sábado, 30 de dezembro de 2017

Anagramas suicidas





FIM DO ANO

André Carneiro


O futuro é um pássaro assustado 
na direção da minha testa. 
Recuo, às vezes, mas a terra 
gira satélites implacáveis. 
Calendários são 
asas na madrugada 
Dissolvidas à meia noite. 
Enterro o relógio, 
misturo a matemática, 
não adivinho se é sábado, aniversário 
ou desfile da independência ou morte, 
Chove, as nuvens surpresas 
escorrem no cimento, 
a terra seca morre sepultada 
com seus olhos de areia. 
Algumas espécies desaparecem hoje, 
os lemingues engolem as ondas 
no suicídio inexplicável. 
Perdemos o centro do universo, 
abandonados pelos deuses 
somos primatas apenas. 
Falta o alienígena descer 
da nave resplandecente 
e partir de novo movendo 
frustrados tentáculos. 
Nossa escrita 
nem golfinhos 
compreendem, 
mas decifro a língua 
da abelha dançarina. 
Há muita esperança no amor. 
Todos se cumprimentam, 
mostram dentes limpos, 
presentes com largas 
fitas vermelhas. 
Escrevo o poema adolescente 
esquecido na minha inocente cabeça.




Calêndulas não se preocupam com o calendário
Início no fim
Nada é linear
Poesia dentro do caleidoscópio
Calei na celeuma
A lei obriga o caos
Caso você apareça
Estarei aqui 
Números com úmero
Cardinais com cardo
Deixo a corda
Ela responde
Números são sicários ao escravizar relógios
A calema no clepsidra atrai o surfista
Afoga o cipreste na onda
Este veste sua beca de espuma
Não é como colúria
Mas ainda existe volúpia
Algarismos com algas
Minha metade mar se manifesta
Marejaram-se-lhe todos os interstícios
Mesóclise do meso
A angústia emanando de cada poro
Não adianta se opor ao Meari.


                                            Ednei P.Rodrigues

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Prefixo determinante


Lágrimas Ocultas


Se me ponho a cismar em outras eras 
Em que ri e cantei, em que era querida, 
Parece-me que foi noutras esferas, 
Parece-me que foi numa outra vida ... 


E a minha triste boca dolorida, 

Que dantes tinha o rir das primaveras, 
Esbate as linhas graves e severas 
E cai num abandono de esquecida! 



E fico, pensativa, olhando o vago ... 

Toma a brandura plácida dum lago 
O meu rosto de monja de marfim ... 



E as lágrimas que choro, branca e calma, 

Ninguém as vê brotar dentro da alma! 
Ninguém as vê cair dentro de mim! 


Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"   


Corolário

Minha solidão depende de sua ledice
Defende mas depois fende
Então não adianta muito
Decente até o cio
Decesso do que eu penso
Degelo de tudo 
Minha lágrima não é a mesma 
Verte como eversite
Potável para o deserto
Da emulsão da lágrima
Obtém-se Thar
Esperava o que?
A melhor mistela?
Tira o amargo da boca
Faltou potássio para o ímpeto
Faltou inspiração para a poesia
Agora o metal depende da metáfora
Tempos de persuasão
Temos ainda o vazio
O que fazer com ele?
Não se pode apenas ignorá-lo
Que ele volta mais forte

                                               Ednei P.Rodrigues

Glossário:
eversite-Explosivo à base de ácido pícrico.
Thar-O deserto do Thar ou Grande Deserto Indiano é uma extensa região de deserto
arenoso situada na região noroeste da Índia e região oriental do Paquistão.
Limita-se ao noroeste com o rio Sutlej, ao leste com a cordilheira Aravalli.