quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Anatomia da flor


Ponta de Lança


Seria preciso não dizer

E isto fosse o mais fundo 

Orgasmo que pranteia.




Subir,espocar,descer 

E no furor da alegria

Abrir-se também como flor

A velha úlcera encarniçada,

Uma luz que deliquescesse.




Ainda sem dizer,

Adorar o azinhavre,a ferrugem,

A maçã resplandecente no esterco,




Isto fosse a paz,e seria

A mais tácita das guerras.




De uma audácia tão franca 

(Ponta de lança)

E tão áspero espanto,

Despir a cartilagem

Para chegar à cor do crepúsculo. 


Mariana Ianelli
 


Golpe inexistente

Punhos cerrados
Soco no osco
Incute a pancárpia
Seu androceu abrangeu Andrômeda
Arilo como airol para imperfeições
Tegme que geme
Algum gluma
Nenhuma puma 
Não ruge com o Hadaka jime
Plastron plausível de asfixia 
Afrouxa o nó górdio
É mostra sua frigidez de frigana rasteira
Irrigar seu garrigue
Bodega sem bondage
Godemiche para todo fetiche
Desmatamento necessário para o êxtase
Existe uma gota de paz na ponta que desponta 
Afronta com o abstrato
No front de dentro
Sarissa à risca do inerante
Sacia os reféns do frenesi     
Inferes inferiormente o ínfero 
Inerme sou mais atroz.

                                                            Ednei Rodrigues
Glossário:

osco é sinônimo de: embuçado,disfarçado 
pancárpia:coroa de flores
androceu:órgãos masculinos de uma flor
arilo:tegumento de certas sementes
airol:antiséptico
tegme:Membrana interna da semente
gluma:sinônimo de tegme
Hadaka jime:mata-leão
plastron:gravata larga
frigana:Frigana designa uma formação vegetal típica das zonas rochosas costeiras do 
Mediterrâneo Oriental.
garrigue:Garrigue refere-se a uma zona com vegetação densa, constituída por arbustos,



Quási 

Um pouco mais de sol - eu era brasa, 
Um pouco mais de azul - eu era além. 
Para atingir, faltou-me um golpe d'asa... 
Se ao menos eu permanecesse àquem... 

Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído 
Num baixo mar enganador de espuma; 
E o grande sonho despertado em bruma, 
O grande sonho - ó dôr! - quási vivido... 

Quási o amor, quási o triunfo e a chama, 
Quási o princípio e o fim - quási a expansão... 
Mas na minh'alma tudo se derrama... 
Entanto nada foi só ilusão! 

De tudo houve um começo... e tudo errou... 
- Ai a dôr de ser-quási, dor sem fim... - 
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim, 
Asa que se elançou mas não voou... 

Momentos d'alma que desbaratei... 
Templos aonde nunca pus um altar... 
Rios que perdi sem os levar ao mar... 
Ansias que foram mas que não fixei... 

Se me vagueio, encontro só indicios... 
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas; 
E mãos de herói, sem fé, acobardadas, 
Puseram grades sôbre os precipícios... 

Num impeto difuso de quebranto, 
Tudo encetei e nada possuí... 
Hoje, de mim, só resta o desencanto 
Das coisas que beijei mas não vivi... 

. . . . . . . . . . . . . . . 
. . . . . . . . . . . . . . . 

Um pouco mais de sol - e fôra brasa, 
Um pouco mais de azul - e fôra além. 
Para atingir, faltou-me um golpe de aza... 
Se ao menos eu permanecesse àquem... 

Mário de Sá-Carneiro"Dispersão"

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