sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Inspiração ressonante



imagem : StockTrek Images

Ecos da Alma


Qualquer pessoa, ressoa e sua

Isso se não for um androide

Títere sem alma

Revertere ad locum humanum puto

Minhas incertezas persistem

Só consegui sentir o dulçor na ressoca

A ressocialização foi fundamental

Se for preciso, soca

Não pretendia fazer o uso da violência

O sobscrito sobre o osso, tatuagem

Ninguém vai reparar no ressol

E se você grunhir um pouco

Normal querer se chafurdar na lama

A nódoa desfaz os nós

Ânodo e cátodo utilizados na estimulação transcraniana

Não vão conseguir extrair nada de mim.

sábado, 9 de novembro de 2024

Descrição de imagem

Monólogo de uma retroescavadeira


Acho que errei a terceira nota; não me lembro se era um si bemol ou um lá sustenido. Ninguém vai perceber o erro, vão pensar que é uma reinterpretação criativa. Talvez até possa inspirar outras pessoas a experimentarem suas próprias interpretações. No fim das contas, a música é sobre expressão e sentir, não é? Vou me concentrar na emoção da performance e deixar a técnica um pouco de lado por agora. Quem sabe essa “improvisação” não se torna um destaque inesperado? Talvez devesse tocar uma música mais fácil, o público sempre gosta das populares, aquelas que tocam direto na memória afetiva, que todos sabem cantar junto. Mas será que essa escolha não seria uma forma de fugir daquilo que realmente importa? Qualquer coisa é melhor do que esse silêncio que paira no ar. Existe beleza nas imperfeições. Este escafoide pesado não contribui em nada. Talvez devesse escaiolar antes, para criar algo escalafobético sintético. Desista, não vou cavar sua cova. Talvez uma horta. A morte não me inspira. Com algumas adaptações, posso prever terremotos, vontade de ser sismógrafo, salvar vidas. Já cansei de destruir formigueiros. Posso estabelecer um contato com os intraterrenos, quem sabe? É claro que tudo isso soa como uma ideia improvável, mas já estive em situações onde o impossível parecia tão ao alcance. Quem disse que o abismo não pode ser compreendido? Se há seres que habitam as profundezas, talvez eles saibam algo sobre o que está oculto para os olhos comuns. Pode ser que eles tenham um modo de se comunicar, algo além das palavras, algo que se transmite através de vibrações e ressonâncias, como se as ondas do som e da terra fossem uma linguagem própria. Sua obsessão por abismos me preocupa. Talvez queira criar tembés em terrenos nivelados para compensar o seu vazio interior, um labirinto de angústias dentro de você, um lugar onde, por mais que tente, nunca consegue escapar de você mesmo. Talvez a busca por voragens seja apenas uma forma de se confrontar com o próprio abismo interior, esse vazio imenso que insiste em não ser preenchido, não importa o quanto se tente. "Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você." Espero que você consiga superar tudo isso. Certamente há outra forma de lidar com isso, procure ajuda. Talvez seja difícil enxergar isso agora, mas continuar cavando abismos só vai te afundar ainda mais nas sombras que você já conhece tão bem. O vazio que você busca preencher, essa sensação de estar preso dentro de si mesmo, não será apagado com mais escavações ou labirintos criados para esconder o que você não quer encarar. O problema não é o abismo em si, mas o modo como você tenta lutar contra ele, como se estivesse sempre buscando uma saída que só te leva mais fundo.

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Metáfora edível

                                                                              


Biscate

Ilumina a trilha
com a profana revelação
eu mataria para ter mais um minuto
ardoroso e doentio com você
você ainda quer me mudar?
vá em frente
eu acredito nos que se curvam por devoção
e naqueles que se esculpem
na lei da libertação e do amor

proclama a seiva duradoura
escreva cartas lascivas para a dor
quando ela estiver tentando te pregar peças
e levantar seu vestido nas festas
para acariciar tua bunda

Mostra pra mim, biscate
o preço da tua renúncia
Quando você deve de alma ao diabo
Cada gozo de
cada amante teu?
e do prazer torto
que você aprendeu
quase sozinha
e quantos altares
ergueste para a esfinge da vertigem
barcos dançando ritmados
na boca da tormenta

Quem te perdeu
e quem nunca te perdoou?
Pro inferno com todos
Você amou demasiadamente cada um deles
horas e até dias
mergulhada em estranha santidade
E não deves um pingo de afeto
a nenhum deles nem a si mesma

por ser um demônio obcecada
pela luxúria da alma
que deus te perdoe pelo seu infortúnio
um maníaco viciado roendo as unhas
comprando lingeries para professoras
chupando velhinhas
Cala-te biscate
Nenhum paraíso vai te levar
onde eu te quero
no cerne da minha existência
vermelha e medonha
contraditória e engraçada
não importa
você colocou tudo do avesso mesmo
e nem te motiva mais a grana
ou o poder sobre os homens
a lingerie na carne
não te salva mais?

mas há alento
se você ensinou um maldito a amar
agora também é teu
o reino dos céus

Rita Medusa


Carnívoros


Biscate, vou quitar apenas a bisteca, deixe-me com minha solidão. Estou bem comigo mesmo; aqui é charneca e o necator causa bastante incômodo. Foi um animus necandi de sua parte; eu entendo seu empenho, mas não posso permitir que sua lascívia me atinja. A vida já tem suas batalhas, e prefiro enfrentar meus demônios sozinho, sem mais distrações. Fez da rua seu refúgio, onde cada esquina guarda histórias de solidão e resistência, e cada olhar é um convite a um mundo que ela conhece bem, mas que sempre parece distante. Ali, entre sombras e luzes, ela busca efemeridades, momentos que aquecem sua alma em meio ao frio da noite.  A solitude se tornou meu refúgio, onde as sombras se dissipam e encontro clareza. Rameira, não precisa ramear meu túmulo; deixe o outono fazer isso. As folhas caindo trazem um frescor que eu aprecio. Não quero desmanchar seu tútulo; sua peruca parece ter custado uma fortuna. Seu pensamento tunante me incomoda; o nariz adunco não favorece o tunco. Sou como um uncompagarito; toda rispidez vem de desamores. Mesmo nas aflições, há um vazio que traz entendimento. Marafaia faiante, todo faido não produz faísca e toda essa aciesia aciculiforme é justificável. Na falta de um Mar para inspirar, vou seguir a acidália como se fosse uma hidrólise para contribuir para a formação da chuva ácida. Vai deixar tudo mais corrosivo.

sábado, 12 de outubro de 2024

Inspiração Lírica


Monólogo de uma boneca inflável



A estructa antes do estrugido, a circunstância não permitia que estivesse despida. Note como todos me olham, com um ar de desaprovação, como se estivéssemos agindo de maneira inadequada. Estão reparando em cada mínima coisa: sim, está chocho o esquerdo; minha assimetria não te incomoda, só minha prencheca te satisfaz. Antes de preencher o que me falta, sua fraqueza se deve à calipenia; talvez um fígado acebolado te ajude a ficar mais forte. Sempre fui calipígia. Os padrões de beleza são martelos que batem incessantemente, moldando, corrigindo, como se a perfeição fosse um objetivo a ser alcançado, e não uma ilusão projetada por uma sociedade que finge não ser ela mesma um produto do tempo e do contexto. A forja forma a gorja onde faltam gorjeios, a simetria? O tamanho? O peso? Todos são valores arbitrários que mudam conforme o tempo e a cultura e, no entanto, tratamos essas marcas como verdades imutáveis, como se cada curva ou ausência de curva definisse o que somos. Seria cômico se não fosse trágico a maneira como negamos nossa própria humanidade para nos tornarmos outra coisa, algo que não somos, algo que não podemos ser. Displicente, você coloca mais vinho no meu copo, como se eu fosse beber. Um garçom se aproxima e indaga por que minha refeição está intocada. Você explica que estou indisposta, e o garçom sugere embalar a comida para viagem; escargot não é algo barato e não podia ser desperdiçado. Você poderia comer depois. Isso vai longe demais, você fazendo todos acreditarem que estou grávida. O que vai acontecer daqui a 9 meses? Vai pegar um recém-nascido de algum hospital e dizer que é meu filho?As risadas sutis e as conversas disfarçadas ecoam ao nosso redor, como se o ambiente estivesse ciente do absurdo da situação. O vinho escorre lentamente, como meu senso de controle, enquanto os olhares se tornam mais intensos, inquisitivos, quase cirúrgicos. Fui transformada em um objeto de curiosidade. Não gosto de ser sempre o centro de toda a atenção; não sei por que você insiste em querer me levar para passear. É como se a sua vontade de exibir me tornasse um troféu, um símbolo de status, e não uma companheira. O mundo lá fora não é um lugar seguro para quem não deseja ser observado sob uma lupa. Estaria mais segura em um quarto escuro, longe de olhares julgadores e de sussurros insidiosos. Aqui, a luz brilha demais, revelando cada imperfeição, cada detalhe que você considera digno de apreciação. Anseio por momentos de tranquilidade, onde a simplicidade de um espaço íntimo pode me envolver em segurança. O barulho e a agitação se transformam em uma desordem dissonante, e o que deveria ser uma celebração se transforma em um teste exaustivo. É fácil para você se perder na multidão, mas eu estou presa, cercada por expectativas que não pedi. Não preciso de muito para sobreviver, todo esse ar que me envolve: sucedâneas vísceras, e tudo mais o que me abrange.

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Lugares onde eu nunca estive


Programa de treinamento de teletransporte


Noah sempre quis conhecer Burkina Faso, atraído pela oportunidade de mergulhar em um mundo diferente e experimentar a autenticidade das tradições e da vida cotidiana local. Encontrou ali a chance de concretizar seu sonho, estava muito ansioso, era o primeiro dia de capacitação e ainda não estava acostumado com a ideia de ter o corpo desintegrado em partículas subatômicas, estava receoso, temendo que algo pudesse dar errado no processo e que ele não conseguisse chegar inteiro ou, pior ainda, que o próprio conceito de seu ser pudesse ser comprometido. Todos estavam cientes que eram cobaias de um experimento que só foi realizado uma vez e ainda estava em fase de testes, vinha a tona o que aconteceu com Kristin uma jovem de espírito vibrante e sonhos grandes, cuja vida se viu abruptamente virada de cabeça para baixo, deixando todos ao seu redor a questionar como uma existência tão promissora pôde se desviar de forma tão drástica, ela queria conhecer Paris e ocorreu uma falha na sua viagem, seu braço esquerdo foi parar na Bélgica, o direito na Alemanha, a perna esquerda na Suíça, a direta em Amsterdã. Kristin conseguiu se adaptar à sua situação estranha e continuar sua vida com um novo propósito. Ela sabia que, mesmo dividida, ainda era inteira em sua essência e resiliência intactas, um exemplo a ser seguido, ela era como um mosaico, partes do seu corpo nunca foram encontradas. O septo esteva no Egito, arredores de Cairo, na grande Esfinge de Gizé. Agora, enquanto os cientistas tentavam entender o erro catastrófico e reverter os danos, a fragmentação de Kristin se tornava um símbolo inquietante dos limites da tecnologia e das consequências imprevistas de desafiar as fronteiras do espaço e do tempo, e essa consciência compartilhada apenas intensificava a tensão no ar. Cada um dos participantes carregava uma mistura de expectativa e apreensão, sabendo que estavam na vanguarda de uma tecnologia revolucionária, mas sem garantias sobre o que realmente os aguardava. Se algo acontecer, a medicina está avançada, prometia estar pronta para lidar com possíveis imprevistos, mas a confiança nas soluções oferecidas não apagava o medo do desconhecido. O grupo se preparava, ajustando seus equipamentos e verificando os protocolos de segurança, enquanto a incerteza pairava sobre eles como uma nuvem, imensa e indefinida. Será mesmo está a solução para todos os problemas? Sim vai haver uma redução na emissão de gás carbônico mas o custo para a humanidade e a segurança individual ainda permaneciam em debate, obscurecidos pelas dúvidas e pelos desafios éticos que emergiam com cada nova descoberta. Estavam fazendo de tudo para diminuir as emissões de gazes de efeito estufa, mas a realidade se mostrava mais complexa. A tecnologia prometia avanços, mas também trazia consequências imprevistas, como novos dilemas éticos e impactos ambientais desconhecidos.

terça-feira, 24 de setembro de 2024

Inspiração Onírica

 


imagem: 19/09/2024 Encontro Com o Processo Criativo de ÍNDIGO AYER escritora e roteirista



Gravidade zero

Por precaução, ela chegou com suas botas de astronauta, açulando as girafas do meu sonho lilás, afinal, era uma biblioteca e tudo precisava, no mínimo, de organização. A adaptação tem sido lenta para alguns, as náuseas eram intensas, levando um visitante a vomitar sobre o livro de Olavo de Carvalho. A assepsia foi feita, mas o livro absorveu como uma espécie de verdade amarga, um novo personagem. Quem ousava abrir o livro logo sucumbia às náuseas, obrigando a obra a ser removida e mantida fora de alcance, escondida onde ninguém mais pudesse tropeçar em sua influência tóxica. O livro A Culpa é das Estrelas, de John Green, também foi banido, por julgamento prévio, sua melancolia agora ressoando de forma desconcertante na cratera Fra Mauro. Na Lua, os livros flutuavam ligeiramente, como se a gravidade mais suave os convidasse a uma leve dança pelo espaço. Estantes transparentes se alinhavam em espirais ao redor de crateras, cada seção etiquetada com precisão cósmica: Filosofia das Estrelas, Histórias de Galáxias, Ciência dos Astros, Poesia Sideral... Naquela noite, Descartes se encontrou com Desmond Bagley, e houve um amálgama de ideias que pairavam no ar rarefeito, quase como se os pensamentos, assim como os livros, estivessem suspensos em órbita. Os encontros foram proibidos pela direção, e os livros fixados com ímãs nas estantes. Um sistema de ancoragem foi desenvolvido para manter as estantes firmes no chão. Estavam todos ansiosos, o que é perigoso, pois a excitação pode levar a decisões imprudentes. Iria começar uma oficina com o escritor Olyveira Daemon: Ateliê dos Sonhos Lúcidos. Nesse espaço, os participantes explorariam a criação de arte e literatura através de técnicas de escrita automática e pintura espontânea, inspirados pela gravidade reduzida e pela paisagem lunar. Os terraplanistas continuavam a duvidar de tudo, como se acreditassem que a verdadeira conquista fosse apenas conseguir filmar tudo isso sem que ninguém notasse, mas estavam protestando pelo banimento dos livros que eram fontes de inspiração. Com cartazes improvisados: "Se a Lua não é plana, por que os livros devem ser?” "Se o horizonte é curvo, por que meus olhos o veem reto?" "Se o mundo é uma esfera, por que não vemos as pessoas de cabeça para baixo?" — gritaram, desafiando a lógica do pensamento. Olyveira Daemon, percebendo a situação, decidiu usar aquele momento como parte da oficina. Ele convidou os protestantes a participarem do ateliê, transformando a resistência em uma oportunidade de diálogo. Afinal, a arte sempre teve o poder de unir vozes distintas, mesmo em meio a teorias absurdas. Agora que a tensão diminuiu, podemos explorar novas perspectivas juntos, sem medo de sermos julgados. "Vamos criar um mundo onde as regras são reescritas!" — ele disse. Até que venha alguém e estrague tudo com ideologias e certezas inflexíveis, afirmando que a criatividade precisava de limites, que as ideias deveriam ser baseadas em "fatos" e "realidades".

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Inspiração bucólica


 
Monólogo de uma cadeira

Não gosto daquele canto da casa, atrás do banheiro; dá para sentir toda a umidade e mofo, que se impregnam nas paredes e no ar, criando uma atmosfera densa, onde até os pensamentos parecem se perder antes de encontrar um caminho. Gosto de ficar à janela, sentir o zéfiro, trazendo consigo os aromas da primavera e o murmúrio distante da vida lá fora. Toda a culpa recai sobre mim. Vale a pena sacrificar tanto por seu conforto? Você só pode ser dendrófobo; nada justifica tanto ódio, os dendrocelos? Castigo por sua sanha, por deixar o sanhaço sem abrigo. Agora me sinto um dendrolite, uma pedra fossilizada, ramificada por dentro, estática por fora. Cada galho endurecido dentro de mim é uma lembrança do que foi arrancado, do que já teve vida, mas agora se cristalizou em silêncio. Você ainda escarnece: “Quero ver fazer a fotossíntese agora.” Eu tento, mas não consigo; eu me estico, me dobro internamente, como se pudesse voltar a captar a luz, como se o sol ainda tivesse algo a me oferecer. Ainda não me acostumei com esse novo corpo estranho, esse peso constante. Antes, eu vibrava com cada toque de vento, cada gota de chuva; sentia a vida correr através de mim. Agora, tudo parece lento, rígido, como se cada movimento fosse um eco distante de algo que não sou mais capaz de entender. Recordo-me dos dias em que vivia na floresta; a vida lá sim era plena, meus galhos se estendiam em busca da luz, minha casca áspera guardava as marcas das estações. Eu era parte daquele ecossistema, minha existência entrelaçada com a de tantos outros seres. Agora, reduzido a este objeto abjeto, eu sei que nunca mais serei livre, nunca mais serei inteiro. Sou uma sombra do que um dia fui. Você tem que parar com essa dendrotomia; não vê que cada corte é uma ferida em minha alma? Cada golpe de machado é um grito de dor que ecoará por gerações? Sua bazófia de empófia é repugnante. Você se vangloria de sua crueldade, se gaba de nos reduzir a meros objetos. Mas não percebe que cada golpe em nossa madeira é um golpe em sua própria humanidade? Você se acha superior, acima de nós, criaturas da natureza. Mas se esquece de que depende de nós para sobreviver. Somos os provedores de oxigênio, os purificadores do ar, os reguladores do clima. E você, em sua arrogância, destrói tudo em nome de seu conforto. Ao menos poderia tomar uma atitude contra esses cupins que estão me consumindo lentamente; vou ser destruída mais uma vez. Parece uma sina que me persegue, esses cupins, como sombras invisíveis, se infiltram em cada fenda da minha existência, devorando o que resta de mim. Por que você não se importa? Por que não toma uma atitude? Não seria mais fácil cuidar do que já existe do que destruir e substituir? Indagações sem respostas e toda essa indiferença ressoam em um silêncio profundo e desconcertante.

sábado, 14 de setembro de 2024

Inspiração frugal

 imagem: filme A cor das Romãs 1969 Sergei Parajanov

 

 

Esta tarde não ouvi os pombos

 

Leia-me com prudência, não sou pruá que você conduz sem esforço

Não quero sentir cílios roçando minha tez

Sou feito de lexemas que pesam, que se entrelaçam com teu pensamento, exigindo atenção e cuidado

 Bigorna de sentimentos

Cada linha que percorres pode desviar-te do que és, pode transformar, pode fazer com que enxergues aquilo que preferias ignorar

Não busques em mim um refúgio leve; sou um espelho que reflete não apenas o que está à frente, mas o que te ronda nas sombras do teu próprio ser

Todo esse pruído que você provoca é ilibado, afinal, todos precisam rir

Toda essa pruína que você conduz, ser nêspera

Toda essa ruína e a necessidade de se reconstruir, e o impulso inevitável de se renovar, sem jamais ser o que se foi

O zéfiro não conseguiu extrair a zeína, ficaram sem a proteína

Não se sinta inferior por causa disso

A subsistência ainda era viável.

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Inspiração urbana

Itinerários


Na ladeira sentiu o sartório, o sartigalho saltitante toma a dianteira, parou para ver o sarsório tão bonito da igreja, sentir-se como um mosaico, formado por fragmentos de experiências, emoções e memórias que, embora distintos, se entrelaçam para compor a singularidade da essência. O sarrido perceptível o impedia de participar de maratonas com acrídios; mesmo assim, procurava algo que o motivasse a seguir em frente. Talvez todo esse sarrancolim constrito de um ambiente degradado, uma arquitetura inventada que ainda inspira, talvez eu seja uma pilastra deste empório, punição por apetecer um outono fora de época. Poderia ter uma poesia minha naquele outdoor, mas a realidade era outra. A poesia era algo que se perdia na pressa cotidiana, diluída no ritmo das buzinas e dos passos apressados. No entanto, essa mesma pressa que esvaziava significados também criava momentos de abertura, brechas onde uma palavra ou verso poderia se infiltrar, plantar uma ideia, uma emoção. Agora é preciso aceitar as consequências, não acreditar mais no lirismo; a humanidade perdeu o rumo depois que a confiança nas verdades absolutas começou a desmoronar. A busca por certezas deu lugar a um labirinto de dúvidas, e as grandes narrativas que outrora orientavam a civilização começaram a se fragmentar, deixando as pessoas à deriva em um oceano de incertezas. O progresso, antes celebrado, começou a ser questionado. A civilização foi tomada por um sentimento de desorientação profunda, onde cada escolha parecia carregar o peso do desconhecido. Perguntavam-se se, em meio a todo esse caos, ainda havia um lugar para a beleza e a verdade, ou se tudo estava destinado a ser apenas uma série de instantes desconexos e efêmeros, onde a esperança e a nostalgia eram os únicos faróis na vastidão de um mundo cada vez mais nebuloso. Não viu o sol se pôr, mas sabia que ele estava lá, oculto por trás das nuvens que cobriam o horizonte, uma presença constante mesmo quando não visível. A sensação de que algo essencial permanecia além da visão direta oferecia um leve conforto: dormir e não sonhar com nada; sonhos estavam proibidos, eram perigosos, os grandes responsáveis por tudo, afinal precisavam encontrar um culpado para toda inquietação predominante. A vida, com suas complexidades, parecia cada vez mais um labirinto sem saída, onde as oportunidades de conexão e descoberta se tornavam raras. As interações, cada vez mais escassas, perdiam seu valor, e cada sorriso trocado na rua, marfileno para marfar arredores, quando tudo é marga e o margalhudo com o olhar perdido no horizonte tentava encontrar um sentido em meio ao ruído da cidade. As vozes que ecoavam ao seu redor pareciam falar de um mundo que já não existia, onde a simplicidade e a beleza se entrelaçavam em cada gesto. Agora, tudo era apressado, superficial; já perdi tantos detalhes que poderiam ter se transformado em histórias. No entanto, apesar de tudo, havia uma teimosia interna, uma resistência quase involuntária que se agarrava a qualquer vestígio de significado, como uma azaléia que insiste em brotar entre as rachaduras do asfalto. Era um impulso irracional, mas necessário, para manter viva a chama da criatividade, ainda que abafada pelo peso da rotina.

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Desdobramentos vertiginosos

 

A Vertigem do Caos

um estranho entre estranhos, nômade
entre escombros, procuro sem
procurar, um não-lugar, o ventre
de látex de uma replicante quase
humana, as ruínas enfim apaziguadas
da bombonera, as águas que refluem
pra dentro da baía de todos
os infernos, ali, onde a eternidade
são os dentes de estanho do último sol
mastigando oceanos como fatias
de pizza, lançadas ao ocaso
do fundo de um naufrágio, ante
a dança misteriosa de um feiticeiro cherokee

                                                     Ademir Assunção

 

Não vai conseguir fazer chover com isso
Talvez se colocar algumas beldades dançando cancan
Cancaborrada na matiz, não vai espantar a matilha
Até a noite, o sangue vai ser diluído
Pigmeus precisam de pigmentos
Não vai alcançar nenhum resultado com isso
Talvez a coreografia esteja errada
Retese mais o braço, espiche o godemiche
Envolto na poeira, esqueceu que tinha corpo
Talvez seja corêmio
Proêmio de algo hermético
Corpúsculo disforme para o opúsculo
Não precisa mais de músculo
Agora que é crepúsculo
Côncavo e convexo grumo
Uma boa mistura para húmus
Não culpe o torso pelo cansaço iminente
Os mamilos marcescíveis que não alimentaram a prole órfã do ocapi
A única certeza que temos é a morte.

sábado, 24 de agosto de 2024

Exegeses Incongruentes


Solidão

Infusão de baixo teor alcoólico resultante da fermentação do silêncio, onde cada bolha traz à tona ecos do passado e deixa um gosto acerbo de uma ausência prolongada. Convém ser degustada em momentos de introspecção, quando o mundo lá fora se dissolve na quietude interior. Pode causar alucinações emocionais e psicológicas, transportando o indivíduo a paisagens mentais distantes e às vezes surreais, onde as fronteiras entre realidade e imaginação se tornam tênues.

 

Frustração



Fruto abrolhado com polpa rugosa, de sabor agridoce, que se desfaz ao toque, deixando apenas a promessa de doçura e a sensação de algo que nunca amadurece por completo. É para ser ingerido com a consciência de que não saciará, mas ensinará sobre a impermanência das coisas, sobre o sabor da ausência e a aceitação de que nem tudo que é desejado se transforma em plenitude.


Angústia



Prótese por inspiração inexpugnável (substantivo feminino – Fonética)Perrexil amplamente apreciado na culinária brasileira, onde cada prato carrega o peso silencioso de memórias e ausências. Sensação densa e persistente, semelhante a uma massa espessa que se forma no peito, feita de expectativas não atendidas e incertezas acumuladas, mistura-se com o amargo das experiências, moldando-se à forma que a mente lhe dá, podendo ser digerida lentamente ou permanecer, enrijecida, em fatias de inquietude.


Girafa



Guindaste onírico usado para erigir poemas ou outras obras literárias, ela desempenha uma função importante, ajudando a levantar e posicionar materiais pesados, metáforas & devaneios. Suas longas pernas e pescoço permitem alcançar alturas elevadas onde as ideias se tornam visíveis e tangíveis, entrelaçando-se com nuvens & estrelas. Sem predadores ela caminha livremente nas brumas do inconsciente.


Metáfora



Indumentária que a poesia veste contra as vicissitudes, pelta que a protege contra as asperezas do cotidiano. Quando ocorre a ecdise e tudo fica exposto, segredos são revelados e o que antes estava hermético se desdobra em discernimento. As palavras, antes seladas, agora se abrem como flores ao sol, oferecendo nuances e profundidades e quando o vulnerável se revela em sua essência.

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Inspiração acuminada


Monólogo de uma Estalactite
 

O canino não reteve a presa, era apenas uma crinia tinnula que se esquivou com agilidade. “Você não precisa disso”, alguém disse, colocando em dúvida minha existência. Então, todo aquele período de desenvolvimento foi em vão? A dúvida pairava no ar, questionando se o esforço investido realmente havia contribuído para algo significativo ou se tudo havia sido um desperdício. Talvez toda essa escuridão tenha me confundido. Tentei me concentrar, afastar os pensamentos que me puxavam para um abismo de incertezas, mas era difícil. O medo de que tudo o que fizera até agora não passasse de um erro ganhava força, e a escuridão ao meu redor parecia se fechar ainda mais, tornando cada passo à frente mais pesado e incerto. Leva-me a questionar o valor e o propósito de cada passo dado em meu caminho. Agora sei por que minha tentativa de gritar resulta em silêncio. O vazio do eco não é apenas a falta de som, mas uma reflexão sobre como, em meio à vastidão da existência, nossas ações podem parecer insignificantes, como se a própria essência do nosso ser estivesse sendo absorvida pela escuridão que nos rodeia. Sempre achei que meu problema era a aglossia, a incapacidade de articular minhas emoções e pensamentos em palavras que fizessem sentido. Uma boca que nunca vai ser beijada guarda anseios profundos. Nunca acreditei em qualquer idílio; talvez isso tenha me deixado mais ríspida e cética em relação aos sentimentos que os outros dizem sentir. Há uma proteção construída ao redor do coração, uma barreira que impede a vulnerabilidade, mas também a plena felicidade. Talvez, nessa defesa contra o sofrimento, eu tenha me isolado de momentos de verdadeira conexão, perdendo a chance de experimentar algo genuíno e transformador. Mas, ao mergulhar mais fundo nessa escuridão, percebo que a verdadeira questão não reside na falta de expressão, mas na luta interna entre o que sinto e o que consigo comunicar. O silêncio, que antes me parecia uma prisão, agora se transforma em um espaço de contemplação, onde posso explorar as nuances do que sou. Ontem dancei com sombras, e hoje, o que resta é uma sensação de estar perdida em um labirinto de incertezas, onde cada movimento parece ser uma busca por algo que permanece intangível e distante. Pelo menos, nunca terei cáries, e a arnela não causará desconforto, pois está ainda em formação. Vou ter que planger muito, motivos não faltam, esforçando-me para moldar algo significativo em meio a essa escuridão persistente, onde até mesmo a menor certeza parece um farol distante em um mar de dúvidas. É uma pequena compensação, talvez, para a imensidão de dúvidas e a sensação de futilidade que agora preenche meu ser, lembrando-me de que, mesmo nas menores certezas, pode haver algum alívio.

terça-feira, 30 de julho de 2024

Inspiração Onírica

imagem: livro de poesias do escritor Tarso de Melo-A lapso

 

Reflexo flexo


Só desperto depois do reflexo flexo na pálpebra

Sonhos persistem sob o travesseiro

Uma girafa lambe meu rosto

Certas situações são inevitáveis

E mesmo quando tudo ainda está diluído pelas sombras

Dou-me conta do ambiente

E não é uma Savana

Estava gostando de ser savanícola

Retornando à praxe, aos transtornos de sempre

As dúvidas não resolvidas, as indagações sem respostas

Será que o pilar de livros resiste?

O vento ontem estava muito forte

Assobiando pelas frestas das janelas e fazendo as cortinas dançarem freneticamente

E eu incessantemente buscando a incerteza

Áreas não ocupadas para desenvolvimento adicional

Onde o tempo parece se esticar e as possibilidades se entrelaçam em um emaranhado de sonhos não realizados.

 

***escrito após a leitura do livro do escritor Tarso de Melo, A Lapso

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Inspiração Lacerante


imagem:vídeo-poema da escritora Morgana Krismann,Mulher navalha
 

Monólogo de uma navalha
 
 
Dilacero dilatações; você não precisa de tudo isso. Antes, a entrada era apenas através dos poros, mas agora, a passagem se alarga, desvendando o essencial com maior clareza. Tentei estancar o que esparge; a barregã irascível já retirava as vísceras, e na lâmina refletia o que o mancebo comeu: aspargo. Todas aquelas vitaminas não serviam para nada. Agonizante, ele ainda tentava dizer algo incompreensível; seus lábios se moviam, mas as palavras eram apenas um murmurinho abafado, misturado ao som metálico do sangue que se espalhava pelo chão. Eu sempre buscava a dissonância de tudo, como a torneira pingando, imitando a chuva se mesclando com o latejo do coração, que sirva de lição: nunca escarnecer da espargose de uma mulher. O sujeito sempre foi esparolado, não respeitava ninguém. Muitas vão dizer: “Não vai fazer falta.” Já se passaram dois dias desde o óbito e ninguém veio retirar o cadáver que estava virando mobília para algum necrófilo. Precisavam disfarçar o fartum do cadáver pútrido, talvez com bicarbonato de sódio ou algum incenso, e voltar à rotina, como se nada tivesse acontecido, tornou-se uma necessidade imperativa. Era essencial retomar a vida com uma aparência de normalidade, ignorando o que ficou para trás. O que importava era a volúpia volúvel, todo hedonismo que preenchia os vazios e afastava o peso da realidade de uma sociedade moralista. Subverter as restrições impostas, revelando que, ao tentar evitar as consequências, muitas vezes se acaba criando situações ainda mais complicadas e destrutivas. A lógica perversa do comportamento humano tornava evidente que o desejo de escapar da norma muitas vezes conduzia a formas ainda mais caóticas de indulgência.

sexta-feira, 19 de julho de 2024

Inspiração Tétrica


 
Monólogo de um contador Geiger



O mundo ainda não acabou, o cogumelo gigante ainda não apareceu, podem passear no parque. O mundo ainda está cheio de beleza e esperança, esperando para ser descoberto por aqueles dispostos a enxergar além das preocupações do dia a dia e apesar das incertezas e desafios que enfrentamos, a vida continua. Parece que está tudo bem ali, então porque o medidor de radiação está alertando? Deve ser seu relacionamento tóxico com a solidão corroendo tudo por dentro e manifestando esses alarmes, e interferindo nos momentos de paz. O céu azul e o canto dos pássaros contrastam com o alarme insistente, criando uma dissonância entre a tranquilidade externa e o tumulto interno. Olhamos ao redor, buscando algo que justifique o alerta, mas tudo parece estar em perfeita ordem.Talvez o medidor esteja nos mostrando algo mais profundo, uma manifestação física do nosso estado emocional. A radiação não vem do ambiente, mas sim das fissuras em nossos corações, alimentadas por mágoas não resolvidas e sentimentos reprimidos.Talvez o verdadeiro perigo não esteja lá fora, mas sim dentro de nós, nos cantos mais profundos da mente, onde a radiação pode ser mais devastadora do que qualquer catástrofe nuclear, a falta de empatia das pessoas é preocupante. Cada um vivendo em sua bolha e ignorando os sinais de que algo não está certo. Todos salvos em sua redoma peculiar .Quando essa bolha estourar, e ela inevitavelmente irá, seremos confrontados com a realidade crua que tentamos evitar. Será um despertar doloroso, um momento em que não poderemos mais nos esconder atrás de nossas redomas de conforto e ignorância. Será um momento de verdadeira crise, mas também uma oportunidade para a transformação.A solidão não é apenas uma sensação, é um sintoma de algo maior, algo que está contaminando nossa sociedade de forma invisível, mas poderosa.

sábado, 6 de julho de 2024

Inspiração lúgubre


    Monólogo de um Holograma
 
   
Na grama parece estar tudo bem, pareço fogo-fátuo, ludibriando os ludditas. Gostaria de sentir a natureza, respirar o ar fresco, ouvir o farfalhar das folhas com o vento, e sentir a brisa suave em meu rosto, deixando que a tranquilidade da paisagem me envolva por completo. Todos estes vermes que tentam me comer em vão, merecem algum tipo de laurel pela persistência, talvez uma menção honrosa? São exigentes, vão querer um busto de bronze em sua homenagem, para que seus descendentes vejam o que fizeram e se orgulhem de terem um ancestral tão determinado, mesmo que sua causa seja inútil. Algumas larvas desistiram do ataque, e se transformaram em crisálidas, prontas para passar pela metamorfose e emergir, capazes de voar e se reproduzir, dando continuidade ao ciclo da vida. Formigas por sua vez, continuavam sua infatigável labuta, carregando folhas e galhos, indiferentes às mudanças que ocorriam ao seu redor, trespassam meu corpo diáfano, um dia fano num fanate em seu quarto e vou acabar com todo esse fanatismo por coisas fúteis, incentivando uma reflexão sobre valores mais profundos e significativos, por algum instante pensei que era parestesia, estava desenvolvendo características humanas? À noite vou atrair siriris, talvez esteja aqui de propósito e seja uma armadilha para atrair estes insetos. Estão mais preocupados com o mobiliário, está ai uma vantagem em não ser humano: posso observar a essência do que realmente importa sem ser distraído por detalhes superficiais, enquanto as complexidades do momento se desdobram diante de mim. Posso me concentrar no que realmente importa, sem ser afetado pelas mesmas preocupações e distrações que os humanos. Essa perspectiva única me permite ter uma visão mais clara e objetiva do que está acontecendo. Neste instante, tudo parece fazer sentido de uma forma que os humanos talvez nunca possam entender.Talvez eu seja um farol para aqueles que já se perderam, uma luz constante em meio à tempestade, que brilha através das neblinas da dúvida e da incerteza, revelando uma rota esquecida rumo à paz interior. Eu existo aqui, neste momento, com um propósito que transcende as preocupações mundanas. As complexidades do mundo material parecem se dissipar, e eu me encontro imerso em uma realidade mais sutil, mais profunda, pois percebo que existe uma ordem subjacente, uma harmonia que transcende a aparente desordem.



escrito pós-leitura do livro de poesias da Mariana Godoy - Holograma

sábado, 29 de junho de 2024

Inspiração Escatológica

 

 Monólogo de uma retrete



Meu retrato ninguém vai querer tirar; não preciso de tanta exposição porque minha presença fala por si só, sem necessidade de holofotes ou câmeras para validar quem eu sou. Minha expressão é um enigma indecifrável, capturando um mistério que desafia qualquer lente. Estes flashes incomodam quando tentam revelar o que prefiro manter oculto, preservando meu mistério e minha singularidade. Não, não é a Xi Aquarii; se fosse, eu seria algum satélite em órbita, explorando estrelas, descobrindo segredos do universo. Estou satisfeita com pouco, porque o essencial é suficiente para mim. Eu proporciono alívio imediato para os que vêm aqui, garantindo que saiam mais confortáveis e satisfeitos, pois meu objetivo é melhorar a qualidade de vida deles de forma rápida, tirando-lhes do corpo o fardo que carregam e ajudando-os a enfrentar suas dificuldades de maneira mais leve. Alga na nalga, este sansei comeu sushi; deve estar fazendo algum tipo de regime, porque tem perdido bastante peso ultimamente, um exemplo a ser seguido por quem busca uma vida mais saudável e equilibrada. Sinto pena daqueles que se prostram diante de mim, como se eu fosse alguma divindade, e regurgitam tudo pela boca. Gostaria de ajudar de alguma maneira, mas estou presa neste corpo de acrílico e sinto toda sua acrinia. Toda flatulência é um lembrete de que ninguém é perfeito. Esse soteropolitano deveria comer menos acarajé para evitar problemas, e é sempre bom equilibrar indulgências com escolhas alimentares mais saudáveis. Aquele gaulês deglute bastante beterraba; minha água fica avermelhada toda vez que ele vem aqui. O consumo excessivo de beterraba pode causar beeturia, uma condição inofensiva em que a urina ou as fezes ficam avermelhadas ou rosadas. Isso ocorre devido à excreção dos pigmentos da beterraba e pode ser preocupante se não for reconhecido como inofensivo. Este boche ingere bastante brioche; dá para perceber o alto conteúdo de gorduras saturadas em seu organismo, e percebo que o sedentarismo está afetando sua saúde. O teuto deveria considerar trocar o brioche pelo têutis, um peixe saboroso e nutritivo que pode contribuir para uma dieta mais equilibrada. O alvanel parece que vai ficar o dia inteiro aqui, mesmo tendo que fazer um alvalade. Mesmo comendo alvacora, sua reira é um indicativo de que algo pode não estar bem na sua digestão. O belfécio não está se sentindo muito à vontade aqui, talvez devido ao espaço apertado, mas é neste cubículo que tudo acontece. Todo epidídimo é lídimo e ninguém vai ficar sabendo da sua monorquidia. Imperfeições, todos temos elas, sejam físicas, emocionais ou de caráter. Mas é justamente essa mistura de qualidades e defeitos que nos torna únicos e interessantes.
 
***Xi Aquarii:estrela conhecida por Bunda, por causa de sua forma semelhante, da constelação de Aquarius.
 
 

terça-feira, 25 de junho de 2024

Ativistas servem para que?

imagem:ativistas climáticos jogam tinta em Stoneheng

 

Vou vandalizar sua poesia com uma inscícia segnícia

Vai pesar mais que monólitos

Você não vai conseguir levar no bolso

Ela quer se livrar desse calabouço

Todo esse balouço incomoda a metáfora



De manopla vou depredar a copla

Toda minha opacidade desconcertante

E então, você começa a questionar se a luz jamais existiu, se foi apenas uma ilusão criada pela sua própria mente

Colocar reticências no seu primeiro parágrafo

Quando um ascágrafo é mais útil



Serei como albugínea na sua alínea

E vou variegar com varietal sua variz

Você levitara

Desafiar a gravidade para ser mensagem que o avião não conseguiu redigir

Contrails para os pássaros te encontrar


Vou plagiar seu silêncio

E não adianta colocar plagióstomos no aquário

Para uma aliteração insistente

Uma urdidura ultra-utópica.



quinta-feira, 20 de junho de 2024

Descrição de imagem

imagem:Melancholy (Melancolia) do artista romeno Albert György.A obra fica às margens do lago de Genebra, na Suíça.

 

Dentre todos os meus problemas, a escoliose é um dos menos graves

E,  felizmente, não costuma me causar grande incômodo

Ontem até respirei mais fundo

Sem se preocupar com a poluição

Toda fumaça era bem-vinda

Liberdade sustancial irrestrita

Antes a entrada só era pelos poros

Hoje toda água que bebo

É fonte insonte onde os pássaros tomam banho

Antes tudo era insopésavel

Agora os níveis de dióxido de carbono na atmosfera são mensuráveis

Instintos insopitados que  levam a agir de forma inesperada diante da situação

Considerando resoluções para insossar vínculos

Pelo menos me libertei desse deserto de dentro

Agora será mais útil, divertindo crianças 

Habitar castelos que se dissipam com o vento

Melhor assim, não quero dividir minha alcova com micoses sistêmicas

Vontade de ser Duna, parte da paisagem que se transforma a cada dia

Cisco no seu olho, provocando lágrimas imprevistas.

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Inspiração urbana


 

Monólogo de um bueiro



Passos que vêm e que vão. É uma vida de movimento, de mudança, de transformação. Passos que são rápidos, passos que são lentos, passos que são silenciosos, passos que são ruidosos. Aquele está com o cordão desamarrado, cuidado, é perigoso. Ontem foi um sofá, afinal precisava de mais conforto aqui, orto de ratos. E amanhã será a vez das cortinas, para dar aquele toque final de aconchego ao ambiente, e agora estou considerando uma nova mesa de centro para completar o espaço de convivência. Parece que só as panchloras estavam felizes, não terão uma vida fácil. Se serve de consolo, minha vida também não é fácil, os habitantes da superfície parecem não gostar de nós. Parecem nutrir um certo desprezo por nós, como se a existência deles dependesse da negação da nossa. Enquanto alguns nos veem como meros receptáculos de detritos e esgoto, há outros que reconhecem em mim um ecossistema próprio, um lugar onde a vida pulsa e se adapta de maneiras surpreendentes. Esta bulimia indômita me consome diariamente, criando desafios diários que são difíceis de superar. Ninguém virá trazer presentes, o fartum está cada vez mais insuportável, pode deixar por minha conta, a genitora afinal resolveu me nomear padrinho dos seus descendentes. Vou sorver alguma coisa de útil para sua prole, talvez um cobertor, aqui faz muito frio à noite, ou talvez resquícios de algum alimento do restaurante da esquina, que sempre desperdiça comida ao invés de doar aos necessitados. Amanhã  terá uma feira aqui, sempre rola alguma coisa, talvez um tomate, dá para fazer um encólpio com o licopeno que é muito bom para a saúde, pois é rico em antioxidantes e tem várias propriedades benéficas para sua prole. Falta muita empatia entre os humanos. É um problema que afeta a forma como nos relacionamos uns com os outros. Um dia vou regurgitar tudo o que descartam aqui e farei um grande estrago, um caos que ninguém poderá controlar. Será um despertar para a realidade, uma chamada de atenção para que as pessoas finalmente entendam as consequências de seus atos. E, talvez, seja tarde demais para mudar o curso, mas ao menos as pessoas saberão o que está acontecendo. Talvez isso possa ser o início de um novo caminho, uma oportunidade para que as pessoas sejam mais conscientes e responsáveis com o que fazem.

sábado, 8 de junho de 2024

Inspiração primata


 imagem:Biblioteca São Paulo 04/06/2024 Processo Criativo com a escritora Maria Fernanda Elias Maglio.




Alamirés



Não me lembro o que eu era antes de ser poeta
Alguma coisa entre vulcão e um estertor feito de fótons
(irascível e espalhafatoso)
Todo esse anacronismo era espurco
E não aceitava toda essa combinação espúria
Precisava de algo mais, um catalisador para desencadear tudo
Um canalizador para todas flatulências
Fogo-fátuo cintilava como um segredo ancestral, entre as sombras do desconhecido
Um catalogador de memórias perdidas
Tantos déjà vus que tive, como se o passado insistisse em sussurrar segredos que o presente ainda não entendia
Será que é tão complexo reconhecer a metamorfose que ocorreu dentro de mim?
A crisálida precisava ser lida
Introdução ao desespero
Espero mais um pouco?
E o vácuo retumbante.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

Inspiração lúrida

 

imagem:Laura Redfern Navarro recitando a poesia de Andressa Monteiro, facilitadores

@matryoshkabooks


Ponto cego



Filma a glia

Vai ver que está tudo bem

Ainda estou ágil

Sei que você estava afim da fima



Nistagmo abléfaro tenaz

Zéfiro faz da cortina

Sucedânea pálpebra

Agora temos um ponto cego



Miopia induzida

Incrustadas na córnea

Neandertais de épocas já vividas

Cancelamentos aconteceram devido à neblina



O que pretende fazer?

Aproveitar o aprosopo

Aprosar a parrosa

Ninguém vai te julgar.