sábado, 9 de agosto de 2025

Outono precipitado

imagem:Guilherme Baracat


Monólogo de uma folha


Fiquei ali a tarde inteira, introspectiva, tentando fazer a fotossíntese, absorvendo a luz oblíqua que se desfaz no diáfano. Esta árvore vítrea e estranha erguia-se impassível, seus galhos de vidro e aço entrelaçados num emaranhado silencioso, como ossos petrificados que desafiam o tempo. Não era vida que brotava dali, mas uma imitação dura e fria, um esqueleto que sustentava o vazio e o silêncio.
Entre suas ramificações, pequenos refúgios brilhavam como frutos contidos, cada um guardando segredos e vidas invisíveis. Dentro desses pedaços de vida, pessoas habitavam silenciosas, cada uma em seu próprio canto, isoladas, vivendo histórias que eu jamais poderia alcançar.
A pucela chora e, se pudesse abrir a fresta que a envolve, suas lágrimas deslizariam para mim, um bálsamo capaz de despertar a vida adormecida em minhas veias. Cada gota seria um sopro de esperança, nutrindo o que insiste em resistir, alimentando a tênue dança entre o sol e a sombra que habito. Mas permanece fechada, guardando seu pranto para si.
A aquilia era um fator determinante. Só porque não deixo embaçado o vidro, ainda posso escrever seu nome com o pecíolo; seria preciso romper a inércia. Talvez, se eu me mover de um jeito quase imperceptível, ela perceba. Minha aquiria sustentava o declínio, como se minha inclinação silenciosa apontasse para algo que nem mesmo eu compreendo.
Ela, do outro lado, envolta em claridade artificial, não vê. Ou finge não ver. Com a aquiqui, você nem se importou: achou até bonita, cantava, pousava na antena, desaparecia. E eu, sem asas, sem voz, apenas me curvava devagar, esperando que meu gesto tivesse algum peso. Mas não tive. Talvez porque não sou ruído, nem cor vibrante, nem voo. Só uma espera presa no limite entre o toque e o nada.
Nada disso tem real relevância, agora que saúvas me carregam. Só espero não ser comida; talvez me deixem cair num canto escuro do formigueiro, esquecida entre farelos de outras que também já foram verdes; talvez me tornem cama; talvez me empilhem sobre outras memórias que não conheço; talvez eu apodreça devagar e, nesse apodrecer, alimente alguma raiz secreta, alguma coisa que brota no escuro e que nunca verá o sol, mas ainda assim cresce, ainda assim pulsa.
E, nesse destino estranho, talvez exista algum sentido, mesmo que torto, mesmo que não seja o que eu quis, mesmo que ela nunca saiba que eu existi, mesmo que minha última curvatura tenha sido apenas um aceno inútil que ninguém viu. Já não comando meu destino; apenas deslizo, levada por mandíbulas que não sabem da minha saudade. Elas seguem decididas, como se carregassem ouro, mas sou apenas um resto, um fragmento de um desejo antigo.
A cada passo das pequenas operárias, me afasto daquele ponto suspenso onde existia a possibilidade — tênue, delicada — de ser notada.

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