quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Anagramas marroazes



Perdas

O mar que é um só não é um
E tu és tu mesmo no metal refulgente
De minhas primeiras versões
Antes de resvalar em minha placenta arrependida
E cair de boca sobre o chão
E dali perder o pâncreas procurando o relógio
E escutar rodar meus olhos pelas escadas
E tu és um só através de órbitas vazias
Brilhas ao escuro como a palavra destino.


                           Gisella Aramburu



Corpo da solidão em formação

Acrobacia

Era acro a pelve
Talvez alcatruz
Traduz o que eu penso
Intérprete do Interposto 
Por intermédio do nédio
Contra o escuro 
O assédio da acrocianese 
Espero sua intromissão com sinatroísmo
Seu acrocordal era acordo com o tordo para o adejo
E o vagido vem do acrocório
Sem cório fica difícil o rócio
O pancismo por causa da agenesia pancreática 
A pancárpia sob a pancardite 
Era lânguido o languenho 
Sem rim mas com rima 
O rímel começou a escorrer por seu rosto 
A rimose do mísero 
Iremos aonde com tudo isso?
Somewhere else.

                                Ednei Pereira Rodrigues

Banho de bacia

No meio do quarto a piscina móvel
tem o tamanho do corpo sentado.
Água tá pelando! mas quem ouve o grito
deste menino condenado ao banho?
Grite à vontade.

Se não toma banho não vai passear.
E quem toma banho em calda de inferno?
Mentira dele, água tá morninha,
só meia chaleira, o resto é de bica.

Arrisco um pé, outro pé depois.
Vapor vaporeja no quarto fechado
ou no meu protesto.
A água se abre à faca do corpo
e pula, se entorna em ondas domésticas.

Em posição de Buda me ensaboo,
Resignado me contemplo.
O mundo é estreito. Uma prisão de água
envolve o ser, uma prisão redonda.
Então me faço prisioneiro livre.
Livre de estar preso. Que ninguém me solte
deste círculo de água, na distância
de tudo mais. O quarto. O banho. O só.
O morno. O ensaboado. O toda-vida.

Podem reclamar,
podem arrombar
a porta. Não me entrego
ao dia e seu dever.

                 
                Carlos Drummond de Andrade            

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