segunda-feira, 30 de junho de 2025

Elocução Etérea

 

imagem:@ariannamaih

Diálogos impertinentes


— Aquela já foi polinizada, as pétalas estão caindo. É estranho observar o fim de algo que brilhou com tanta intensidade. Lembro do perfume que ela exalava quando ainda sonhava em florescer para o mundo. Já se inclina para o inevitável, com a dignidade das coisas que sabem partir.
— Tem uma calma estranha no seu jeito hoje.
— Não se preocupe comigo, estou bem. Apenas um vazio leve me encostou por dentro.
— Você acha que há sofrimento nela?
— Talvez não seja dor… talvez seja só o corpo aceitando que não há mais o que oferecer, como quem se despede sem palavras, deixando o tempo levar o que não é mais dela. Fica um pouco no ar, um pouco na lembrança, e um pouco em quem teve o privilégio de vê-la aberta.
— Efemeridades… como se cada instante estivesse prestes a desaparecer.
— Às vezes penso que aquilo que não dura não vai nos afetar tanto.
— Vamos ter que voar mais longe.
— Por entre as folhas, há armadilhas silenciosas esperando voo distraído.
— Você, outra vez, preocupada comigo… Você percebe coisas em mim que nem eu noto. Sempre sabe quando algo em mim se recolhe.
— Se meu voo te inquieta, eu mudo a direção.
— Se acalme. É bonito esse jeito seu de estar por perto sem pedir.
— Talvez porque aprendi a ficar como quem não pesa, como quem entende que presença também pode ser abrigo.
— Você sempre chega assim, como quem escuta até o que não confesso.
— É que alguns silêncios seus gritam mais do que qualquer palavra.
— Quando voamos lado a lado, o vento pesa menos.

— Mesmo assim, senti o Mistral se aproximando…
— Esse sopro desmedido de longe?
— Sim… começa aos poucos, mas logo arranca tudo do lugar. Estou receosa.
— Podemos buscar refúgio antes que ele nos alcance.
— Mas e se ele já estiver nas sombras, nos vigiando entre os caules?
— Não se antecipe ao que ainda não chegou.
— Não é medo… é pressentimento.
— Eu entendo. Há ventos que não anunciam sua força, apenas varrem.
— E eu só queria garantir que continuássemos inteiras.
— Às vezes, inteireza é justamente o que sobra depois da ventania.
— Então me promete que, se for preciso, pousamos.
— Prometo que, se o céu escurecer demais, descanso ao seu lado.
— Mesmo que só reste um galho inclinado?
— Mesmo que reste apenas a sua presença me dizendo: aqui ainda é seguro.
— Obrigada por não duvidar da minha inquietação.
— É ela que nos mantém alertas… e, de certo modo, vivas.

(O vento passa leve entre elas, e nenhuma tenta decifrá-lo. Apenas sentem.)

— Às vezes penso que é isso que nos mantém em movimento: não a força das asas, mas o que nos move por dentro.

(O céu, nesse instante, parece mais largo — não por ser maior, mas por conter tudo o que elas não disseram.)

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