Monólogo de uma cadeira
Não
gosto daquele canto da casa, atrás do banheiro; dá para sentir toda a
umidade e mofo, que se impregnam nas paredes e no ar, criando uma
atmosfera densa, onde até os pensamentos parecem se perder antes de
encontrar um caminho. Gosto de ficar à janela, sentir o zéfiro,
trazendo consigo os aromas da primavera e o murmúrio distante da vida lá
fora. Toda a culpa recai sobre mim. Vale a pena sacrificar tanto por
seu conforto? Você só pode ser dendrófobo; nada justifica tanto ódio, os
dendrocelos? Castigo por sua sanha, por deixar o sanhaço sem abrigo.
Agora me sinto um dendrolite, uma pedra fossilizada, ramificada por
dentro, estática por fora. Cada galho endurecido dentro de mim é uma
lembrança do que foi arrancado, do que já teve vida, mas agora se
cristalizou em silêncio. Você ainda escarnece: “Quero ver fazer a
fotossíntese agora.” Eu tento, mas não consigo; eu me estico, me dobro
internamente, como se pudesse voltar a captar a luz, como se o sol ainda
tivesse algo a me oferecer. Ainda não me acostumei com esse novo corpo
estranho, esse peso constante. Antes, eu vibrava com cada toque de
vento, cada gota de chuva; sentia a vida correr através de mim. Agora,
tudo parece lento, rígido, como se cada movimento fosse um eco distante
de algo que não sou mais capaz de entender. Recordo-me dos dias em que
vivia na floresta; a vida lá sim era plena, meus galhos se estendiam em
busca da luz, minha casca áspera guardava as marcas das estações. Eu era
parte daquele ecossistema, minha existência entrelaçada com a de tantos
outros seres. Agora, reduzido a este objeto abjeto, eu sei que nunca
mais serei livre, nunca mais serei inteiro. Sou uma sombra do que um dia
fui. Você tem que parar com essa dendrotomia; não vê que cada corte é
uma ferida em minha alma? Cada golpe de machado é um grito de dor que
ecoará por gerações? Sua bazófia de empófia é repugnante. Você se
vangloria de sua crueldade, se gaba de nos reduzir a meros objetos. Mas
não percebe que cada golpe em nossa madeira é um golpe em sua própria
humanidade? Você se acha superior, acima de nós, criaturas da natureza.
Mas se esquece de que depende de nós para sobreviver. Somos os
provedores de oxigênio, os purificadores do ar, os reguladores do clima.
E você, em sua arrogância, destrói tudo em nome de seu conforto. Ao
menos poderia tomar uma atitude contra esses cupins que estão me
consumindo lentamente; vou ser destruída mais uma vez. Parece uma sina
que me persegue, esses cupins, como sombras invisíveis, se infiltram em
cada fenda da minha existência, devorando o que resta de mim. Por que
você não se importa? Por que não toma uma atitude? Não seria mais fácil
cuidar do que já existe do que destruir e substituir? Indagações sem
respostas e toda essa indiferença ressoam em um silêncio profundo e
desconcertante.
Um comentário:
C@r@lh@, Ednei! Curti muito! Vale a pena uma versão extensidada disso aí! Muito bom!
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