terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Anagramas eróticos

                                                                                                                                                     

Languidez


Tardes da minha terra, doce encanto, 
Tardes duma pureza de açucenas, 
Tardes de sonho, as tardes de novenas, 
Tardes de Portugal, as tardes de Anto, 


Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto! 

Horas benditas, leves como penas, 

Horas de fumo e cinza, horas serenas, 
Minhas horas de dor em que eu sou santo! 



Fecho as pálpebras roxas, quase pretas, 

Que poisam sobre duas violetas, 

Asas leves cansadas de voar ... 



E a minha boca tem uns beijos mudos ... 

E as minhas mãos, uns pálidos veludos, 

Traçam gestos de sonho pelo ar ... 


Florbela Espanca,"Livro de Mágoas"        


Drósera(planta carnívora)


Anagramas eróticos

Será Drósera irascível ?

Lucarna para a Lacuna
Nu da nucela
Talvez lucena
Maçã como maça
Macabro labro
Grande lande para a gula
Lavrada para ser fértil
Gleba da glande
Pórtico aórtico pulsante
Quando o priapo é o gorje
Seu pronau sensual
Fiz um cântico para seu ântico
Prodomo do protomo que domo
Umbral brumal não range
O eco dos teus gemidos rompe o silêncio
Ah!não confundir com Há
Há sentimentos no olhar?
Não era açucena 
Nem habena da fáscia do tórax dos insetos
Chicote para flagelo.

Ednei Pereira Rodrigues



É cálida flor
e trópica mansamente
de leite entreaberta às tuas
mãos

feltro das pétalas que por dentro
tem o felpo das pálpebras
da língua a lentidão

Guelra do corpo
pulmão que não respira

dobada em muco
tecida em sua água

Flor carnívora voraz do próprio
suco
no ventre entorpecida
nas pernas sequestrada

Maria Teresa Horta



quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Anagramas Suicidas



Rasgo o melancólico interior dos insetos
atravesso a sabedoria das infindáveis areias do sono
sou o último habitante do lado mitológico das cidades
por vezes consigo acordar
sacio a sede com a tua sombra para que nada me persiga
teço o casulo de cocaína escondo-me no mel da língua
lembro-me... fomos dois amigos e um cão sem nome
percorrendo a estelar noite noutros corpos
mas já me doem as veias quando te chamo
o coração oxidado enjaulou a vontade de te amar
os dedos largaram profundas ausências sobre o rosto
e os dias são pequenas manchas de cor sem ninguém
ficou-me este corpo sem tempo fotografado à sombra da casa
onde a memória se quebra com os objetos e amarelece no papel
pouco ou nada me lembro de mim
em tempos escrevi um diário perdido numa mudança de casa
continuo a monologar com o medo a visão breve destes ossos
suspensos no fulcro da noite por um fio de sal
partir de novo seria tudo esquecer
mesmo a ave que de manhã vem dar asas à boca recente do sonho
mas decidi ficar aqui a olhar sem paixão o lixo dos espelhos
onde a vida e os barcos se cobrem de lodo
pernoito neste corpo magro espero a catástrofe
basta manter-me imóvel e olhar o que fui na fotografia
não... não voltarei a suicidar-me
pelo menos esta noite estou longe de desejar a eternidade.

Al Berto 
"'O Medo"'



Defenestração

Voará com o Voorara
Rara percepção do epílogo
A cura com o curare
Aluir com o Urali
Rocurónio feromônio de uma volúpia inerente
Inserção de escárnios de arsênico
O tabun é Tabu  
Mescla Mescalina com o vazio
Afonia com o anfião
Papo com as papoulas
Entorpece o entorno aparente
Rente ao chão
Toque o coque
Troque por choque
Eterno e o Tereno adstringente
Se você sentir insegurança
Arraste a janela contigo
O contraste entre a sombra e a luz
Adquira um guindaste
Ou adestre um elefante
Dois pesos,duas medidas
Frases feitas em fractais
Ainda púbere,não em lápide
Apenas um brônquio obstruído
Ainda respiro
É o bloqueio criativo. 


Ednei Pereira Rodrigues




   Que te seja leve o peso das estrelas
e de tua boca irrompa a inocência nua
dum lírio cujo caule se estende e
ramifica para lá dos alicerces da casa

abre a janela debruça-te
deixa que o mar inunde os órgãos do corpo
espalha lume na ponta dos dedos e toca
ao de leve aquilo que deve ser preservado

mas olho para as mãos e leio
o que o vento norte escreveu sobre as dunas

levanto-me do fundo de ti humilde lama
e num soluço da respiração sei que estou vivo
sou o centro sísmico do mundo

Al Berto,"'A Noite Progride Puxada à Sirga'" 

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Anagramas Alados



A um Livro


No silêncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mágoas que me deste.

Estranho livro aquele que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!

Leio-o, e folheio, assim, toda a minha alma!
O livro que me deste é meu, e alma
As orações que choro e rio e canto! ...

Poeta igual a mim, ai que me dera
Dizer o que tu dizes! ... Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto! ...


Florbela Espanca "Livro de Mágoas" 




Janela Aberta

Às vezes um pássaro entra na biblioteca
Defeca na capa do livro de Amelie Poulain
Desarma a arapuca de letras de Baudelaire
Seu rasante provoca o estático
Plana na plataforma de Platão
Pousa na platibanda
Descansa sobre Descartes que descentraliza
Seu descendente 
Faz plágio de Sylvia Plath
Faz do fólio seu sólio
Estala a estante arfante
Não estanca o êxtase
Altera a áspera espera
Relata o que alteia
Alerta do que atrela
Modificá módicos desejos
Módulo moente do movimento
Frígida pinça da alopecia leminskiana
Trevelô revelado no escuro
Abranja o laranja com o latente
Abaçanar a ababaia de Abacur
Cariciar a carica com o rêmige 
Manete amente do descontrole
Albatroz escapa no albarrã.

Ednei Pereira Rodrigues





Às vezes no alto mar, distrai-se a marinhagem
Na caça do albatroz, ave enorme e voraz,
Que segue pelo azul a embarcação em viagem,
Num vôo triunfal, numa carreira audaz.

Mas quando o albatroz se vê preso, estendido
Nas tábuas do convés, — pobre rei destronado!
Que pena que ele faz, humilde e constrangido,
As asas imperiais caídas para o lado!

Dominador do espaço, eis perdido o seu nimbo!
Era grande e gentil, ei-lo o grotesco verme!...
Chega-lhe um ao bico o fogo do cachimbo,
Mutila um outro a pata ao voador inerme.

O Poeta é semelhante a essa águia marinha
Que desdenha da seta, e afronta os vendavais;
Exilado na terra, entre a plebe escarninha,
Não o deixam andar as asas colossais!

O Albatroz
Charles Baudelaire, "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães 


sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Anagramas Escatólogicos

Torre_de_Galata_Istambul

Torre de Névoa

Subi ao alto, à minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.

Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que são meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: “Que fantasia,

Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu! ...”

Calaram-se os poetas, tristemente ...
E é desde então que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao céu! ...


Florbela Espanca, "Livro de Mágoas"



Émetico

Meu vômito é mais sincero
Do que da sua ideologia afásica
O ápice da Ipeca
Foi involuntário para a rotina
Advento da vontade
Manifestação do âmago
Com Trichofagia para a estética
Anopluro no impuro obscuro
Rapunzel não queria fugir
O retor da torre
Linda era a visão panorâmica do campanário
Manterei o Minarete intacto
Mesmo com a talante ctonofagia
Análogo ao guaripé
Xuri como urim
Ruim para o Rim
Pode ser perfurado com a Acufagia
Péssimo para o Pêssego
Laxante suave com suas flores
Como Ampa em Sampa
Desregulada com seu abebra
Execrável para o Exegeta
Quer ser minha egéria?
Análise o meu vazio.

                                    EPR
 


Conserto a palavra com todos os sentidos em silêncio
Restauro-a
Dou-lhe um som para que ela fale por dentro
Ilumino-a

Ela é um candeeiro sobre a minha mesa
Reunida numa forma comparada à lâmpada
A um zumbido calado momentaneamente em exame

Ela não se come como as palavras inteiras
Mas devora-se a si mesma e restauro-a
A partir do vômito
Volto devagar a colocá-la na fome

Perco-a e recupero-a como o tempo da tristeza
Como um homem nadando para trás
E sou uma energia para ela

E ilumino-a

Daniel Faria, "Homens que São como Lugares Mal Situados"

sábado, 15 de outubro de 2016

Lugares onde nunca estive



Morte não é a esquálida caveira
Dura, disforme, seca e carcomida:
Ela um destroço é, uma caída
Da abreviada, racional carreira.

De ossos e carne envernizada, inteira,
Por vida tem a nossa própria vida.
Come, bebe, passeia, está vestida
E, até morrer, é nossa companheira.

E sombra que sentimos e não vemos,
Segue-nos sempre aonde quer que vamos,
Só nos deixa nos últimos extremos.

A Morte é sempre a vida que logramos,
Pois morte são os dias que vivemos
E, vida, só o instante que expiramos.

Morte não é a Esquálida Caveira
Francisco Joaquim Bingre
Portugal_1763 // 1856 



Évora

Parente da parede rente ao renque
Ente enternecido entrementes
Repensa sem remorso no repouso renhido
Renuente com a refega
Repara na repa para pear o movimento
A repartição que reparti o fêmur
Seu escritório esculpido com estribo reouve o escólio 
O eco do contro contrito
O controle da contusão  
A esclerose que escorre pelo escafoide
Não cumprimenta o hamato como ornato do hall 
A patela como pétala de um patamar distante
Florescem jardins extintos no patético pátio
Macéria para emaciar a fíbula que fica ficiforme
A anca na sanca de um ancestral esquecido
O ísquio na quina para se perder
Próximo do quisto revisto que quita as dívidas
Lembra do letreiro letal
A letargia do leste como lesmas  
Estrutura que estua a estrofe
Estronca o tronco como arrimo.


                                                       Ednei Pereira Rodrigues



 Só é meu

Marc Chagall

Só é meu
O país que trago dentro da alma.
Entro nele sem passaporte
Como em minha casa.
Ele vê a minha tristeza
E a minha solidão.
Me acalanta.
Me cobre com uma pedra perfumada.

Dentro de mim florescem jardins.
Minhas flores são inventadas.
As ruas me pertencem
Mas não há casas nas ruas.
As casas foram destruídas desde a minha infância.
Os seus habitantes vagueiam no espaço
À procura de um lar.
Instalam-se em minha alma.

Eis porque sorrio
Quando mal brilha meu sol.

Ou choro
Como uma chuva leve
Na noite.

Houve tempo em que eu tinha duas cabeças.
Houve tempo em que essas duas caras
Se cobriam de um orvalho amoroso.
Se fundiam como o perfume de uma rosa.

Hoje em dia me parece
Que até quando recuo
Estou avançando
Para uma alta portada
Atrás da qual se estendem muralhas
Onde dormem trovões extintos
E relâmpagos partidos.
Só é meu
O mundo que trago dentro da alma.

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Anagramas Mitológicos



                                                    
 Conheço as suas raízes. É tudo o que vejo. 
Há um movimento que a percorre devagar. Não sei 
se ela existe. Imagino apenas como são os ramos, 
este odor mais secreto, as primeiras folhas 
aquecidas. Mas eu existo para ela. Sou 
a sua própria sombra, o espaço que fica à volta 
para que se torne maior. É assim que chega 
o que não passa de um pressentimento. Ela compreende 
este segredo. Estremece. Comigo procuro trazer 
só um pouco de terra. É a terra de que ela precisa. 

Fernando Guimarães, "Limites para uma Árvore"'   


Anagramas Mitológicos

Nem mil minúsculos petaliformes sóis
Iluminam o lúrido estro
Despetalados pelo Siroco
Péuva chuva áurea
Chamado o machado,manchado de seiva
Surge a noite dendrofoba com sua alabarda
Futura manchua
Tabebuia continua imponente
Leto é toda letomania que vitaliza
Toda argúcia de Guaraci
A histeria de Astéria 
Uma artéria Astéria por atresia
Estaria entre  membros inferiores
Inverte o pulmão virente
Pediremos o Peridesmo espremido
Algo que substitua o átrio
Algo pátrio de troia
Algo para o troile leitor
Algas na algaravia explícita
Padina ainda evoluindo
Ulva vulva na volúpia
Frústula pústula que se desenvolve paulatinamente.

                                      Ednei Rodrigues


Glossário:

Siroco:Vento seco e quente
Péuva:ipê
alabarda:machado antigo
manchua:embarcação
Tabebuia:ipê
Leto :deusa da noite
letomania:Idéia fixa de morte, de suicídio.
Guaraci:Sol
Astéria :noite(mitologia)
atresia:Estreitamento de orifício natural do corpo.
Peridesmo:membrana que envolve os ligamentos.
troile:ave
Padina,Ulva,Frústula=algas


   A árvore da sombra
tem as folhas nuas
como a própria árvore ao meio-dia
quando se finca à terra
e espera
como um cão espera o regresso do dono.
Nós abrigamo-nos mais tarde ou mesmo agora num lugar
muito distante
onde o tempo recorta
um tapete que esvoaça no papel.
A casa da sombra
é branca e habitada.
Somos nós ainda
sentados ao fogo que o teu sorriso
acende e aconchega
no silêncio que ilumina
a árvore da sombra
para que a noite desenhe
o seu nome visível
e a sombra possa contemplar
Os ramos mais belos e o tronco mais esguio
do seu objecto.
Nesta sombra há um imenso amor
ao meio-dia.
A hora dos prodígios
é feita de segundos do tempo que há-de vir
e o horizonte
é a proximidade total da tua boca.

Rosa Alice Branco, "'O Único Traço do Pincel"'

sábado, 10 de setembro de 2016

Anagramas trágicos


Ascensão


Beijava-te como se sobe uma escadaria: 

pedra a pedra, do luminoso para o obscuro, 

do mais visível para o mais recôndito 

- até que os lábios fossem 

não o ardor da sede, nem sequer a magia 

da subida, 

mas o tremor que é pétala do êxtase, 

o lento desprender do sol do corpo 

com o feliz quebranto dos meus dedos. 


João Rui de Sousa, "'Obstinação do Corpo"'



Anagramas trágicos

A bota treme
Cálida Cáliga
A pedra pulsa
Rastro de sangue no alabastro
Balastro como abrastrol
Outro placebo
Tegumentar a essência com tégula 
O talco do esteatito como actol
Cherte inerte
Diverte os sobreviventes
Puna a puma púmice
Bagaço de bagacina como baganha 
Esse Sol loesse que não ilumina
Alabanda desanda
Fraga Frágil despenca
Esmaga o maganaz
Esmear restos com o Esmeril
É lícito o ictiol no lítico predominante 
Roçar as rochas como parafilia
Adstringente adstringopenispetrafilia.

                                                 Ednei P.Rodrigues

Glossário:
Cáliga:bota de meio cano


alabastro:Rocha branca
balastro:

Cascalho ou saibro que se coloca nas linhas férreas para fixar os dormentes.

abrastrol:

Anti-séptico forte

Tegumentar:aquilo que reveste o corpo

tégula:

tipo de telha feita em barro.

actol:

antisséptico.
Cherte:rocha
púmice:rocha
bagacina:rocha
baganha:epiderme
loesse:rocha amarela
alabanda:mármore negro
fraga:rocha
Maganaz:furúnculo
ictiol:
Óleo sulfuroso empregado no tratamento de diversas doenças da pele.

lítico:relativo á pedra

O Medo

Que não se confunde. Por existir se ganha
e nos pertence. Sílabas ou linguagem,
busca o centro nas mãos, nos olhos, o contacto
incessante. Percorre os muros da memória,

na penumbra da palavra se instala. Nada
partilha. Como um monólogo se mascara
de gemas, rumores e gotas de ervas. Flui
e estilhaça as pálpebras, domina as casas,

abala os sismos. Ara o corpo, viva árvore
em ascensão, ronda a pele e os jorros do ar.
Até que nos toma e molda o ventre, descobre

o preço diário da invisivel folhagem
solar. É o que se oculta. Livor, sílaba,
margem eterna da inicial prudência.

Orlando Neves, "Decomposição - o Corpo"

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Olimpoesia


Fui na padaria Sabor de mel
outro dia de manhã
reparei que as pessoas
assistiam o jornal na televisão
todos atentos as notícias
embora soubessem que sempre é a 
mesma coisa.Crimes, corrupção e acidentes
entendo que as medalhas nas olimpíadas não
resolvem os problemas dos brasileiros.

CarlosAssis





Variações da Vara

Percha escarcha no Empíreo
Ou mastro de nave, navio
Selenitas jogam golfe na Lua
O fadejar do fade
Muligan em Maginus
O verbo gerbo desponta
Sapo com apo no apófige
Intanha façanha conquistada
Todo escarcéu adjunto
Coendu adendo crescendo
Fiambre no escalambre
Ou mufla de tomada elétrica
Aguarda o curto-circuito
Elétron ao relento
Recordo do recorde atingido
Ouro ousado que outrega
A áurea da araué
A prata para aptar a barata 
O bronze que brotoeja no peito
Vitória do Torilo
Derrota necessária para o autoconhecimento
Remisga de esgrima como espólio.


                                                         Ednei Rodrigues

Glossário:

Percha:Vara, acessório de ginastas, equilibristas etc.
escarcha:congelar
fadejar:Cumprir o fado ou o destino.
Fade (golfe): efeito de vôo da bola, finalizando a sua trajetória com pequeno desvio para a direita.
Muligan:(golfe)nome que se dá à segunda bola quando se falha a primeira tacada.
Maginus:cratera da Lua 
gerbo:Mamífero miomorfo roedor da família dos dipodídeos, de patas traseiras muito compridas, com três dedos, que são bons saltadores
apo:Haste de ferro ou madeira
 intanha:espécie grande de sapo
coendo:Grunhido do porco
escalambre:de escalambrar.
Ação de escambrar, de haver uma fresta, abertura num céu enevoado.
mufla:Ornato em forma de focinho de animal.
Araué:espécie de barata
Torilo:Ponto de onde nasce a flor, no pedúnculo.
Resmiga:vestígios,restos de alguma coisa.



Independência


Recuso-me a aceitar o que me derem.
Recuso-me às verdades acabadas;
recuso-me, também, às que tiverem
pousadas no sem-fim as sete espadas.

Recuso-me às espadas que não ferem
e às que ferem por não serem dadas.
Recuso-me aos eus-próprios que vierem
e às almas que já foram conquistadas.

Recuso-me a estar lúcido ou comprado
e a estar sozinho ou estar acompanhado.
Recuso-me a morrer. Recuso a vida.

Recuso-me à inocência e ao pecado
como a ser livre ou ser predestinado.
Recuso tudo, ó Terra dividida!

Jorge de Sena"'Coroa da Terra"'



quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Anatomia da flor


Ponta de Lança


Seria preciso não dizer

E isto fosse o mais fundo 

Orgasmo que pranteia.




Subir,espocar,descer 

E no furor da alegria

Abrir-se também como flor

A velha úlcera encarniçada,

Uma luz que deliquescesse.




Ainda sem dizer,

Adorar o azinhavre,a ferrugem,

A maçã resplandecente no esterco,




Isto fosse a paz,e seria

A mais tácita das guerras.




De uma audácia tão franca 

(Ponta de lança)

E tão áspero espanto,

Despir a cartilagem

Para chegar à cor do crepúsculo. 


Mariana Ianelli
 


Golpe inexistente

Punhos cerrados
Soco no osco
Incute a pancárpia
Seu androceu abrangeu Andrômeda
Arilo como airol para imperfeições
Tegme que geme
Algum gluma
Nenhuma puma 
Não ruge com o Hadaka jime
Plastron plausível de asfixia 
Afrouxa o nó górdio
É mostra sua frigidez de frigana rasteira
Irrigar seu garrigue
Bodega sem bondage
Godemiche para todo fetiche
Desmatamento necessário para o êxtase
Existe uma gota de paz na ponta que desponta 
Afronta com o abstrato
No front de dentro
Sarissa à risca do inerante
Sacia os reféns do frenesi     
Inferes inferiormente o ínfero 
Inerme sou mais atroz.

                                                            Ednei Rodrigues
Glossário:

osco é sinônimo de: embuçado,disfarçado 
pancárpia:coroa de flores
androceu:órgãos masculinos de uma flor
arilo:tegumento de certas sementes
airol:antiséptico
tegme:Membrana interna da semente
gluma:sinônimo de tegme
Hadaka jime:mata-leão
plastron:gravata larga
frigana:Frigana designa uma formação vegetal típica das zonas rochosas costeiras do 
Mediterrâneo Oriental.
garrigue:Garrigue refere-se a uma zona com vegetação densa, constituída por arbustos,



Quási 

Um pouco mais de sol - eu era brasa, 
Um pouco mais de azul - eu era além. 
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... 
Se ao menos eu permanecesse àquem... 

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído 
Num baixo mar enganador de espuma; 
E o grande sonho despertado em bruma, 
O grande sonho - ó dôr! - quási vivido... 

Quási o amor, quási o triunfo e a chama, 
Quási o princípio e o fim - quási a expansão... 
Mas na minh'alma tudo se derrama... 
Entanto nada foi só ilusão! 

De tudo houve um começo... e tudo errou... 
- Ai a dôr de ser-quási, dor sem fim... - 
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim, 
Asa que se elançou mas não voou... 

Momentos d'alma que desbaratei... 
Templos aonde nunca pus um altar... 
Rios que perdi sem os levar ao mar... 
Ansias que foram mas que não fixei... 

Se me vagueio, encontro só indicios... 
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas; 
E mãos de herói, sem fé, acobardadas, 
Puseram grades sôbre os precipícios... 

Num impeto difuso de quebranto, 
Tudo encetei e nada possuí... 
Hoje, de mim, só resta o desencanto 
Das coisas que beijei mas não vivi... 

. . . . . . . . . . . . . . . 
. . . . . . . . . . . . . . . 

Um pouco mais de sol - e fôra brasa, 
Um pouco mais de azul - e fôra além. 
Para atingir, faltou-me um golpe de aza... 
Se ao menos eu permanecesse àquem... 

Mário de Sá-Carneiro"Dispersão"

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Insultos poéticos


Sinto na angústia o quem me lembrasse
e do lembrar a mim como uma ponte
onde de noite já ninguém passasse
viesse a notícia desse outro horizonte

em que o meu grito preso na garganta
dissesse à voz que não ouvi e veio
quanto cansaço inverosímil, quanta
fadiga me enternece como um seio.

Vibrátil voga vaga pela tarde
que em cigarros distrai o eu estar só
a chama obscura que visível arde
quando arde ao sol o pó.

Vergílio Ferreira, "Conta-Corrente 1"
Luta em vão

Párvulos Pascácios sem controle sobre seus esfíncteres
Maculo maluco do chulo
Pagaste o pasguate com saguate
Delinear os delinquentes no delíquio de tudo
Aquela donzela arcela
Destila o crime da crila
Aceimar os acéfalos com o acerbo
Ecoam o rangido da gironda
Mangar os Mangalitsas
O retardo do lardo como petardo
A variação da vara
Estúpido estupor inútil
Protesto doesto de protidra
Imundo munido de ignorância
Amuar o marau no ergástulo
Todo ardor do bardoto
Relima o relinche do réliquio.
                                      
Ednei Pereira Rodrigues

Glossário:
Párvulo:criança
 Pascácio:bobo
Pasguate:imbecil
Maculo:diárreia
saguate:presente
arcela:ameba
crila:criança 
gironda:fêmea do javali
Mangalitsas:espécie de porco
vara:coletivo de porco
protidra:
Organismo primordial de que, segundo os naturalistas transformistas, se originou a maior parte dos celenterados.
bardoto:Cruzamento Entre Cavalo x Jumenta




Angústia

Tortura do pensar! Triste lamento!
Quem nos dera calar a tua voz!
Quem nos dera cá dentro, muito a sós,
Estrangular a hidra num momento!

E não se quer pensar! ... e o pensamento
Sempre a morder-nos bem, dentro de nós ...
Querer apagar no céu – ó sonho atroz! –
O brilho duma estrela, com o vento! ...

E não se apaga, não ... nada se apaga!
Vem sempre rastejando como a vaga ...
Vem sempre perguntando: “O que te resta? ...”

Ah! não ser mais que o vago, o infinito!
Ser pedaço de gelo, ser granito,
Ser rugido de tigre na floresta!

Florbela Espanca "Livro de Mágoas"