quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Preencher o vazio com silêncio



Extravio

Onde começo, onde acabo, 
se o que está fora está dentro 
como num círculo cuja 
periferia é o centro? 

Estou disperso nas coisas, 
nas pessoas, nas gavetas: 
de repente encontro ali 
partes de mim: risos, vértebras. 

Estou desfeito nas nuvens: 
vejo do alto a cidade 
e em cada esquina um menino, 
que sou eu mesmo, a chamar-me. 

Extraviei-me no tempo. 
Onde estarão meus pedaços? 
Muito se foi com os amigos 
que já não ouvem nem falam. 

Estou disperso nos vivos, 
em seu corpo, em seu olfato, 
onde durmo feito aroma 
ou voz que também não fala. 

Ah, ser somente o presente: 
esta manhã, esta sala. 


Ferreira Gullar"Antologia Poética"



Começar sem ter terminado

Não teve concordância
Por causa de minha corcunda
Protuberância considerável
Era um protótipo de metáfora
Sem prótons
Mas o prônofero não aguenta o plangor
A planície é densa
O movongo é oblongo 
Não dá para se mover
A inércia ainda é detentora das vicissitudes
O móvito foi premeditado
Foi concedido o direito de conceituar a morte
Não concerne com a cerne
O vazio que se preenche com silêncio
 A letra U era uma lira
Sem lírios no jardim
Delírios do Delóstomo
Delúcia de pelúcia 
Permissão para a Natureza-Morta. 

                                 Ednei P.Rodrigues

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