quinta-feira, 25 de julho de 2024

Inspiração Lacerante


imagem:vídeo-poema da escritora Morgana Krismann,Mulher navalha
 

Monólogo de uma navalha
 
 
Dilacero dilatações; você não precisa de tudo isso. Antes, a entrada era apenas através dos poros, mas agora, a passagem se alarga, desvendando o essencial com maior clareza. Tentei estancar o que esparge; a barregã irascível já retirava as vísceras, e na lâmina refletia o que o mancebo comeu: aspargo. Todas aquelas vitaminas não serviam para nada. Agonizante, ele ainda tentava dizer algo incompreensível; seus lábios se moviam, mas as palavras eram apenas um murmurinho abafado, misturado ao som metálico do sangue que se espalhava pelo chão. Eu sempre buscava a dissonância de tudo, como a torneira pingando, imitando a chuva se mesclando com o latejo do coração, que sirva de lição: nunca escarnecer da espargose de uma mulher. O sujeito sempre foi esparolado, não respeitava ninguém. Muitas vão dizer: “Não vai fazer falta.” Já se passaram dois dias desde o óbito e ninguém veio retirar o cadáver que estava virando mobília para algum necrófilo. Precisavam disfarçar o fartum do cadáver pútrido, talvez com bicarbonato de sódio ou algum incenso, e voltar à rotina, como se nada tivesse acontecido, tornou-se uma necessidade imperativa. Era essencial retomar a vida com uma aparência de normalidade, ignorando o que ficou para trás. O que importava era a volúpia volúvel, todo hedonismo que preenchia os vazios e afastava o peso da realidade de uma sociedade moralista. Subverter as restrições impostas, revelando que, ao tentar evitar as consequências, muitas vezes se acaba criando situações ainda mais complicadas e destrutivas. A lógica perversa do comportamento humano tornava evidente que o desejo de escapar da norma muitas vezes conduzia a formas ainda mais caóticas de indulgência.

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