sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Algo Álgido


imagem:Thom Goddard




Monólogo de uma Avalanche



Introdução: A avalanche evoluiu, agora é corretora de imóveis, colaboradora excepcional com ampla vivência profissional. Quem a observa percebe que suas tratativas não se limitam a números ou paredes; há um magnetismo que arrasta decisões para o lado que ela deseja. Testemunhou clientes, antes indecisos, cederem como encostas diante de seu avanço silencioso. Sua presença não apenas altera o rumo de uma conversa, mas também reconfigura a percepção do próprio espaço, como se cada imóvel ganhasse outra identidade sob o toque inevitável de sua ação.




Exasperei quando percebi que nada poderia conter o impulso que me arrastava, exautorei normas, descobri o controle e ele veio com naturalidade. O terreno respondia a cada gesto com uma obediência quase instintiva, enquanto vibrações antigas se dissipavam diante da minha passagem. Fragmentos antes soltos se alinharam, como se tivessem aguardado por esse instante de ordem inesperada. Cada movimento delineava trajetórias novas, revelando possibilidades que até então permaneciam invisíveis, e o mundo ao redor parecia suspender a própria respiração para testemunhar a transformação em curso.
Agora tenho uma profissão, e cada negociação se torna um deslizamento planejado, conduzindo clientes e oportunidades com precisão e velocidade. Nada resiste à minha estratégia, e cada fechamento concretiza o poder que aprendi a dominar, convertendo incertezas em caminhos claros e inevitáveis.
Espero atingir a meta de vendas este mês. Cada ligação realizada, cada visita agendada e cada proposta apresentada se tornam peças de um movimento orquestrado, capaz de transformar dúvidas em confiança e hesitações em decisões. Sigo avançando com determinação, sabendo que cada esforço acumula força suficiente para transformar objetivos em conquistas concretas.
Alguns clientes ainda têm medo de mim, hesitando diante da força e da rapidez com que conduzo cada negociação. Eles observam meus passos com cautela, tentando adivinhar meus próximos movimentos, mas logo percebem que minha intenção não é destruir, e sim revelar oportunidades que antes pareciam inalcançáveis. Com paciência calculada, mostro que cada ação tem propósito, cada proposta guarda possibilidades, e que a confiança, uma vez conquistada, transforma receio em admiração silenciosa.
Não quero decepcionar meu chefe, em um feedback feérico ele disse que eu era muito frígida, não sei se encaro isto com uma crítica ou elogio, pois suas palavras vinham envoltas em um tom enigmático, quase indecifrável. Analisei seu olhar, buscando pistas escondidas, mas encontrei apenas a serenidade de quem entrega enigmas para serem desvendados. Se ele quiser me demitir, tem uma empresa de demolição querendo me contratar, atraída pela minha habilidade de transformar obstáculos sólidos em passagens livres. Lá, talvez, minha intensidade não seja vista como frieza, mas como a força exata para derrubar o que impede o avanço, convertendo ruínas em terreno fértil para novos começos. Mas acho que isto não vai acontecer; no final da reunião ele disse que tenho feeling para vendas, e que poucas pessoas conseguem unir precisão e impacto com tanta naturalidade. Saí da sala com a sensação de carregar uma vantagem rara, como se minha trajetória tivesse sido moldada exatamente para conquistar espaços que outros sequer ousariam reivindicar. Por isso, cada detalhe recebe minha atenção completa. Cada decisão é medida, cada negociação refinada, e cada resultado avaliado com rigor. Sei que minha reputação e a confiança depositada dependem do equilíbrio entre rapidez e precisão, e nada é deixado ao acaso. Avanço com consciência, transformando responsabilidade em ação concreta, e garantindo que cada meta alcançada se torne um reflexo do empenho e da dedicação que dedico a cada desafio.


sábado, 9 de agosto de 2025

Outono precipitado

imagem:Guilherme Baracat


Monólogo de uma folha


Fiquei ali a tarde inteira, introspectiva, tentando fazer a fotossíntese, absorvendo a luz oblíqua que se desfaz no diáfano. Esta árvore vítrea e estranha erguia-se impassível, seus galhos de vidro e aço entrelaçados num emaranhado silencioso, como ossos petrificados que desafiam o tempo. Não era vida que brotava dali, mas uma imitação dura e fria, um esqueleto que sustentava o vazio e o silêncio.
Entre suas ramificações, pequenos refúgios brilhavam como frutos contidos, cada um guardando segredos e vidas invisíveis. Dentro desses pedaços de vida, pessoas habitavam silenciosas, cada uma em seu próprio canto, isoladas, vivendo histórias que eu jamais poderia alcançar.
A pucela chora e, se pudesse abrir a fresta que a envolve, suas lágrimas deslizariam para mim, um bálsamo capaz de despertar a vida adormecida em minhas veias. Cada gota seria um sopro de esperança, nutrindo o que insiste em resistir, alimentando a tênue dança entre o sol e a sombra que habito. Mas permanece fechada, guardando seu pranto para si.
A aquilia era um fator determinante. Só porque não deixo embaçado o vidro, ainda posso escrever seu nome com o pecíolo; seria preciso romper a inércia. Talvez, se eu me mover de um jeito quase imperceptível, ela perceba. Minha aquiria sustentava o declínio, como se minha inclinação silenciosa apontasse para algo que nem mesmo eu compreendo.
Ela, do outro lado, envolta em claridade artificial, não vê. Ou finge não ver. Com a aquiqui, você nem se importou: achou até bonita, cantava, pousava na antena, desaparecia. E eu, sem asas, sem voz, apenas me curvava devagar, esperando que meu gesto tivesse algum peso. Mas não tive. Talvez porque não sou ruído, nem cor vibrante, nem voo. Só uma espera presa no limite entre o toque e o nada.
Nada disso tem real relevância, agora que saúvas me carregam. Só espero não ser comida; talvez me deixem cair num canto escuro do formigueiro, esquecida entre farelos de outras que também já foram verdes; talvez me tornem cama; talvez me empilhem sobre outras memórias que não conheço; talvez eu apodreça devagar e, nesse apodrecer, alimente alguma raiz secreta, alguma coisa que brota no escuro e que nunca verá o sol, mas ainda assim cresce, ainda assim pulsa.
E, nesse destino estranho, talvez exista algum sentido, mesmo que torto, mesmo que não seja o que eu quis, mesmo que ela nunca saiba que eu existi, mesmo que minha última curvatura tenha sido apenas um aceno inútil que ninguém viu. Já não comando meu destino; apenas deslizo, levada por mandíbulas que não sabem da minha saudade. Elas seguem decididas, como se carregassem ouro, mas sou apenas um resto, um fragmento de um desejo antigo.
A cada passo das pequenas operárias, me afasto daquele ponto suspenso onde existia a possibilidade — tênue, delicada — de ser notada.

terça-feira, 29 de julho de 2025

Manual de Sobrevivência em Neblina Interna


imagem:Rogério Skylab dormindo


Durmo entre cigarros: Nada queima, nada arde, apenas um eco contido. Talvez acenda algo depois... Por enquanto, só preciso apagar em mim o resto do dia. As paredes somem, e o chão me esquece. Estou ali e não estou. O tempo dobra, como se respirasse junto comigo. Ao redor, tudo se desfaz com a mesma lentidão dos pensamentos que não chegam a virar memória. Vejo rostos que nunca toquei me olhando como se soubessem de mim mais do que eu. Escuto uma voz — talvez minha — dizendo coisas que só entendo enquanto durmo. Nada dói, mas tudo pesa. Como se a gravidade aqui fosse feita de lembranças mal apagadas. Como se o ar estivesse preso sob o domínio das cinzas. Como se cada sopro de vida carregasse o cheiro do tabaco. Como se o planeta estivesse submerso em um mar de fumaça. Havia uma tabacaria em todas as esquinas. E, enquanto o mundo girava, envolto em neblina, isso aqui parece Bespin, onde irá começar o spin-off de uma vida. Agora, sem erros, apenas silêncios milimétricos entre decisões que ainda não tomei. O horizonte não promete, mas também não recusa. Sinto que posso seguir sem rastros ou talvez deixar pegadas que ninguém vai notar. Cada passo é uma hipótese, cada gesto, um rascunho. Não estou recomeçando. Estou tentando pela primeira vez, de novo. Os dias ainda escorrem devagar, mas não sangram. O passado se desfaz como névoa tocada pela manhã.
As coisas não começam com clarins, mas com uma leve desordem interior. Algo se move sem som, como se o próprio destino estivesse caminhando descalço. Olho em volta e não reconheço nada, mas também não estranho. É como habitar uma lembrança que nunca foi minha. Tudo é familiar e ao mesmo tempo inédito, como uma rua sonhada na infância, revisitada em silêncio por alguém que só existe agora. As certezas perderam o brilho, mas não fazem falta.

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Inspiração marítima

 
imagem:@visualfodder @murjanabodeba

  

A fâmula de Poseidon


Não aguento mais essa maresia, parece que o mar quer invadir minha casa por osmose. Tudo gruda, tudo enferruja, até meu juízo está oxidando. O mar não sabe ficar no lugar dele? Às vezes me pergunto: o que eu fiz para merecer isso? Talvez sejam os desertos de dentro. Se eu fosse uma porífera geneticamente modificada, poderia sugar tudo isso — cada gota dessa umidade insistente, cada gota dessa tristeza que escorre sem permissão.
Certa vez me perguntaram: "O que você vai fazer com as conchas? Serão apenas adorno?"
E eu não soube responder. Porque eu não queria enfeitar nada.
Queria empilhar as conchas como se fossem muros.
Queria colá-las nas janelas pra ver se o sal do mundo parava de entrar.
Queria usá-las como escudo, como armadura, como tradução daquilo que sobrou em mim: uma casca dura por fora, um eco oco por dentro. Talvez um sambaqui na soleira — iria ficar bonito.
Um monte de conchas empilhadas, como quem constrói história com restos.
Um altar de coisas partidas que o mar devolveu sem culpa.
Que fique ali, na entrada, pra avisar: aqui mora alguém que já foi engolido e cuspido de volta.
“E se encontrar alguma pérola?”, me perguntaram, com aquele brilho nos olhos de quem ainda acredita que o mundo compensa.
Respirei fundo antes de responder, como quem busca dentro da própria ossatura uma verdade que não machuque tanto.
Se eu encontrar uma pérola, eu não a celebro.
Eu a acolho.
Porque a pérola é só mais um tipo de ferida cicatrizada com elegância.
Não é joia. É resposta.
Não é prêmio. É memória.
Vou guardá-la, sim.
Mas não em caixinha de veludo, nem sob vitrines.
Vou enterrá-la entre as conchas rachadas, onde ninguém note.
Porque não quero que a exceção me distraia da regra.
“E se você encontrar um dente de tubarão?”
Guardo também.
Não como troféu, mas como arma — é afiado. Pode cortar o que tenta me cercar.
Serve de arma, sim — mas também de lembrança.
Porque, em algum momento, mesmo cercada de predadores, eu já fui feliz.
E é bom lembrar que já sorri entre dentes perigosos.
Não vou pendurar no pescoço.
Vou esconder perto do peito.
Pra que, se um dia me faltarem forças,
eu me lembre que já fui ferida, mas também feroz.
“E se você encontrar uma garrafa com uma mensagem dentro?”
Respondo. Mesmo que a carta não tenha remetente.
Mesmo que as palavras estejam borradas pelo tempo e pela água.
Redargo, porque toda mensagem lançada ao mar carrega um desespero quieto,um pedido mudo de que alguém, em algum lugar, ouça.
Não importa se a carta veio de longe ou de um passado que já não me pertence.
Eu leio. Eu sinto.
E escrevo de volta, nem que seja só em pensamento.
Porque às vezes o que salva não é ser encontrado,
é saber que alguém respondeu,
mesmo sem saber exatamente o que foi dito.
Respondo, sim.
Porque eu também já joguei perguntas ao mar.
E sei como dói o silêncio.
Ainda tenho muita coisa pra fazer, não me incomode.
Já me perguntaram da pérola, do dente de tubarão, da garrafa com mensagem...
Como se eu tivesse tempo pra responder ao oceano inteiro.
Como se eu tivesse obrigação de dar sentido a cada pedaço que o mar regurgita.
Eu tô tentando não afundar — dá pra entender isso?
Tentando manter as mãos ocupadas, a cabeça fora d’água, o sal longe das feridas.
E vocês aí, querendo poesia de cada entulho que encontro.
Nem tudo é símbolo, às vezes é só lixo.
Nem tudo tem metáfora, às vezes só machuca.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Inspiração volátil


imagem: Remedios Varo, “Creación de las aves”, 1957


Abigail


Não gostava do seu nome. Seu sobrinho pequeno, ainda começando a falar, a chamava de Ababil, e ela sentia rêmiges crescendo nas costas, mesmo sem céu por perto, como se o voo a chamasse de dentro. E agora, quem se atreve a decifrar o destino de uma criatura deslocada no tempo? Todo esse anacronismo pesava sobre ela, enquanto seu desejo mais profundo era apenas existir no agora.
Vão acusá-la de ofender a fé. Isso pode resultar em prisão para mim? Estava preocupada. Afinal, ela não tinha culpa das distorções temporais. Sentia o peso da acusação pairando no ar, como um manto opaco que lhe cobria a pele.
O medo da prisão não era apenas pelo corpo, mas pela alma, pelo que representava ser aquela que desafiava não só o presente, mas o passado e o futuro entrelaçados. Seria possível ser culpada por algo que nem entendia? Por um tempo que fugia das mãos, deformado e esquecido?
Seus ossos pareciam mais leves a cada dia, como se o corpo estivesse se desfazendo da matéria antiga. O espelho devolvia contornos que não reconhecia. O rosto se alongava sutilmente, os olhos pareciam mais escuros, mais oblíquos, e havia algo na curvatura do pescoço que lembrava o pouso.
A humanidade lhe escapava por entre as falas e gestos. As palavras já não vinham com facilidade, como se sua boca soubesse que a linguagem dos homens era provisória. O corpo, antes obediente, agora seguia um ritmo outro, instintivo, como se estivesse ensaiando uma dança de vento.
Os dedos estavam longos demais, finos demais. A pele das costas coçava como terra rachando antes de parir raízes. Quando passava por vidraças, o reflexo devolvia uma figura que não pertencia mais a este tempo nem a esta espécie. Havia perdido o rosto que um dia foi seu, sem nem perceber quando.
A voz, agora rouca e breve, parecia feita para o grito, não para a conversa. Onde antes havia voz, agora há siringe, e o som é outro. A fúrcula se formava sob a pele como uma ponte viva entre os ombros, arqueando a estrutura, sustentando algo que ainda não sabia nomear.
Havia tensão nas articulações. Um pressentimento ósseo de que algo estava por vir, algo que não caberia mais nos limites da carne antiga. As costelas, comprimidas pela metamorfose, vibravam com o compasso de um bater invisível, como se dentro dela existisse já o gesto do impulso, do salto, da ascensão.
Dormia mal, espremida entre lençóis que pareciam gaiolas, com sonhos de alturas jamais visitadas. Os ruídos do mundo ficavam mais agudos, como se filtrados por tímpanos alheios, atentos a frequências que ninguém mais escutava.
As unhas curvavam-se, endurecendo-se em garras delicadas.
Com todo respeito a Alá, recuso-me a me opor aos etíopes. Sou uma ave pacífica, e meu peito não abriga guerras. O instinto que agora me habita não reconhece fronteiras, nem disputas, nem nomes dados pelos homens às suas inimizades.
Carregava no crânio uma bússola desorientada, apontando para direções que não estão nos mapas.
As escápulas doíam, não como dor comum, mas como uma memória encarnada tentando abrir passagem. Em vez de orações, vinham assobios, silvos partidos que escapavam no silêncio das madrugadas.
O sono era leve, feito de vigílias sutis, como se a vigília fosse uma espera por vento.
Toda a acrofobia e vertigem se foi, como se jamais houvesse temido os abismos. A simples ideia de altura agora lhe causava desejo, não receio. Havia nascido em sua carne uma familiaridade com o espaço aéreo, com o risco suspenso, com o nada que sustenta.
Já não sabia se havia nascido para esta forma ou se estava voltando a ela. E quanto mais se afastava da figura que fora, mais reconhecia uma outra lógica, feita de instantes suspensos, de mensagens no ar, de orientação solar.
Não era fuga. Era retorno.
E talvez, no fim, tudo isso fosse só isso: uma espécie de reencontro com aquilo que antecede a fala, a culpa, a punição.

Glossário: Ababil
substantivo masculino:Segundo o Alcorão, ave monstruosa mandada por Alá contra os abexins, quando Maomé nasceu, para que não sitiassem Meca. Variação de ababila 



sábado, 5 de julho de 2025

Adjacências


A Solidão de um Delírio Lúcido

Só conseguiu dormir em Alden. Mesmo depois do aldeamento, seguia incrédula. Mesmo no delírio, havia método: era fácil aldeagar suas teorias absurdas.
Teve que expulsar toda aquela gente. Afinal, que procurem outros planetas para viver. Que tentem em Júpiter, onde a gravidade esmagaria até seus argumentos. Ou que se aventurem em Saturno, girando sem fim entre os anéis, tentando dar sentido ao que nunca teve forma. Existem outras luas, incontáveis, geladas, esquecidas, que talvez os acolham. Calisto, por exemplo, espera em silêncio, coberta de cicatrizes tão antigas quanto suas próprias ilusões.Aqui, já foi feito o necessário. A operação foi complexa, mas silenciosa. Ela dizia que os cientistas haviam mentido demais, e agora mereciam um vazio. Um céu sem satélite. Nenhuma maré. Nada de eclipses para distraí-los da verdade.Levou anos planejando, sondando fraquezas no protocolo lunar, driblando a vigilância das agências espaciais com um balé de espelhos, drones falsos e comunicações embaralhadas.
Quando percebeu que sozinha não conseguiria, fez o impensável: ligou para seu velho conhecido Elon Musk. Afinal, alguém com tanto dinheiro podia muito bem emprestar um foguete — talvez até dois. Não foi difícil convencê-lo. Bastou prometer que aquilo abriria novos caminhos para a exploração privada do espaço, e que a Terra plana seria, no mínimo, uma boa notícia.
A Lua não foi levada à força, mas puxada com precisão por um sistema de tração orbital experimental, desenvolvido por engenheiros dissidentes que juravam ter entendido o real desenho do cosmos. Um campo gravitacional reverso, envolvido por cabos eletromagnéticos, guiou a travessia como se fosse um reboque silencioso entre crateras e escuridão. Assim ela sumiu, como um sonho recolhido antes do amanhecer.Precisava da Lua, e não era prepotência. Era cálculo, convicção. Sem ela no céu, o mundo inteiro teria que olhar para cima e notar o que antes ignorava. A ausência escancarava aquilo que o excesso sempre escondeu. O céu limpo era o seu argumento mais puro. Sem curvas, sem fases, sem distrações refletidas.Alguns, ainda confusos, ousaram perguntar: “Mas e a gravidade? Como você lida com ela lá?” Ela sorriu com certo desdém, como quem já ouviu a mesma dúvida em inúmeras vozes, sempre com o mesmo espanto. Depois, explicou com a calma meticulosa de quem decorou cada detalhe técnico ao longo dos anos.A gravidade ali era tênue, suave, como se o corpo pesasse menos porque carregava verdades demais. Bastava controlar o centro de massa, ajustar os passos à leveza estranha do solo cinzento. Os trajes foram adaptados, os instrumentos calibrados — tudo pensado para que o próprio andar parecesse argumento.O negociador indagou: “Qual é a exigência para o estorno?” Ela não hesitou. A exigência era clara, inegociável: que reconhecessem, oficialmente e sem rodeios, que a Terra era plana. Nenhuma margem para metáforas ou interpretações poéticas. Queria a confissão escrita, assinada, selada com carimbo científico. Só então, talvez, devolveria a Lua.Mas o reconhecimento nunca veio. Nenhuma assinatura, nenhum selo, nenhum pedido formal de desculpas pelo equívoco esférico. A confissão que ela exigia ficou suspensa, assim como a Lua — imóvel, oculta, silenciosa no alto do seu pequeno apartamento pressurizado em Alden, entre paredes metálicas e monitores que piscavam como vaga-lumes artificiais.Com o tempo, as marés se reinventaram. Os oceanos aprenderam a seguir outros ritmos, guiados talvez pelo magnetismo dos próprios ventos. Agricultores adaptaram os ciclos, criaram métodos independentes do céu. Poetas — esses sim — foram os primeiros a desertar. Sem a Lua para suspirar, passaram a mirar Vênus, tão visível quanto melancólica, acesa nas primeiras horas da tarde: um planeta que parecia sempre à beira de algo, como um amor que nunca chega.A Lua, esquecida em órbita baixa e privada, segue lá, presa ao delírio de um só. Não gira mais para ninguém, não ilumina marés, calendários ou canções. E ela, a sequestradora serena, assiste tudo pela janela estreita do módulo. Espera, ainda, a rendição do mundo.
Mas ninguém veio.


Glossário: Alden é uma cratera que se localiza no lado negro da Lua, entre Hilbert a norte-nordeste e Milne a sul-sudeste.

segunda-feira, 30 de junho de 2025

Elocução Etérea

 

imagem:@ariannamaih

Diálogos impertinentes


— Aquela já foi polinizada, as pétalas estão caindo. É estranho observar o fim de algo que brilhou com tanta intensidade. Lembro do perfume que ela exalava quando ainda sonhava em florescer para o mundo. Já se inclina para o inevitável, com a dignidade das coisas que sabem partir.
— Tem uma calma estranha no seu jeito hoje.
— Não se preocupe comigo, estou bem. Apenas um vazio leve me encostou por dentro.
— Você acha que há sofrimento nela?
— Talvez não seja dor… talvez seja só o corpo aceitando que não há mais o que oferecer, como quem se despede sem palavras, deixando o tempo levar o que não é mais dela. Fica um pouco no ar, um pouco na lembrança, e um pouco em quem teve o privilégio de vê-la aberta.
— Efemeridades… como se cada instante estivesse prestes a desaparecer.
— Às vezes penso que aquilo que não dura não vai nos afetar tanto.
— Vamos ter que voar mais longe.
— Por entre as folhas, há armadilhas silenciosas esperando voo distraído.
— Você, outra vez, preocupada comigo… Você percebe coisas em mim que nem eu noto. Sempre sabe quando algo em mim se recolhe.
— Se meu voo te inquieta, eu mudo a direção.
— Se acalme. É bonito esse jeito seu de estar por perto sem pedir.
— Talvez porque aprendi a ficar como quem não pesa, como quem entende que presença também pode ser abrigo.
— Você sempre chega assim, como quem escuta até o que não confesso.
— É que alguns silêncios seus gritam mais do que qualquer palavra.
— Quando voamos lado a lado, o vento pesa menos.

— Mesmo assim, senti o Mistral se aproximando…
— Esse sopro desmedido de longe?
— Sim… começa aos poucos, mas logo arranca tudo do lugar. Estou receosa.
— Podemos buscar refúgio antes que ele nos alcance.
— Mas e se ele já estiver nas sombras, nos vigiando entre os caules?
— Não se antecipe ao que ainda não chegou.
— Não é medo… é pressentimento.
— Eu entendo. Há ventos que não anunciam sua força, apenas varrem.
— E eu só queria garantir que continuássemos inteiras.
— Às vezes, inteireza é justamente o que sobra depois da ventania.
— Então me promete que, se for preciso, pousamos.
— Prometo que, se o céu escurecer demais, descanso ao seu lado.
— Mesmo que só reste um galho inclinado?
— Mesmo que reste apenas a sua presença me dizendo: aqui ainda é seguro.
— Obrigada por não duvidar da minha inquietação.
— É ela que nos mantém alertas… e, de certo modo, vivas.

(O vento passa leve entre elas, e nenhuma tenta decifrá-lo. Apenas sentem.)

— Às vezes penso que é isso que nos mantém em movimento: não a força das asas, mas o que nos move por dentro.

(O céu, nesse instante, parece mais largo — não por ser maior, mas por conter tudo o que elas não disseram.)

sábado, 21 de junho de 2025

Inspiração cáustica


imagem: encontro com a poetisa, ensaísta e cronista Mariana Ianelli na Biblioteca São Paulo no dia 14/06/2025 lançamento do livro Desculpa qualquer coisa, compilação dos melhores textos produzidos em 2024 na oficina Ateliê de Criação Literária e edição Celso Suarana(Abarca editorial) pela curadoria de Olyveira Daemon


Terá sido
O mais sufocante verão
Desde décadas
O inverno mais severo
Pouco importa:


Lembrar fará arder a brasa
E os meandros
Serão desses de fumo
Que mal se desenham no ar
Se desfazem.


A mão pensativa
Não mentirá sobriedade
Dançará
Um nome fulvo sobre o papel
Um céu sem nuvens


Dançará esta mão
Menina insolente
Sem quem lhe veja
As pontas dos dedos
Alcatroadas de solidão.

                                         Mariana Ianelli




extraído do site: https://revistaacrobata.com.br/demetrios/poesia/5-poemas-de-mariana-ianelli/




Lembranças de coisas que nunca aconteceram


Lembro do Cembro
Sombreando a casa como um êmbolo coagulado entre o que fui e o que ainda insisto em esquecer
Muitos dias de chuva e tudo começa a embolorar, como se o tempo escorresse lento pelas paredes
Não adiantou deixar alguns pensamentos (os mais importantes) na parte mais arejada da casa... eles também acabaram mofando
Não vou embonar a metáfora
Embornecer arredores para dissolver aos poucos o espesso da ausência
Sob o verniz falso da rotina
Escordar o escórdio não vai te ajudar em nada
Quando a escória se confunde na escoriação
Todo escorjamento é memória da carne negando a própria pele
Ecdise para escornar o arruá
Diálos atorçalado no seu batismo
Acantoado sem adnotação
Sentir-se apartado de tudo é normal
Quando até o ar parece coagulado de culpa
Aninhado entre os músculos, como ferrugem que aprende a falar
Sem reclamar da maresia
O batissófico ainda me inspira
Trófico de um praxe que insiste em me devorar por dentro
Um pouco do ftórico não vai te fazer mal
Quando o teórico já morreu
Sinto falta de pistache
Todo piche que escorre pelas frestas, querendo me cobrir
Onde cada palavra que eu cuspia voltava em forma de nó
Onde a fome era mais de esquecimento do que de sustento
E eu, reduzido ao intervalo entre o susto e a resposta
Fingia controle enquanto me entregava à combustão lenta
Do verbo que nunca deveria ter sido dito
Porque até o erro tem seu ritual.





Glossário:
embonar- Reforçar exteriormente o costado de um navio.
Metal Cobrir molde de fundição com chapa de madeira para permitir posterior fresamento.
Fresamento é um processo de usinagem para criar engrenagens
Embornecer-verbo transitivo mesmo que  amornar
Escordar-Variação de recordar
Escórdio-ubstantivo masculino[Botânica] Menta europeia perene, macia (Teucrium cordium), com flores cuja cor varia de cor-de-rosa a roxa, a maioria axilares; escorodônia.
Arruá-adjetivo[Brasil] Arisco, espantadiço, desconfiado.Indócil, mau, raivoso.Ecdise-substantivo feminino[Biologia] Ato de soltar ou perder o tegumento, como no caso de certos insetos, a pele nas serpentes, a pelagem em certos mamíferos e a plumagem entre as aves; muda. Antôn: êndise.
Diálos-variante de "diávalos" tradução do grego para o português de Diabo 
Acantoado-adjetivo,Posto a um canto; apartado, isolado.
Adnotação-substantivo femininoResposta do papa, mediante simples assinatura, a um pedido.
batissófico-adjetivoRelativo ou pertencente ao conhecimento das profundidades do mar ou às coisas ali encontradas.
Atorçalado-adjetivo,Que foi enfeitado de torçal; que foi adornado com fios de ouro.
Trófico-adjetivo,Relativo à alimentação (de um indivíduo, de um tecido vivo etc.).ftórico-adjetivoQue se refere a ftório; fluórico(flúor).

quinta-feira, 12 de junho de 2025

Surrealismo erótico apocalíptico



extraído do livro: Manifesto contra a felicidade eterna (ou cinco réquiens para uma morte lenta)
Júlio César Bernades 


  
O terno está na lavanderia.
Afinal, não posso ir de qualquer jeito... se for pra acabar tudo, que seja com estilo.
Toda pompa de pompeiano.
Como quem entende que o fim é só mais uma ocasião social, e toda ocasião social exige o traje adequado.
Não, ela não vai pompoarizar.
Não faz sentido multiplicar o que já está falhando em unidade.
Satélites salpicam emoções gaseificadas.
Nova especiaria.
A saudade precisa mais de sal.
Toda saliva dos corpos absorvida
não formou marés.
Foi quando o chão deixou de reconhecer meus pés.
Foi quando a sua teoria da Terra triangular só parecia absurda até percebermos que tudo afunila.
A eternidade agora tem gosto de ferrugem.
Ela entrou no compartimento como compáscuo,
(compassadamente, para não ter a acoplagem).
Quando minha acoprose te incomoda,
deveria agradecer, porque agora o gás metano encontrou utilidade.
Ela entrou na bifurcação como um coquetel molotov emocional.
Um passo em falso e tudo iria explodir.
Recuso-me a ser lixo espacial.
Parafusos soltos podem ser úteis — seguram mais
que estruturas inteiras.
Tive que perder alguns para o insight.
Aceito o vácuo que já não me surpreende.
Antenas uso na cabeça.
Sempre quis ser algum inseto.
Um besouro, talvez,
carregando ruínas nas costas, ou uma barata imortal entre desastres,
indiferente à lógica
dos grandes colapsos.
Minhocas entendem
o valor de cavar no escuro.
Vagalumes, mesmo em queda,
ainda piscam.
Se o universo não me quer humano,
que me aceite com seis pernas
e olhos que enxergam
além do visível.
E toda essa anteneasmia vai diminuir
ante ao antauge.
Sinto falta das antas:
sua calma pré-histórica,
seu andar sem pressa
em direção a lugar nenhum.
Talvez elas soubessem
que a salvação nunca foi
tecnológica.



Glossário:Pompeiano
adjetivo relativo a Pompéia, antiga cidade do Sul da Itália, sepultada em 79 pelas cinzas do Vesúvio
Anteneasmia (substantivo feminino)
Impulso ou tendência persistente ao suicídio; inclinação mórbida para tirar a própria vida.
Compáscuo- substantivo masculino Pastagem comum.
Acoprose-Falta de fezes nos intestinos. 
Antauge-substantivo masculino O mesmo que perigeu(substantivo masculino-Ponto da órbita, real ou aparente, de um astro, quando mais se aproxima da Terra)

sexta-feira, 6 de junho de 2025

O que escapa da sombra



imagem do filme:The Rainbow Thief- Alejandro Jodorowsky- 1990


Associações impertinentes: A bolha, a mácula e o cacto


Não precisa me olhar desse jeito, eu não roubei o arco-íris, e eu não tenho culpa de ser iridescente. Jamais tive qualquer inclinação cleptomaníaca. Brilhar não é crime, pelo menos não da última vez que conferi as leis da física. Se a luz resolve se despedaçar em mim, talvez seja só porque encontrou superfície. Não pedi pra refletir cor nenhuma, só estou aqui, existindo, do meu jeito translúcido demais pro conforto de uns. E sinceramente, não conheço nenhum código, nenhuma corte, nenhum veredito que declare isso um delito. Não lembro de ninguém ter escrito uma regra que proíba beleza acidental. Se incomoda, talvez seja porque revela demais, mesmo sem dizer uma palavra. E não estou sozinha nisso. Já viu as asas de uma Morpho azul? As penas de um pavão? O dorso metálico de um besouro, ou o interior de uma concha de nácar? Nenhum de nós roubou nada, apenas nascemos com esse dom inquietante de dobrar luz até ela confessar todas as cores. Se isso incomoda, talvez o problema não seja o reflexo, mas quem insiste em não querer ver.
Eu só flutuo, até encontrar com a rebutia. Meu túmulo é sarçoso, sua sarcose não é nada perto disso. E mesmo assim você se ofende com o que mal toca. Vive tentando podar o que cresce fora do seu vaso, como se espinho fosse ameaça, quando tudo o que faço é existir em silêncio, entre camadas de ar e tempo. Você esquece que não há pacto entre mim e a terra, apenas uma dança suspensa, leve demais para o seu peso.
Não sou sua ameaça. Sou sua lembrança. De quando tudo ainda era tênue e luminoso. De quando olhar não era julgar, e cor não era afronta. Eu reflito o que você esconde. E isso te fere mais do que qualquer espinho meu jamais poderia.
Não me tornei assim pra irritar. Me tornei assim porque fui deixada em paz por tempo suficiente. Cresci iridescente porque ninguém tentou me cobrir de opacidade. E agora você vem, com sua sarçose domesticada, reclama da intensidade alheia. Se sua estrutura não aguenta um reflexo, quem delimitou a forma e chamou o resto de falha? Você só reconhece o que cabe na sombra, mas esquece que até ela precisa de luz pra existir, por isso resiste ao que transgride seus limites.
Não tenho culpa se você ainda se sente sujo por dentro. Cada um lida com suas cicatrizes como pode. Eu lido com a minha efemeridade como se fosse um fogo delicado que precisa ser alimentado com cuidado, uma chama que sabe que pode se apagar a qualquer momento, mas que escolhe arder com intensidade enquanto dura.




Glossário:rebutia-espécie de cacto

sábado, 31 de maio de 2025

Inspiração urbana




Monólogo de um semáforo



Apesar do vermelho, não há raiva envolvida, estética inflamável. Não confunda intensidade com descontrole. Já quis explodir só pra deixar de conter. Aqui, a repressão veste máscara de calma. Sou o limite entre a pressa e a urgência que ninguém admite, como se o mundo pedisse contenção com a falsa gentileza de quem segura a mão só pra impedir o soco. Sim, eu oscilo, sou instável com propósito. Já fui constância, hoje sou risco calculado com gosto de caos. O verde causa todo esse azáfama como uma azagaia que me fere, ainda me pega desprevenido, como se fosse a primeira vez. Já devia ter virado hábito, mas ainda dói como se cada passagem fosse um abandono. Permitir o fluxo é rasgar um pedaço do que tentei conter, e, mesmo cercado de rotina, há algo de profundamente solitário em ser a pausa entre dois mundos que nunca olham pra trás. Já quis ser pespego, mas este pespeneiro continua a me lacerar, fixando-se no âmago do meu ser. A cidade te mastiga em silêncio e regurgita teus ossos na calçada. Antes, repetia padrões; agora, sou cálculo à beira do colapso, equilíbrio à beira da vertigem. O impulso adiante me atravessa como lâmina, sempre súbito, sempre fundo. Nunca virou costume: cada rompimento ainda me esvazia como se partisse algo que lutei pra manter inteiro. Deixar passar é abrir ferida. Há rotina, sim, mas nenhuma que cure a solidão de ser o instante que separa dois tempos que nunca se pertencem. Já ansiei repouso, mas este movimento sem fim me arranha por dentro, fincando sua permanência onde mais arde. Já quis reverenciar o poeta que fez de mim sua segunda pele, me moldei pra caber no contorno do seu silêncio, se cobriu de mim pra não encarar a própria nudez, me assumiu no corpo, mas nunca na alma. Carrego o rastro do que você esqueceu em mim. Sinto o que deixou em mim, cravado na espinha do que somos, costurado no fio da existência. Está escrito: “O fluxo e o perluxo do suxo se dispersam na imensidão”, ficou como um epitáfio que ninguém lê, invisível ao olhar apressado que só busca atravessar. Quando verdejo, na verdade é um protesto por mais árvores nesta cidade tão cinza, e finjo consentimento enquanto sou corroído por dentro. Observo os corpos se apressando como se corressem para longe de si mesmos, cada passo uma tentativa de fuga, cada olhar um reflexo do medo de parar, porque parar significaria encarar o vazio que habita por trás das buzinas, que gritam mais alto que qualquer pensamento. Sou parte de uma coreografia forçada onde ninguém sabe a música, apenas obedecem ao compasso surdo da pressa. Às vezes queria me dissolver no asfalto, escorrer para os bueiros e sumir com toda essa urgência fabricada, mas permaneço, porque sei que, sem mim, tudo desabaria. Talvez por isso me detestem em silêncio, como se minha existência fosse um lembrete constante de que há algo fora do controle, algo que exige espera, e esperar virou sinônimo de derrota num tempo em que vencer é chegar primeiro, nem que seja ao nada. Quando estou fúlvido, é como se o mundo prendesse a respiração por um segundo que ninguém respeita. Sou o intervalo dourado entre o ímpeto e o impacto, o brilho que antecede o erro, o clarão que avisa mas não convence. Cintilo como um presságio que ninguém deseja ouvir. Sou ignorado com a mesma facilidade com que se ignora a própria intuição. Meu dourado não é luz, é prenúncio, é fratura em forma de cor, e mesmo assim continuo a existir, como se ainda houvesse chance de ser compreendido. Mas já entendi que aqui não há espaço para nuances, só extremos.

terça-feira, 20 de maio de 2025

O Abismo que Lê

imagem:@visionaryaiimagination




A biblioteca era submersa, e um certo desagrado pairava sobre alguém: utilizar vestimenta adequada para imersão prolongada, toda vez que queria ler algo, era um incômodo constante. O traje colava à pele como uma segunda camada fria, e o processo de equipar-se tomava preciosos minutos de preparação. Ainda assim, o verdadeiro desconforto vinha depois, ao adentrar as salas inundadas de silêncio líquido, onde os livros flutuavam presos por correntes finas ou repousavam em estantes seladas, acessíveis apenas com o visor correto e gestos precisos.
O escafandro era aflitivo: apertava a cabeça e abafava os sons do próprio pensamento. A cada descida, a pressão ao redor parecia comprimir não apenas o corpo, mas também a vontade. O ambiente subaquático exigia concentração constante: uma piscada mais longa podia comprometer a leitura, um movimento em falso fazia as páginas se afastarem, vagando lentamente até o teto translúcido do recinto. As palavras, ampliadas pelas lentes, emergiam diante dos olhos como espectros, difíceis de fixar.
Ela era uma arqueóloga subaquática, e isso não era problema para ela, pelo menos não no início. Havia algo quase ritualístico no ato de se preparar, como se cada camada de roupa e equipamento representasse uma transição para outra realidade. Contudo, o que antes era fascínio agora tornava-se desgaste. A biblioteca parecia viva, não em um sentido biológico, mas como uma entidade que reagia à presença humana. A sensação de estar sendo observada crescia a cada visita, embora nenhum sensor ou monitor indicasse anomalias.
Foi depois de um maremoto que tudo começou a se alterar de maneira mais evidente. A estrutura da biblioteca, antes estável apesar da profundidade, apresentava fissuras sutis que não constavam nos registros anteriores. As colunas de contenção, cobertas por corais e sedimentos ao longo de décadas, agora expunham partes metálicas reluzentes, como se tivessem sido recentemente raspadas por uma força invisível. E agora as folhas dos livros estavam espalhadas por todo o espaço, flutuando lentamente pelas águas escuras. O impacto parecia ter rasgado a essência do lugar, fazendo com que volumes antes cuidadosamente organizados se desintegrassem em pedaços dispersos.
As páginas se soltavam das capas, girando suavemente, como se levadas por uma corrente invisível. O silêncio, antes denso e abafado, agora parecia carregado de um peso novo, algo entre o caos e o mistério. As adjacências estavam cobertas por fragmentos de texto, palavras que, antes enredadas na ordem rígida das prateleiras, agora se viam livres, porém dispersas. O lugar parecia um labirinto de letras e pensamentos. Uma poesia encharcada sobre uma rocha seca, com o Sol refletindo na água calma — tudo parecia efêmero, irreparável.
Os pensamentos que antes estavam restritos a páginas perfeitamente alinhadas agora flutuavam sem direção, livres em um mar de incertezas. O cenário que se desenhava diante dos olhos era, ao mesmo tempo, desolador e fascinante. Os fragmentos que antes formavam relatos, teorias e ideias agora se misturavam como uma aquarela desfeita pela correnteza. Ficou mais difícil para ela. Teria mais trabalho agora, para organizar tudo aquilo.
Ela tentou recolher os fragmentos, mas os gestos precisos de antes já não produziam o mesmo efeito. As páginas escapavam das mãos como se possuíssem vontade própria, unindo-se a outras que contradiziam suas origens. Um tratado filosófico fundia-se a uma poesia; uma lista de códigos, com fragmentos de cartas esquecidas. Tudo parecia testar os limites da compreensão, como se aquele espaço tivesse deixado de armazenar conhecimento e passado a criar novas formas de pensamento por si mesmo.
Essa fusão inesperada sugere que o lugar não apenas armazenava memória, mas reconfigurava significados. Talvez estivesse reagindo a uma necessidade não dita, talvez estivesse respondendo a quem ousava mergulhar em suas profundezas. Era como se o conhecimento não quisesse mais ser consultado, mas vivido, intuído, sentido por aproximação, um pensamento líquido, em constante recomposição.

sábado, 10 de maio de 2025

Inspiração hierática


imagem: O navio dos loucos- Hieronymus Bosch

Da Tília provém vitualhas, o legorne empalado no fronde, tudo exige esforço para ser alcançado. Na alheta, um ébrio exige costeleta, cospe penas no pargo ainda vivo, preso por crinas de cavalo em um galho, e grita: AGORA VAI APRENDER A VOAR! O tamborilador de crânios marca o compasso dos que dançam sem sombra, enquanto uma sóror endemoniada entoa ladainhas satânicas em seu alaúde. A ossatura na amura, para roerem depois, serve de troféu ao pierrô cego que calcula estrelas com um garfo.

Estavam desrespeitando o alimento sagrado, ultrajavam aquilo que deveria ser reverenciado: o maná para o manaça, a ambrosia para o ambroso, o sangue para o sedento, a seiva para o espasmo. A quilha regurgita caroços de fruta mastigada por bocas inexistentes. Os que se refestelam sobre um tapete de vísceras confundem-se em risos histéricos. A língua bifurcada da sibila lambe o cálice de fel, e seus olhos ausentes piscam em descompasso com o relinchar da besta disfarçada de anjo.

Tudo é oferenda, mas ninguém agradece. Enquanto o fole do anacoreta estufa e murcha como pulmão em suplício, deixaram aquela anaconda humana à própria sorte. Cada balanço da embarcação é um julgamento, cada ranger da madeira, confissão arrancada da língua por mastigações de silêncio. Não incomode o trasgo. Se tem um vigia, por que deixaram a pândega sair do controle? Talvez para testar os limites, medir até onde a estrutura suportaria a carga da desordem. Há quem invoque o tumulto apenas para observar, e quem se atreve a contê-lo?

Tolerar o desvario pode ser também um modo de reconhecer os que ainda preservam discernimento, os que não se rendem à cadência do exagero. Dos galhos retorcidos surgem murmúrios esquecidos, ancestrais ocultos zelam por segredos entre musgos e raízes. Evite passos ruidosos, pois há pactos selados no convés. A decídua não serve como um mastro, porque sua estrutura natural, com ramificações irregulares e densidade variável, compromete a resistência mecânica e dificulta a fixação de velas ou outros componentes náuticos.

O desvario começou com um sussurro, e agora cresce como hera sobre pedra antiga. Quem ousará restaurar a ordem antes que o breu engula o que restou do juízo?

Vai ter que parar de comer se quiser cantar, engasgo iminente. Depois, não culpe a gluma quando a bruma que você glugluta escurecer as ilhotas de Langerhans.

Lamentamos pelos inconvenientes causados. Desculpe-nos por não oferecer um conforto que seja realmente reparador. Quando o corpo se torna um campo de batalhas internas, sobrecarregado de desejos insaciáveis, não sabe mais distinguir entre necessidade e exagero. Não há retorno quando se perde o caminho entre o prazer e a dor. Nada pode ser desperdiçado, estamos enfrentando escassez de recursos.

Colocamos coletores de alimento. Não se assustem com eles, apesar de suas feições. São irmãos nossos, escolhidos para a tarefa ingrata de recolher o que sobra, vasculhar migalhas entre os dentes, lamber os pratos secos, remexer nas entranhas das frutas podres. Alguns já esqueceram que foram homens, agacham-se nos cantos, farejando o chão como cães famintos, disputando com as ratazanas a última partícula de carne.

Quando o alimento acabar, sobreviverá a fome ou a razão? Vão virar canibais, não por crueldade, mas por desespero, arrancando a humanidade dos ossos uns dos outros, na tentativa de prolongar o inevitável. A ética será esquecida como um livro molhado num naufrágio, e os olhos, outrora cheios de compaixão, buscarão carne, não companhia.

A árvore, no lugar do mastro, compromete a estabilidade. O mar, impiedoso, não perdoa improvisos. O vento castiga, e nós, frágeis, resistimos como podemos. O orgulho se despedaça no convés, junto com os estalos secos da madeira velha. Já não há espaço para vaidades. O que resta é sobreviver.

Continuam a navegar, sem se  preocupar com regras, deixando o vento e as estrelas guiarem nosso destino. A cada onda que quebrava contra o casco, mais se entregavam à liberdade que o mar nos oferecia. Não havia um rumo certo, apenas o desejo de explorar o desconhecido, de estar perdido para, talvez, nos encontrar em algum lugar melhor.

Quando paravam em algum píer, a piêmese da piela era evidente, e tudo isso nos deixava imunes à pieguice da piesimetria. Mas alguém sempre gritava: BLASFÊMIA! E ninguém parecia se importar, quando a sensação é de que já estavam afundando lentamente dentro deles mesmos.


Glossário:
Legorne, palavra derivada do inglês Leghorn, designa a raça de galinha poedeira de ovos brancos, oriunda da região de Livorno, Itália.
alheta: Prolongamento externo da popa do navio.
anacoreta:religioso que vive na solidão.
ilhotas de Langerhans.Ilhotas pancreáticas (ou Ilhotas de Langerhans) são um grupo especial de células do pâncreas que produzem  insulina.
Manaça: homem indolente.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Inspiração pueril




Monólogo de uma gangorra


Gango para sua incoerência, quando a inflamação de um gânglio limita, e o corpo silencia onde a alma ainda grita, mas ainda assim sorrio com a ternura de quem entende o caos. Gangarreão e sua peculiar idiossincrasia, mesmo assim ainda tem a gangarilha, quando que de gângaras para um mundo que se arrasta em lentidão, como se cada passo fosse dado com a resistência de um corpo cansado de lutar contra si mesmo. Toda essa ledice efêmera me incomoda. Quando estou no ápice, sinto poder apalpar Aldebaran, quase pego a maçã da macieira e sinto toda a maciez das folhas que dançam no vento, sem se preocupar com nada. É nesse instante que tudo parece fazer sentido, mesmo que por breves segundos. As maçãs reluzem como se carregassem dentro de si a sabedoria do início. Nunca vou comê-las, não por falta de desejo, mas por saber que certas coisas existem apenas para serem contempladas, e eu quase escuto o estalo das suas cascas se abrindo para revelar o suco da memória. O mundo se curva em pequenas ondas de nostalgia, compreendo que a leveza é, na verdade, o disfarce da dor.
Quando estou na gleba, sinto o ínfimo vil se dissolver no murmúrio das raízes, como se o chão sussurrasse segredos enterrados sob o peso do tempo. A poeira se ergue em espirais suaves, desenhando no ar a memória de passos antigos que já não sei se são meus. Tudo se move em lentidão, mas há uma precisão nisso, uma cadência quase sagrada que escapa à lógica e repousa apenas na intuição. A terra exala lembranças esquecidas, como se cada grão soubesse mais sobre mim do que minha própria memória ousa admitir. Os pés afundam, aceitando o peso que não se vê, e cada passo é como uma conversa com o telúrico, a qual me leva a perguntar aos vermes: O que é ser poeira, senão matéria que se reinventa ao se fundir com a terra? Sinto o petrichor da bátega que caiu sobre mim a noite inteira. Pelo menos vai lavar o vômito em mim, limpar as marcas invisíveis que carrego. A chuva parece não só apagar a sujeira, mas também suavizar a dureza do ser que se acostuma a suportar sem questionar. Cada gota que cai carrega um peso alheio, como se, ao entrar em contato com meu corpo, absorvesse o que me afasta de tudo o que é puro. A terra, agora saturada, me abraça com uma suavidade inesperada, e sinto o calor de suas raízes se infiltrando sob minha pele, fazendo-me lembrar que pertenço a algo maior que meus próprios dilemas. O chão, com suas infinitas camadas de histórias, fala sem palavras, em uma língua ancestral que não precisa de tradução. Eu a entendo, porque sempre soube que, no fundo, as respostas estão todas aqui, sob o peso do silêncio.
Sinto o prurido do gadanho afiado do pássaro que em mim pousou. Às vezes queria voar, sair um pouco de mim, escapar da rotina, do peso dos dias que se repetem. Imagino como seria deixar tudo para trás por um instante, só para ver o mundo de outro lugar, de cima, com mais clareza. Talvez não fosse uma fuga, mas um jeito de entender melhor o que sinto aqui embaixo. Não sei se o pássaro veio me ensinar ou apenas lembrar que ainda tenho esse desejo de movimento dentro de mim. Mas ele está aqui, firme, como se dissesse que voar é mais uma questão de coragem do que de asas.
O dia está calmo hoje, nenhuma criança por perto. Sinto folhas caindo sobre mim. São leves, não conseguem me mover. Apenas se acumulam, uma a uma, formando uma camada fina de silêncio e tempo. O ar está morno, quase parado, como se o mundo estivesse esperando alguma coisa que não chega. Apenas um cachorro veio urinar sobre mim, e o cheiro me invade, desagradável, como se a tranquilidade do momento tivesse sido rompida de maneira inesperada. Esse animal podia, ao menos, escolher outro lugar. Por que justamente eu? Com tanta árvore por aí, acho que o perro ficou obcecado comigo. Agora ele cava ao meu lado como se quisesse me exumar. Cada movimento dele é uma martelada nos meus pensamentos, uma lembrança de que até na quietude algo sempre vai interromper. Eu observo, impotente, o animal fazer sua escavação, como se estivesse determinado a desenterrar algum segredo que nem eu sabia que guardava. O barulho das patas contra o solo me incomoda, uma espécie de insistência sem sentido. Se ao menos ele soubesse o quão desconfortável é ser o alvo de sua curiosidade, talvez procurasse outro lugar para aliviar suas necessidades. A cada escavação, sinto a base embaixo de mim afrouxar, como se estivesse prestes a ceder. Eu já estava firme, mas agora a pressão do solo se desfaz, e a sensação de que estou prestes a cair cresce. Não queria provocar quedas ou acidentes, mas agora a sensação de que estou prestes a sucumbir é inevitável. Não é culpa minha que ele tenha escolhido este lugar, mas, de alguma forma, agora sou eu quem arca com as consequências. Eu só queria que ele parasse, que encontrasse outro lugar para se distrair, que sua insistência não interferisse mais em minha paciência.



Glossário:gango-substantivo masculino[Portugal] O mesmo que mimo, meiguice.
Gangarreão-substantivo masculino.Desordem mais ou menos profunda na saúde de alguém.
gangarilha-substantivo feminino[Teatro] Companhia itinerante, com poucos atores, no teatro espanhol. 
Gângaras-De gângaras, indolentemente; de má vontade.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Inspiração frugal




Imagem:filme A cor da Romã(The Color of Pomegranates)1968
Sergei Parajanov




Manual para um Caos Deliberado


A arte de empilhar é pura organização. Depois, você pode colocar os títulos em ordem alfabética para facilitar na hora da busca por um autor específico. Cuidado com o especilho, você ainda está se recuperando, e esses calhamaços não são leves, principalmente as enciclopédias. Uma especiosidade espectável quando se especula sobre o caos, o espedaçamento e o espeitamento do que se sente. O vento às vezes tenta derrubar tudo, como se testasse sua fé na gravidade e na literatura. As cores também contam histórias. Tente agrupá-las, cores lado a lado criam uma nova narrativa, estilo arco-íris. Sempre funciona. Vai que o cérebro lembra melhor pela cor da capa, mas se o leitor for daltônico, isto será um problema. Nesse caso, experimente sinalizar com símbolos discretos na capa, pequenos traços, pontos ou figuras geométricas.
Estrelas para poesia, quadrados para ciências exatas, triângulos indicando ficção, círculos sugerindo filosofia.
Assim, mesmo que os tons se confundam aos olhos, a lógica permanece acessível. O conteúdo continua mapeado, não pelas aparências, mas pela intenção.Uma linguagem secreta entre o leitor e o acervo,um código silencioso que respeita cada limitação como se fosse estilo. Melhor não deixar a métrica perto de estatísticas demográficas. Ela se assusta fácil. As metáforas dançam, os números marcham, mantenha uma distância elegante. Iletrados virão. Não vai precisar se preocupar com o ilegítimo e o ilenível será subestimado. Seria melhor utilizar o ileísmo até que as margens deixem de ser fronteiras e passem a ser espelhos. O ileísmo protege, não como armadura, mas como disfarce. Ao falar de si na terceira pessoa, desloca-se o centro da dor, distribui-se o peso, dá-se tempo ao entendimento. O afastamento cria frestas por onde o sentido escorre sem ser coagido. É nessa dissociação que algo nasce, algo que não depende do verbo nem da norma, mas do gesto de se colocar diante do mundo com olhos desalinhados. Quadrúpedes virão, guiados pelos quasares, e a aproximação se dará em passos baixos e firmes. Chegarão arrastando séculos de silêncio sob as patas. Serão criaturas que não pedem licença ao vocabulário. Você terá que fazer algo que interrompa o avanço sem violência, algo que desfaça o chamado sem negar a presença.Talvez dispor espelhos voltados para o solo. Ruídos agudos em frequência quase inaudível, nada agressivo, apenas inóspito. Eles entenderão. Não se trata de hostilidade, mas de delimitação. O espaço precisa manter sua arquitetura simbólica, e nem todo visitante se alinha ao pacto da leitura. O silêncio, aqui, tem outra densidade. Melhor evitar que patas cruzem a soleira onde olhos ainda tropeçam em sílabas. Sapientes virão e vão dizer que já sabem tudo. E, claro, virão com suas teorias prontas, fórmulas que juram universais. Dirão que está desorganizado, que falta método, ignorando que o caos aqui é deliberado, milimetricamente caótico, feito para testar a percepção, não para agradar a norma. Vão rir dos símbolos nas capas, achar “poético demais”, “infantil talvez”, sem saber que cada sinal é uma senha, uma chave pequena demais para mãos tão ocupadas com teorias. Falarão com a segurança dos que acreditam ter encerrado o diálogo com o mundo, como se o tempo já lhes tivesse contado todos os segredos e nada mais restasse senão repetir conclusões. Ignorarão os silêncios entre as linhas, os desvios que o olhar faz quando tropeça numa ideia ainda sem nome. Não notarão que o que permanece quieto não está inerte, mas à espera.Porque há formas de saber que não se impõem, se insinuam. E aquilo que realmente transforma não grita, apenas respira. Afirmando que os conceitos são reciclados, que o pensamento ali contido gira em círculos antigos. Não enxergarão as dobras da memória que se alojam em cada parágrafo, nem os desvios sutis que uma frase pode operar dentro de quem lê com presença. Lepismas virão, atraídas pela quietude e pelo sabor antigo das folhas esquecidas. Serão notadas primeiro pelos rastros tênues, pelas bordas gastas, pelos vestígios quase invisíveis entre capítulos. A resposta será silenciosa, meticulosa. Frascos de cravo escondidos entre volumes, pequenos sacos de lavanda costurados à mão, repousando junto aos diários. A brisa será medida, as janelas abertas apenas nas horas certas, jamais sob o sol direto. Alguns textos serão envolvidos em tecido de algodão cru, outros, revezados em posição para que o repouso não seja abrigo.


Glossário:
Especilho
substantivo masculino[Medicina] Tenta cirúrgica.
Tenta
substantivo feminino[Medicina] Espécie de estilete para sondar fendas.