quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Ruminante Absconso





PASSOS E ACENOS

Nada tens de ave. Fera lúcida, olho
felino (pantera de Rilke entre grades)
nunca indefesa, à espreita. Além dos olhos,
bebo teu corpo, teu cabelo (franja
dos dias) — o mais dardeja. Também és
elástica e macia: braços, pernas
de roliça cogitação. Vais, vens.
De pé, agitas os vaporosos membros,
ao calor da voz que atordoa o vento.
Sentada, as formas se acomodam, urdem
rútilo desenho. É quando, pasmo, ouço
o marulho do sexo, ávido. Bem
que mereço essa onda, ronda de garras
que me acenam, me buscam pela tarde.

 Florisvaldo Mattos





Cálice


Faltou aliche para ser Mar 
Faltou pouco para ser alicerce 
A origem do aluimento 
Aliciar a metáfora com o alceamento 
Como se fosse uma deidade 
Nume implume contra o estrume 
Mais um aporte áptero 
Realce o lapso 
Provisões para o opressivo 
Reservas para revessar 
Vitualhas para o vitupério 
Vai vir como um refrigério 
Toda minha refringência 
Sem precisar refrondar o trâmite 
O prefixo era cândido 
Unidade de medida de calor 
Quando o álgido era preponderante 
Poesia feita por um alvanel 
No alvanhal como cafua 
Sem cadoz nunca será Arafura 
O alvo era a metáfora. 


                                 Ednei Pereira Rodrigues

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Animais do Anideísmo




Resolução 

Mear o título 
Em busca da ablação 
Quando o lúrido era hegemônico 
A lúria no pescoço fez complô com o sufixo 
O arrecabe fez conluio com o arrebol 
Suscitou soluços 
O Sol era cáustico 
A insolação prejudicou a metáfora 
O prefixo era um animal quadrúpede 
Usou o corte rés 
Haraquiri da metáfora 
Arrebunhar o arredado 
O arrebol tentou reparar o semáforo 
Quando tudo era monobáfico 
Traços de luz divergentes 
Continuo sendo diáfano. 

                            Ednei Pereira Rodrigues

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Anagramas fragorosos


Avarias

Não se preocupe
É só crupe 
O rupe vai parar com o purê
Era pra ser algo rupestre
Avangar com o fardo
Avacalhar a metáfora com o óbvio 
O prefixo muge contra o silêncio
A vacuidade da existência
Fingir o findar no isagoge
O prefixo pierídeo sucumbiu
Pucela tem o seu sufixo de cárcere
Precisava de liberdade para o estro
Precisava de um impulso
Catapulta com seu prefixo de busca
É quase uma rascoa
Talvez num alcoice
Encontre o lirismo que faltava.

                           Ednei Pereira Rodrigues

sábado, 12 de dezembro de 2020

Prefixo de busca




Catástrofe 

O deslinde do inconsciente 
Alinde para o flagelo 
O silêncio deslinguado 
Averiguado seu prefixo volátil 
Catarto para o acatarto 
Foi rápido para contextualizar o deslize verbal 
Tudo se deslocava intensamente 
Não queria ficar aqui 
O texto não era o limite
Depois da tempestade, eles devem deslodarem-se 
Deslodou a metáfora com o auxílio de um trator 
Ninguém estava preparado para a lama 
Eram jovens ainda 
Ainda dava para ficar deslumbrado com o abstrato 
Precisavam de pretensões 
Epopeizar o ínfimo.

                                 Ednei Pereira Rodrigues

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Prefixo Hierático Frugal

imagem:Tentação de Santo Antônio feita por Salvador Dalí

Amêndoas 

Não vai ser excomungado por isso 
Amornar o marrano 
Anatematizar a metáfora 
Estava tão ameno 
Que toda amência não vai atarantar 
Terá a bênção do benario 
Aquiescência do Aquilão 
O Prior persignou o pior 
E o cético acreditou no tético 
O cetáceo teve sua extrema-unção 
Introduzir o introito na introflexão 
Hieratizar o profano 
Prefixo abreviado do que instrui 
A heterodoxia da estratégia se justifica 
A gangrena da gangarina 
Acroase para o sacro 
Prece precedente ao precipício 
Sem previsão de precipitação. 

                                   Ednei Pereira Rodrigues

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Mais do Mesmo

O silêncio 


O silêncio é lacônico 
Lacra espaço de convivência 
Acral ao que se pensa 
O crawl afoga a metáfora 

O silêncio é conciso 
Sem siso 
Toda agelia da rânula 
Anular qualquer tipo de regozijo 

O silêncio do rególito é constrangedor 
Consta o constante nos autos 
A palestra teve que ser cancelada 
Por causa do lóquio 

Colóquio sem coloquialismo 
Sem colofão 
O prefixo grudento 
É resina de uma floresta devastada 

A metáfora não se aderiu a poesia 
Adermia de adrede 
Um corpo tentando se formar 
O silêncio é ensurdecedor.

                  Ednei Pereira Rodrigues

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Anagramas silentes



Nenhum comentário

Actinômetro seria mais útil
O Sol já está tisnando
Proferido a profecia 
Não possuía proficiência sobre o assunto 
Laconismo Lacoso
Incentivo para o autor parar 
E se dedicar ao dedilhável
Talvez bricolagem
Pantomima para pantear
Ensinar um outro idioma ao silêncio
Aramaico ao Aramo 
A dedução se aplica a esse percentual em espécie 
O entendedor era um entenal que voou longe
Élitro para o leitor
Troile migrando
Afiguração do aficionado
Nenhum cílio provocando riso na metáfora
Sequer um insulto
Vacuidade que transcende.

                            Ednei Pereira Rodrigues

sábado, 17 de outubro de 2020

Anagramas Mitológicos



Centauro 

O prefixo estava cansado 
Acabou cedendo ao sedentário 
Folga para a folerite 
Sota para o sotaque 
E com a ajuda do silêncio 
Ninguém vai perceber a dislalia 
Era a inércia atuando 
Atundo para atundir 
Não podia fazer nada 
Sentar e esperar 
Apraz Apraxia 
Rapaz você está estranho hoje 
Ela disse, e foi embora 
Era a solidão operando 
Diálogo Dialúrico 
Colóquio sem coloquialismo 
Era o silêncio agindo.


                          Ednei Pereira Rodrigues

sábado, 10 de outubro de 2020

Descrição de imagem

imagem:homem à deriva ao olhar para si — Susano correia

Acometido pelo óbvio

A ideia era que ninguém seja obrigado a pensar 
Bisar um adjetivo 
O bisão nem vai perceber 
A disciplina do discernimento 
Não perder o tino 
Atinado com a tinoada 
Vou relatar o relapso 
Sem relar a metáfora 
Narrar o naru 
Réplica ao pilecra 
Ofereço a escassa doçura do irracional 
Seu prefixo apídeo contra o amargo 
Irá a algum lugar 
Simplório pilorismo 
Por isso a explanada 
Ainda dava para ver a esplanada 
Pós-esplancnectopia 
Esplandecer o Esplenoma 
Miragem que vem de dentro. 


                           Ednei Pereira Rodrigues

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Anagramas marroazes



Perdas

O mar que é um só não é um
E tu és tu mesmo no metal refulgente
De minhas primeiras versões
Antes de resvalar em minha placenta arrependida
E cair de boca sobre o chão
E dali perder o pâncreas procurando o relógio
E escutar rodar meus olhos pelas escadas
E tu és um só através de órbitas vazias
Brilhas ao escuro como a palavra destino.


                           Gisella Aramburu



Corpo da solidão em formação

Acrobacia

Era acro a pelve
Talvez alcatruz
Traduz o que eu penso
Intérprete do Interposto 
Por intermédio do nédio
Contra o escuro 
O assédio da acrocianese 
Espero sua intromissão com sinatroísmo
Seu acrocordal era acordo com o tordo para o adejo
E o vagido vem do acrocório
Sem cório fica difícil o rócio
O pancismo por causa da agenesia pancreática 
A pancárpia sob a pancardite 
Era lânguido o languenho 
Sem rim mas com rima 
O rímel começou a escorrer por seu rosto 
A rimose do mísero 
Iremos aonde com tudo isso?
Somewhere else.

                                Ednei Pereira Rodrigues

Banho de bacia

No meio do quarto a piscina móvel
tem o tamanho do corpo sentado.
Água tá pelando! mas quem ouve o grito
deste menino condenado ao banho?
Grite à vontade.

Se não toma banho não vai passear.
E quem toma banho em calda de inferno?
Mentira dele, água tá morninha,
só meia chaleira, o resto é de bica.

Arrisco um pé, outro pé depois.
Vapor vaporeja no quarto fechado
ou no meu protesto.
A água se abre à faca do corpo
e pula, se entorna em ondas domésticas.

Em posição de Buda me ensaboo,
Resignado me contemplo.
O mundo é estreito. Uma prisão de água
envolve o ser, uma prisão redonda.
Então me faço prisioneiro livre.
Livre de estar preso. Que ninguém me solte
deste círculo de água, na distância
de tudo mais. O quarto. O banho. O só.
O morno. O ensaboado. O toda-vida.

Podem reclamar,
podem arrombar
a porta. Não me entrego
ao dia e seu dever.

                 
                Carlos Drummond de Andrade            

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Realismo superado

Eu não coleciono mais nada, meu apartamento é pequeno…

O colecionador

Doei minha coleção de vinis ao silêncio 
A coleção de bicicletas para a inércia 
A areia da ampulheta para o deserto
A pirexia para Antofalla 
A cefaleia para o acéfalo 
A coleção de carrinhos em miniatura para as formigas 
A coleção de selos para a distância 
1kg de sal para a saudade construir um Mar e tentar afogar a metáfora 
2 litros de lágrimas para o cirro 
Acúmulo desilusões 
Coleada solidão 
O prefixo era pra grudar mesmo 
Adesivo ao esvaído 
Resina resistente a resiliência 
Dano com o ládano 
Benjoim é quase um ósculo 
Afeto inventado. 


                                  Ednei Pereira Rodrigues

***Antofalla:é um vulcão ativo na Província de Catamarca, na Argentina. Encontra-se a oeste do Salar de Antofalla. Ruínas incas podem ser encontrados na cume do vulcão,[1] conformando o que os arqueólogos chamam de "Apachetas" que são uma espécie de altar de adoração Inca. Tal Apacheta oferece a prova definitiva de inúmeros escaladas pré-colombiana. Possui 6.437 metros e três picos. Antofalla é uma palavra composta da língua Cunza e significa: o lugar onde o sol morre.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Semântica Variável do que se sente

 

Dor elegante

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Como se chegando atrasado
Andasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nessa dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

Paulo Leminski



PAIN 

Em francês é edível 
O trigo anagramático contra o silêncio 
Grife para a grief 
Louvável o esforço 
Não precisava de tudo isso 
Luxo para um debuxo 
Pompa para o que estrompa 
Rompa com a resistência do óbvio 
Ostenta a ostealgia 
O latejo foi como um sismo 
Não culpe o rebo por causa da rebocrania 
A hemicrania prefixal 
E a metade de suas perdas 
A cefaleia em pupa 
Transformou-se em céfala 
A enxaqueca prefixal queria encher o espaço vazio 
Saturar anagramático para se atrusar no vácuo 
Surtara antes do sol a pino 
Antes da heliose será sombra. 

                            Ednei Pereira Rodrigues

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Anagramas ínfimos

                      



                                 
Tarugo de esbrugo

Agora que sou chão
Pavimento de pavio curto
É como um rastilho de pólvora
O estopim do estonteio
Alusão a bituca que você descarta na sarjeta
Não faz muita diferença se você espezinhar
Estonar o percurso
Sem estrona no anestro
Acabou com tudo que entrosa
Não gosta de tacos
Tudo o que eu tasco
Tarugo de esbrugo
Não faz muita diferença o albugo
Sem clichês
Aliche só se alguém cuspir
Na hora da xepa, uma mistura de sabores
Encólpio para o Licopeno
E o chicle que rumino
Você rouba na sola
Meu único Sol
Não faz muita diferença a iluminação.


                             Ednei Pereira Rodrigues

sábado, 22 de agosto de 2020

Insultos poéticos



Ausência

Ela cuinca 
Cinca imperceptível 
Cinco anos ou meses? 
Perdi a noção do tempo 
Evos de uma evulsão 
Análoga ao meu latejo 
Como um látego 
Azorrague de uma blague 
Beluga no oceano 
Aditar Adiposidade 
O latente também gane 
Perfeita cinantropia
Ganirra serve para Ganizes 
Sem ganja 
Latifundiária do que eu penso 
Seu latilabro compensa o escabro 
Volúpia no Volutabro 
Abro o caminho com incoerências 
Poderia ser mais evolvente 
Envolvente como um Envólucro. 

              Ednei Pereira Rodrigues

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Descrição de Imagem

 

Paul Cézanne _ still life with skull

Baixa Imunidade

Pachorra tem um pouco de pacho 
Cansou de esperar 
Os benefícios do desgoverno 
O venéfico com estricnina 
A venectomia 
O lobo parietal ainda uiva 
A calvície precoce 
Agora é só um crânio crancho que venera o frugal 
Tenta morder a maçã 
Vencido pelo tábido 
Inapetência Inapercebida 
Agora que é irracional 
A ira pelo lirismo 
Não penso mais em você 
Neurônios incautos fazem sinapses com o sórdido 
Conloio com engoio 
Ainda tem ego 
Patego na falta de apego 
Todo esse insossego do insosso 
Mais um osso que se quebra.

             Ednei Pereira Rodrigues

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Toda agenesia de áger

Imagem: ovo cósmico de Salvador Dali

Edível 

O estratagema foi ovacionado 
O sufixo e o prefixo são alimentos para a metáfora
Arapuca tem um pouco de ar 
Como se fosse algo lícito 
Como se fosse algo tácito 
Agem de uma maneira estranha quando eu estou aqui 
A gema e a parte amarela do poema 
A origem de algo 
Agerônia ainda na pupa 
Um Sol para iluminar 
Mega falmega 
Toda agenesia de áger 
Agermanar com a Ageustia 
Tudo isso porque eu precisava mais de cálcio 
Tanto caliço que vejo 
Que o nérveo foi esquecido 
Com o esforço, o tendão do ombro se rompeu 
Tanto empenho para nada 
Tanto afinco para o vácuo 
A metáfora tenta preencher essa lacuna 
Cânula de Traqueostomia 
Preciso respirar. 

                                 Ednei Pereira Rodrigues


sábado, 25 de julho de 2020

Toda sandice contra a mesmice


Sufixo Neológico criogênico 

Ainda não era o ápice 
Atice profundezas 
Talvez faltou hélice 
Para o adejo do albatroz 
Cobice o óbice 
O abismo não tem medo da foice 
Talvez coice 
A equidade do equilíbrio 
Prefixo relincha 
Toda sandice contra a mesmice 
Cúmplice do vórtice 
Mesmo que ilice 
Será artífice do índice 
Como apêndice 
Aprende a esquecer 
Talvez encontre lirismo no alcoice 
Onde o pódice é valorizado 
O pódio ainda não era o vértice 
Chances de triunfo eram mínimas 
Trunfo do defunto 
Que venha o Ufo 
Antes que a saudade com seu pouco sal
Derreta tudo.

                          Ednei Pereira Rodrigues

sábado, 11 de julho de 2020

Insulto contido pela metáfora




Megera


Me gera, ela disse
Imposição de condições
Prepotente oculta a ponte
Faça por merecer
Não vale o esforço
Sem valerobromina
Retribuição da Retrete
Vou retravar
Se não tiver um encômio
Mesmo entômico
Um emoticon para anagramas
Apenas seu retrato retrátil
Não é o bastante
Tem que retransir no corpo
A retranca é inevitável
E o bucho túrgido
E apenas vontade de ser Lua
O corpo eclipsado vesti a noite
No Perigeu fica prenha
Uma embolia amniótica originou o caos.

                                Ednei Pereira Rodrigues


terça-feira, 30 de junho de 2020

NÃO ESTÁ ESCRITO ERRADO


A CROTINA

O que queres esconder ?
Com essa saiona que veste ?
Ou pálpebras
A blefaroptose
A anosia ?
A crotina que expele da cona quando está no cio ?
Cretina de enticar
Enganou minha retina
Cacos do olho de vidro
Fragmentos de mim
Agora vejo tudo em pedaços
E me corto constantemente
Em busca de sua constância
Essa mania de andar descalço
Vou acabar perdendo o hálux no hall
Ser vítreo em tempos difíceis
Refletir a confusão e incertezas que vivemos
Reverberar o Reverbério.


                         Ednei Pereira Rodrigues 


Significado de Crotina
substantivo feminino
[Química] Mistura de crotalina e crotonglobulina, que se assemelha a uma toxina bacterial, pelo fato de causar a formação de um anticorpo, quando injetada em um animal.

terça-feira, 23 de junho de 2020

Descrição de imagem



Musa inspiradora


Ela tem uma pirâmide na cabeça
Já pode me amar
Compatível com o meu deserto de dentro
Ela tem dunas mastoides
Conducente ao árido
Ela tem politelia
Propício para o polissomo
A sudorese fez de seu umbigo
Lago agongorado
Para saciar a cáfila
Coerente com a minha desidratação
Ela tem desidremia
Congruente com a minha desídia
Ela tem um design desigual
Conciliante com minha assimetria
Expressão cunhada para designar a arte espontânea feita fora do circuito cultural
Até se desiludir com tudo
Ela tem virtudes
Ela embevece o caos.

                   Ednei Pereira Rodrigues

     ***imagem extraída do site https://www.deviantart.com/atra-virago

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Plágio de mim mesmo


Súbita Subida
Mera meralgia
Mesmo dolicópode
Degringolei do último degrau
Chispas dos chispes
Derradeiro mas derrogador
A degola da derme
O nada me atrai
Seu descaso é outro caso
Há derrisão do nocivo
Normal na próxima curva
Ao norte
Um nódulo górdio
Enrolam-se os fatos
Esféricas miúdas
Como as de Van Gogh
Dobro como um dom
Domável ao dolorífico
Domínio de uma variável
Pode ser um dólmen
O âmbito do ambívio
Deixa tudo ambíguo. 

                     Ednei Pereira Rodrigues

***Poesia publicada em 10/05/2009

Imagem da artista espanhola Alicia Martin que faz esculturas com livros 

Defenestração

Estanque a Estante 
Algo emético
Capiscar o capítulo capialçado
A lauda com láudano produz alucinações
Escada que escacha
Em cada degrau uma poesia
Vade-mécum de Agriotimia
Cartapácio como potássio
Léxico para a estultice
Romance para o caos
Verberar o Verbo
Pendia o compêndio
Tome a epitome como mistela
Abreviação para o silêncio
O aurismo do sumário
Riqueza de imaginação
Monarquia inventada
Cartilha como cartilagem
O avesso da Avesta
Abista para o Abismo. 

             Ednei Pereira Rodrigues

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Arquitetura inventada



ARQUITETURA
com o pensamento em Franz
Kafka
Encapsular o inferno
numa tarde sem mais
de Praga. No entanto
era ele quem deslocava
a cidade para a parede
incalculável de seus olhos.
Auscultar o pântano
de sua razão intranquila
até que nenhuma ponte
se arme para nossa passagem.
Inventar entradas falsas
(entrar sem sequer ter saído)
traços pontilhados, estradas.
Procurar praças estações catedrais
como um cão sem faro.
Como um cão fora de si.
Alcançar o fio cego do horizonte
por algum túnel longíquo
incomunicável; abastecer
o teto mais que o chão.
                                  Laura Liuzzi
Infiltrações

O teto é tétrico
O lustre é meu Sol domado pelo interruptor
Aqui não é Lapônia
Mas tem Sol da meia-noite


O teto tentou imitar Tétis
Quando chove muito
Formam-se goteiras e pinga
A torneira faz plágio

O teto nunca será Tétio
Sem tetimixira
Tentou imitar o aquário
Ictologia inventada

O teto nunca será o limite
E nem preciso de tetrilo para destruí-lo
A metáfora e a tetriz que impulsiona tudo
Daqui da pra ver Ástrapa

O teto é tretonal
Cada nicho que se abre
É uma passagem para minha fuga
Pode até ser fugaz

O teto serve de ninho
Onde a argiope faz sua teia
Para capturar o pássalo
Pode até ser pássaro

O teto não é totalmente inútil
É preciso valorizar o intrínseco das coisas
Mesmo que seja supérfluo
Existe um pouco de flúor na palavra.

              Ednei Pereira Rodrigues



AUTORRETRATO


Como pode água nascer
de pedra
como pode, posso eu
também ter matéria
grave e intransponível
conjugada a esta outra
transparente, irrepresável.
Basta um olhar à fotografia –
o bebê no colo
o papel envelhecido.
Ao mesmo tempo que um avança
somando anos
o outro recua, mais antigo.
Quando as tardes pareciam
maiores
quando o fim do dia
era o fim do dia
quando tatuagens não eram
para sempre.
O tapete da sala era branco
e peludo, parecia um bicho
depois da ração diária.
O sol entrava geométrico
e, espremendo-se entre as grades
desenhava escarpas
onde eu me deitava
junto ao bicho.
Eu fechava os olhos
para ver as cores no escuro.
Só o que morria era inseto.
Sorrir nunca foi fácil.
Cresço com a boca miúda
e ainda não gosto de piadas.
Conservo a interrogação
quando de frente ao espelho:
como pode ser tão diferente
o frontal do perfil?
E me pergunto, desde lá
se todos enxergamos as mesmas coisas
se a língua não é tão só
um mesmo código para coisas distintas
se entre mim e você
não há um abismo sem solução.
O que sei é o que não sei
sobre projetos de futuro.
E mesmo assim escrevo cartas
(funcionam melhor que espelhos)
para meu próprio endereço.
Me respondo como se já tivesse
arquivado toda a memória
e pudesse confortar
confrontar o porvir.
Quando escrevo me passo a limpo
sem riscar as imperfeições.
A infância ainda gravita
em mim. Não só
a minha, mas outras
que vêm com músicas
sub-reptícias, por um atalho
por onde atravessam
com a velocidade
incalculável
do tempo.
Dar nome às coisas:
primeiro passo torto
até que se deseje
as coisas puras
sem auxílio de som —
a rosa única
a pedra que se sabe pedra.
Segundo passo, falho:
inominar.
Nos retratos guardamos nos olhos
o vidro dos olhos do gato
a cama ainda desfeita
a última tempestade
e o escuro do que virá.
[Colher nas mãos o que
das mesmas mãos se extinguiu:
pedra papel tesoura.]

                       Laura Liuzzi