morangueiro multiplica-se por meio de estolhos
Dilatório para gerações futuras
Teve uma dilação de dois dias 
Sem dilaniar o que restou
Não foi muito,bagatelas
Bagos de algum fruto
Sementar entrames
Detrames do detrativo
Mais uma tentativa de ser frugal.

Ednei P.Rodrigues


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Vontade de ser vulcão



Alvéolos ínferos

obra sucata de coração imprudente fez
aquele não permitindo entre corpo
e linguagem sinal de menor cópula

pensou ocupar-se apenas do espírito
atribuindo equívocos ao corpo
e vocábulos atinados ao pensamento em repouso

mas agora o vento nos atormenta e
nos faz presentes em meio a águas imensas
imaginamos o inimigo nas redondezas

e ele sem novas da guerra sequer nos pensa
nas ondas do aqueronte opulência sicária
naked egg insensato e levado de barca

ao mais turvo lordo da bocarra do inferno
setas inúteis o vencedor agitará 
tendo em mira a sombra dos vencidos

ainda no palácio mudo de ramos e brisa
com desnecessária perícia - depelo congelado -
equipes rivais para distrair a eternidade

jogam um xadrez de dés no quadrículo interminável
uma folia de reis onde campeia o empate e
quizila sem margens jugulando talento

almas-rãs romaria serpente atada à
própria cola e às vezes à alheia
indo dar por círculos vagabundos em areia

incandescente com rastros de mais gente

 Ronald Augusto


Coliquativo




É preciso tomar cuidado,com o poema colisivo
Mantenha distância
Pode derreter a unha
O umbigo sempre foi aspirante a ser Axial
E a manhã axicarada não deixa sentir o gosto da felação
Cerâmica de revestimento
Um êxtase feldspático por causa do magma
Sua metade tadorna
Adnotar o adnominal
Fatores que influenciam o preço do petróleo
A noite líquida não respeita o sentido anti horário dos fluídos
Nem da para ficar ébrio,bebendo um litro
O suor influencia a floresta que se formou com o floretato
Sem tato
Uma pérula como peruca
Efeito colateral da quimioterapia
A lesão da pleura foi superficial
Ainda estou longe da superfície
Isso e o mais perto que consigo chegar de você.

                                             Ednei P.Rodrigues


***escrito após a leitura de medir  com as próprias mãos a febre de Ricardo Domeneck


Eu culpo minha corcunda,
me debrucei
demais sobre você,
esse foi meu primeiro
tropeço.
E ao embalo do seu colo,
notei logo tudo encavalar-se.
Fui seu contrapeso
de gangorra,
seu cavalo-de-balanço
capenga.
Eu corria as mãos
por suas ancas
fortes e moças
e sentia já nas minhas
os sintomas
do engessamento.
Você dançava
e eu me descadeirava,
eu expectorava
e o seu peito subia e descia
calmo. Escute o meu: range
feito roda de carroça.
E quando seus olhos
vagavam para fora
da janela, era
como se eu
fosse defenestrado.
Já era ele
este outro
que você buscava
longe, fora da sala
onde meu corpo
estava tão
ao seu alcance?
Em que momento
um eu
que era um
passa a ser só outro,
outro só?

RICARDO DOMENECK