imagem: 19/09/2024 Encontro Com o Processo Criativo de ÍNDIGO AYER escritora e roteirista
Gravidade zero
Por precaução, ela chegou com suas botas de astronauta, açulando as girafas do meu sonho lilás, afinal, era uma biblioteca e tudo precisava, no mínimo, de organização. A adaptação tem sido lenta para alguns, as náuseas eram intensas, levando um visitante a vomitar sobre o livro de Olavo de Carvalho. A assepsia foi feita, mas o livro absorveu como uma espécie de verdade amarga, um novo personagem. Quem ousava abrir o livro logo sucumbia às náuseas, obrigando a obra a ser removida e mantida fora de alcance, escondida onde ninguém mais pudesse tropeçar em sua influência tóxica. O livro A Culpa é das Estrelas, de John Green, também foi banido, por julgamento prévio, sua melancolia agora ressoando de forma desconcertante na cratera Fra Mauro. Na Lua, os livros flutuavam ligeiramente, como se a gravidade mais suave os convidasse a uma leve dança pelo espaço. Estantes transparentes se alinhavam em espirais ao redor de crateras, cada seção etiquetada com precisão cósmica: Filosofia das Estrelas, Histórias de Galáxias, Ciência dos Astros, Poesia Sideral... Naquela noite, Descartes se encontrou com Desmond Bagley, e houve um amálgama de ideias que pairavam no ar rarefeito, quase como se os pensamentos, assim como os livros, estivessem suspensos em órbita. Os encontros foram proibidos pela direção, e os livros fixados com ímãs nas estantes. Um sistema de ancoragem foi desenvolvido para manter as estantes firmes no chão. Estavam todos ansiosos, o que é perigoso, pois a excitação pode levar a decisões imprudentes. Iria começar uma oficina com o escritor Olyveira Daemon: Ateliê dos Sonhos Lúcidos. Nesse espaço, os participantes explorariam a criação de arte e literatura através de técnicas de escrita automática e pintura espontânea, inspirados pela gravidade reduzida e pela paisagem lunar. Os terraplanistas continuavam a duvidar de tudo, como se acreditassem que a verdadeira conquista fosse apenas conseguir filmar tudo isso sem que ninguém notasse, mas estavam protestando pelo banimento dos livros que eram fontes de inspiração. Com cartazes improvisados: "Se a Lua não é plana, por que os livros devem ser?” "Se o horizonte é curvo, por que meus olhos o veem reto?" "Se o mundo é uma esfera, por que não vemos as pessoas de cabeça para baixo?" — gritaram, desafiando a lógica do pensamento. Olyveira Daemon, percebendo a situação, decidiu usar aquele momento como parte da oficina. Ele convidou os protestantes a participarem do ateliê, transformando a resistência em uma oportunidade de diálogo. Afinal, a arte sempre teve o poder de unir vozes distintas, mesmo em meio a teorias absurdas. Agora que a tensão diminuiu, podemos explorar novas perspectivas juntos, sem medo de sermos julgados. "Vamos criar um mundo onde as regras são reescritas!" — ele disse. Até que venha alguém e estrague tudo com ideologias e certezas inflexíveis, afirmando que a criatividade precisava de limites, que as ideias deveriam ser baseadas em "fatos" e "realidades".
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