terça-feira, 29 de julho de 2025

Manual de Sobrevivência em Neblina Interna


imagem:Rogério Skylab dormindo


Durmo entre cigarros: Nada queima, nada arde, apenas um eco contido. Talvez acenda algo depois... Por enquanto, só preciso apagar em mim o resto do dia. As paredes somem, e o chão me esquece. Estou ali e não estou. O tempo dobra, como se respirasse junto comigo. Ao redor, tudo se desfaz com a mesma lentidão dos pensamentos que não chegam a virar memória. Vejo rostos que nunca toquei me olhando como se soubessem de mim mais do que eu. Escuto uma voz — talvez minha — dizendo coisas que só entendo enquanto durmo. Nada dói, mas tudo pesa. Como se a gravidade aqui fosse feita de lembranças mal apagadas. Como se o ar estivesse preso sob o domínio das cinzas. Como se cada sopro de vida carregasse o cheiro do tabaco. Como se o planeta estivesse submerso em um mar de fumaça. Havia uma tabacaria em todas as esquinas. E, enquanto o mundo girava, envolto em neblina, isso aqui parece Bespin, onde irá começar o spin-off de uma vida. Agora, sem erros, apenas silêncios milimétricos entre decisões que ainda não tomei. O horizonte não promete, mas também não recusa. Sinto que posso seguir sem rastros ou talvez deixar pegadas que ninguém vai notar. Cada passo é uma hipótese, cada gesto, um rascunho. Não estou recomeçando. Estou tentando pela primeira vez, de novo. Os dias ainda escorrem devagar, mas não sangram. O passado se desfaz como névoa tocada pela manhã.
As coisas não começam com clarins, mas com uma leve desordem interior. Algo se move sem som, como se o próprio destino estivesse caminhando descalço. Olho em volta e não reconheço nada, mas também não estranho. É como habitar uma lembrança que nunca foi minha. Tudo é familiar e ao mesmo tempo inédito, como uma rua sonhada na infância, revisitada em silêncio por alguém que só existe agora. As certezas perderam o brilho, mas não fazem falta.

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