APAGEM TODAS AS VELAS,ANTES QUE ELAS QUEIMEM TUDO.
Entre os teus lábios Eugénio de Andrade
Entre os teus lábios é que a loucura acode, desce à garganta, invade a água.
No teu peito é que o pólen do fogo se junta à nascente, alastra na sombra.
Nos teus flancos é que a fonte começa a ser rio de abelhas, rumor de tigre.
Da cintura aos joelhos é que a areia queima, o sol é secreto, cego o silêncio.
Deita-te comigo. Ilumina meus vidros. Entre lábios e lábios toda a música é minha.
Operação Rescaldo
Ednei Pereira Rodrigues
Vários tons de laranja Cenoura amassada no livro Legume incólume à tragédia A pureza do purê purgante Tudo é cibalho para o falho A escrita que crepita Não repita o parasita O plural do pural A coersão do coelho pelo coerente Enxengar pela orelha Tudo parelha a grelha Tapiz de tapiti exorna o vazio No purgatório encontrei o estro Deparei-me com você O pecado ecado no silêncio Quando clama a flama A combustão espontânea faz o esponto do rifle Temporada de caça aberta ao caçapo No ardil refil do que penso Débil fértil redundância Quando a redoma não resiste ao redor.
Glossário:
incólume:ileso,intacto ,sem ferimentos
cibalho:alimento
pural:carvão pulverizado
Tapiz:tapete
exorna:enfeite
refil:conteúdo descartável,que pode ser substituído Tapiti&caçapo:coelhos
Pergunta-me
Mia Couto"Raiz de Orvalho"
Pergunta-me se ainda és o meu fogo se acendes ainda o minuto de cinza se despertas a ave magoada que se queda na árvore do meu sangue
Pergunta-me se o vento não traz nada se o vento tudo arrasta se na quietude do lago repousaram a fúria e o tropel de mil cavalos
Pergunta-me se te voltei a encontrar de todas as vezes que me detive junto das pontes enevoadas e se eras tu quem eu via na infinita dispersão do meu ser se eras tu que reunias pedaços do meu poema reconstruindo a folha rasgada na minha mão descrente
Qualquer coisa pergunta-me qualquer coisa uma tolice um mistério indecifrável simplesmente para que eu saiba que queres ainda saber para que mesmo sem te responder saibas o que te quero dizer.
não basta ser metáfora: o nosso mar de lama tem que virar catástrofe para adensar a trama do sórdido espetáculo o que a mina embalsama nessas barragens lôbregas agora se esparrama por léguas e quilômetros e mórbido amalgama em um cimento hórrido o que já teve a fama de ser muito bucólico cenário tão terrífico com destruição que inflama o coração mais frígido, no entanto, não conclama o Estado a ser mais rígido na atuação do Ibama, como estaria implícito que nada, o Estado chama de excêntrico e esquisito quem cumpre a lei e ama a natureza; explícito, nos diz que a dinheirama que o dono tão solícito nas eleições derrama não o faz menos crítico
Irreversível
Ednei Pereira Rodrigues
Parca carpa na praça Tâmbi para o Tambaqui Patinga patível no pátio Quando o pático é normal Pescador à piançar a piapara A tibiez da tílapia sem lápide O estupro do esturjão não foi consensual Pureza punível do punaru O estupor que ainda se ouve Anecúmeno cemitério de minério Alma de lama incorpora o incomum Vai para o limbo alevino Não podia ser leviano Incompto de taipa que se forma Véiculo no ímpeto do teto Estuque estúrdio do estruído Carro para roçar o vazio Arrostar o arro de arroio Logo de lodo logra o loquaz.
o diretor solerte garante ao jornalista: “é só matéria inerte, não apresenta risco” contudo se converte de súbito na morte e rápido liquida toda espécie de vida agora o povo exclama com ódio, vendo a lama mortífera: “acabou-se pra sempre o rio Doce” e como não bastasse o feito, ela ameaça ainda causar dano maior lá no oceano
Soneto das Metamorfoses Carlos Pena Filho,Livro Geral
A Edmundo Morais
Carolina, a cansada, fez-se espera e nunca se entregou ao mar antigo. Não por temor ao mar, mas ao perigo de com ela incendiar-se a primavera.
Carolina, a cansada que então era, despiu, humildemente, as vestes pretas e incendiou navios e corvetas já cansada, por fim, de tanta espera.
E cinza fez-se. E teve o corpo implume escandalosamente penetrado de imprevistos azuis e claro lume.
Foi quando se lembrou de ser esquife: abandonou seu corpo incendiado e adormeceu nas brumas do Recife.
Estátua Franz Kafka
Ela fica no quarteirão judeu e representa duas de suas obras. O
homem sem cabeça aparece no conto “Descrição de uma Luta” (Description
of a Struggle) e, no pé da estátua, há essa base ovalada e alguns
desenhos no chão que remetem à uma barata, tal qual em “Metamorfose”
(Metamorphosis).
E quem está sentado nos ombros do outro, de chapéu, é o próprio Franz Kafka.
Sevandija
Isidora hoje estou irisado
Por causa desse estranho castanho
Tacanho desejo do tácito
Tento disfarçar com o bege que protege a prótese
A ocisão do ocre
Armazenei noites em tonéis de ebano
Anebo nesta ooteca sem biblioteca
Zigoto no esgoto como antídoto do escroto
Inseto Isento de insensatez
O frágil quita a quitina
Antecipa as antenas para captar seus desejos
Sem intimidade no bueiro como budoar
Tudo dissoluto no duto
Soluto que se soltou de preceitos
O esputo como fruto deste luto
Atributo de um minuto enxuto
Todo este alor do ralo significa algo
Difícil denotar o adentro sem detonar ao redor
É dor que redobro sem sentir o vazio.
EPR
Glossário: irisado: adj. Diz-se do que possui ou foi colorido com as cores do arco-íris. Que possui ou apresenta as cores do arco-íris; cujos reflexos são coloridos: vidro irisado.
tacanho:pequeno,baixo
ocisão:morte
anebo:aquele que não atingiu a puberdade
ooteca: A maioria das baratas
é ovípara (põe ovos) e seus ovos são
envoltos e protegidos pela ooteca (envoltório constituído
de membrana coriácea, onde os ovos contam com ambiente favorável),
cujo formato, tamanho e número de ovos presentes variam conforme
a espécie.
quitina: proteína que constitui a unha e o exoesqueleto de alguns insetos(um bom exemplo é a barata).
ou seja é a proteína que constitui o esqueleto da barata, o nosso e constituído de cálcio. budoar: quarto de vestir
Identidade Mia Couto,Raiz de Orvalho e Outros Poemas
Preciso ser um outro para ser eu mesmo
Sou grão de rocha Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem inseto
Sou areia sustentando o sexo das árvores
Existo onde me desconheço aguardando pelo meu passado ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro no mundo por que luto nasço
Sempre que me procuro e não me encontro em mim, pois há pedaços do meu ser que andam dispersos nas sombras do jardim, nos silêncios da noite, nas músicas do mar, e sinto os olhos, sob as pálpebras, imersos nesta serena unção crepuscular que lhes prolonga o trágico tresnoite da vigília sem fim, abro meu coração, como um jardim, e desfolho a corola dos meus versos, faz-me lembrar a alma que esteve em mim, e que, um dia, perdi e vivo a procurar nos silêncios da noite, nas sombras do jardim, na música do mar...
esculturas submersas no Mar de Caribe
tem um mar calmo nos meus sapatos com sola de borracha afundo os pés cansados enquanto caminho no fundo das avenidas de uma cidade submersa
Carlos Assis
Atlântida
Ednei Pereira Rodrigues
Onda dona do nado Só é permitido à voga da vogal no Volga A chefia ríspida do Chenab A peçonha do Pechora provoca a paresia Severo Sepik me separa da sereia A pungência do Pungá como um punhal Faz a desidratação atravês do dácrio Desfaz o Accona aconchegante que criei Veneziana dispensa os calanques e derruba as gôndolas Aclama um dilúvio dilacerante Aderiria a diarréia se não fosse o abjeto Néctico em bolha da ebulição Deixo minha caspa no Mar Cáspio A saliente saliva emerge à tona O supérfluo na superfície do suplício O suspeito suor suficiente do Tejo O mediterrâneo mede a medula O Vístula vistoso atravês da fístula A essência do Essequibo transborda os poros A ruptura com o Rupununi deixa-me único O Escodra que escorre deságua no vazio.
Glossário:
Volga:O rio Volga, é, com os seus 3688 km, o mais longo rio da Europa,
e também o maior do continente em caudal e na área de bacia
hidrográfica.
Chenab: rio Chenab é um longo rio que percorre o subcontinente Indiano,
sendo um dos cinco grandes cursos de água que fluem pelo Panjabe, no
noroeste da Índia e nordeste do Paquistão.
Pechora: O rio Pechora é um rio do noroeste da Rússia.
Sepik: Rio Sepik é um rio do nordeste da Nova Guiné com cerca de 1.120 km.
Pungá: O lago Pungá é um lago brasileiro que banha o estado do Amazonas, e banha o município de Juruácarece
Vístula:O Vístula é o mais longo rio da Polônia. Tem 1.047 km e sua bacia
hidrográfica banha cerca de 192 mil km², ou quase dois terços da
superfície da Polônia.
Essequibo:O rio Essequibo é um curso d'água guianense que nasce nas serra Acaraí, fronteira com o Brasil.
Rupununi: Rupununi é uma região na Guiana, América do Sul, constituída por
savanas, na sua maior parte, e por floresta tropical. A região é
cortada pelo Rio Rupununi.
Escodra:Escodra, é o maior lago dos Bálcãs, localizado na fronteira Albânia-Montenegro.
dácrio:lágrima
Accona: O Deserto Accona é uma área semi-árida, na Toscana, Itália, no centro da chamada Creta Senesi, perto da comuna de Asciano.
calanques:Um calanque é um acidente geográfico encontrado no Mar
Mediterrâneo, que se apresenta sob a forma de uma angra, enseada ou
baía com lados escarpados, composta por estratos de calcário, dolomita
ou outros minerais carbonatos. Wikipédia
O Dilúvio Eugénio de Castro, in 'Saudades do Céu'
Há muitos dias já, há já bem longas noites que o estalar dos vulcões e o atroar das torrentes ribombam com furor, quais rábidos açoites, ao crebro rutilar dos coriscos ardentes.
Pradarias, vergéis, hortos, vinhedos, matos, tudo desapar'ceu ao rude desabar das constantes, hostis, raivosas cataratas, que fizeram da Terra um grande e torvo mar.
À flor do torvo mar, verde como as gangrenas, onde homens e leões bóiam agonizantes, imprecando com fúria e angústia, erguem-se apenas, quais monstros colossais, as montanhas gigantes.
É aí que, ululando, os homens como as feras refugiar-se vão em trágicos cardumes, O mar sobe, o mar cresce. e os homens e as panteras, crianças e reptis caminham para os cumes.
Os fortes, sem haver piedade que os sujeite, arremessam ao chão pobres velhos cansados. e as mães largam. cruéis, os filhinhos de leite, que os que seguem depois pisam, alucinados.
Um sinistro pavor; crescente e sufocante, desnorteia, asfixia a turba pertinaz: ouvem-se urros de dor, e os que vão adiante lançam pedras brutais aos que ficam pra trás.
Raivoso, o touro estripa os míseros humanos que o estorvam, ao correr em fuga desnorteada, e pelo ar tenebroso as águias e os milhanos fogem, com vivo horror, daquela estropeada.
Cresce a treva infernal nos cavos horizontes; o oceano sobe e muge em raivas cavernosas, e as ondas, a trepar pelos visos dos montes, fazem de cada vez cem vítimas chorosas!
Os negros vagalhões, nos bosques mais cimeiros. silvam e marram já, em golpes iracundos; resplendem raios mil em rútilos chuveiros, e os corvos, a grasnar, desolham moribundos.
Blasfémias, maldições elevam-se à porfia; fustigado plo raio, aumenta o furacão; cada ruga do mar acusa uma agonia, cada bolha, ao estalar, solta uma imprecação.
Cresce no mar, sobe o mar... e traga, rudemente. da mais alta montanha o píncaro nevado. e um tremendo trovão aplaude a vaga arlente, que envolve, ao despenhar-se, o último condenado.
Cresce o mar, sobe o mar, que já topeta os céus: e, levada plo fero e desabrido norte, sua espuma, a ferver, molha o rosto de Deus, que lhe encontra um sabor nauseabundo de morte...
Cresce o mar, sobe o mar... Cada vaga é uma torre! No céu, o próprio Deus melancólico pasma... E, pelos vagalhões acastelados, corre a Arca de Noé, qual navio-fantasma...
Conclusão a sucata !... Fiz o cálculo, Saiu-me certo, fui elogiado... Meu coração é um enorme estrado Onde se expõe um pequeno animálculo...
A microscópio de desilusões Findei, prolixo nas minúcias fúteis... Minhas conclusões práticas, inúteis... Minhas conclusões teóricas, confusões...
Que teorias há para quem sente O cérebro quebrar-se, como um dente Dum pente de mendigo que emigrou ?
Fecho o caderno dos apontamentos E faço riscos moles e cinzentos Nas costas do envelope do que sou...
foto de Carlos Eduardo Savasini Ferreira http:carlossavasini.blogspot.com
Mínimo Mínio
Ednei Pereira Rodrigues
A ferrugem adianta o Outono
Deixa tudo monocromático Deixo oxidar as oxítonas sem oxigênio Quando a cidade faz a sua ecdise A sucata como sôfrego pespego Tudo pela sucessível inércia Sem motor para impor rumor O capô faz complô com a morte e resiste A congoxa da congosta em mais um congestionamento O aziúme que abre a chaga da azinhaga A centelha da quelha frenética Lanha o lânguido Landau na ladeira O monza moído no topo da montanha de ferro Belina como beliche para um sonho bélico A seda do sedan não disfarça os séculos Ainda existe um pouco de suavidade O corrossivo serve de tugúrio para mendigos Não resolve o problema de habitação Alguns ainda preferem o papelão por mais conforto Ser característico caracol,quando a aparência pouco importa.
Glossário:
ecdise:Ato de soltar ou perder o tegumento, como no caso de certos insetos, a
pele nas serpentes, a pelagem em certos mamíferos e a plumagem entre as
aves; muda. Antôn: êndise.
pespego: O que embaraça ou causa incômodo; estorvo.
congoxa:Angústia
congosta:rua estreita e comprida
azinhaga:caminho estreito
quelha:rua estreita
lanha:(lanhar)machucar,ferir
tugúrio:casa velha
O Homem de Ferro Marcos Prado
Êxtase sob dureza! Voltemos à idade do ferro! Ferro! Sobre ferro! Não haverá terra pra suportar o que peso!
Morte lenta a quem enferruja! Abelhas dentro da armadura! Merece chumbo a cultura! Um homem se conhece pelo tamanho da ferradura!
Não haverá mais remédios! Os belos serão os bélicos! Elmos no lugar de cérebros! O ferro-velho tomará os cemitérios!
Quando, à noite, o Infinito se levanta A luz do luar, pelos caminhos quedos Minha táctil intensidade é tanta Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos!
Quebro a custódia dos sentidos tredos E a minha mão, dona, por fim, de quanta Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos, Todas as coisas íntimas suplanta!
Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado, Nos paroxismos da hiperestesia, O Infinitésimo e o Indeterminado…
Transponho ousadamente o átomo rude E, transmudado em rutilância fria, Encho o Espaço com a minha plenitude!
Selênico Ednei Pereira Rodrigues
Desabrocha uma Magnólia em Maginus Antlia protetora dos antílopes Investe sua pungência contra esse magnetismo A ponta bisturi afronta o obscuro Antlia florífaga rompe o ázigo Draco rasga o darto sem anestesia Magarefe que faz a arefação O sangue que escorre da jugular de Hermite Outra cirurgia de Hérnia inguinal Outro transplante de baço para o baldo Aríete deixa Aristarchus árido Aquele para petardar Petavius O método de meter meteoro como sodomia Pode ser hermético até certo ponto Quando a solidão deixa de ser Hetera Não reparo na sua Herpes Toda languidez de Langrenus na lapela E o cruor no saguão como saguate O sacrifício da pucela para saciar algum sáfaro Seleciona a safena de Seleucos para a transfusão Vendelinus vendível no tráfico Albardar Albategnius sem culpa A simonia de sua simples simpatia Quando já estou simpléctico à você Morena Moretus aumenta essa morfina Entravado nessa dor doravante.
Glossário: Maginus,Hermite,Aristarchus,Petavius,Langrenus,Seleucos Vendelinus,Albategnius, Moretus= Crateras lunares Antila,Draco:estrela de uma constelação do hemisfério celestial sul ázigo:veia magarefe:Abatedor de gado; homem que, nos matadouros, mata e esfola as reses.Fig. Mau cirurgião. arefação: Dessecação das substâncias que vão ser reduzidas a pó. Hetera: mulher dissoluta; prostituta elegante e de aparência muito distinta. cruor:sangue saguate:presente Albardar:oprimir
simpléctico:Que está entrelaçado com outro corpo.
Desabrocha uma Magnólia em Maginus
Sangria Mario Cezar
A noite vagueia sobre a veia aberta em dores.
E quando as flores se perdem no verão uma bruta sangria de insônia habita a amargura dos olhos.
Em cada recanto escuro dos quintais cruza histórias de homens exilados.
Homens que espiam a dor degolar as primeiras madrugadas e depois devoram a mais profunda solidão do século.
Antlia protetora dos antílopes
Ar Livre Edmundo Bettencourt, "Antologia Poética"
Enquanto os elefantes pela floresta galopavam no fumo do seu peso, perto, lá andava ela nua a cavalgar o antílope, com uma asa direita outra caída. E a amazona seguia... e deixava a boca no sumo das laranjas. Os olhos verdes no mar. O corpo em a nuvem das alturas - a guardadora da sempre nova faísca incendiária!
O cipreste inclina-se em fina reverência e as margaridas estremecem, sobressaltadas.
A grande amendoeira consente que balancem suas largas folhas transparentes ao sol.
Misturam-se uns aos outros, rápidos e frágeis, os longos fios da relva, lustrosos, lisos cílios verdes.
Frondes rendadas de acácias palpitam inquietantemente com o mesmo tremor das samambaias debruçadas nos vasos.
Fremem os bambus sem sossego, num insistente ritmo breve.
O vento é o mesmo: mas sua resposta é diferente, em cada folha.
Somente a árvore seca fica imóvel, entre borboletas e pássaros.
Como a escada e as colunas de pedra, ela pertence agora a outro reino. Se movimento secou também, num desenho inerte. Jaz perfeita, em sua escultura de cinza densa.
O vento que percorre o jardim pode subir e descer por seus galhos inúmeros:
ela não responderá mais nada, hirta e surda, naquele verde mundo sussurrante.
filme inspirador:A boneca inflável
A Boneca inflável
Ednei Pereira Rodrigues
Sensível à minha aiquemofilia A sua gibosidade com o ghibli para blindar O xaroco para te xaquear aquém o desejo Vítima da estrela cadente Refém da Refega que te repreende Renasce do resíduo da resistência Sua anemofilia deixa-me eólico Ensina-me a levitar na borda com o Bóreas Flutuar nas nuvens com o Alísio A hipoplasia ofegante do incerto Depois que te ergui com o Chergui Revezo seu recheio com o Cierzo Ganho só seu desprezo Harmonia com o Harmatã que te completa Sua Mioclonia com o Minuano A mistura com o Mistral para a perfeita simetria Palpável com o pampero de amparo Fiel ao mínimo Samiel que sana a sua amielia Simum é sinal de sua sinuosidade A simples sinergia da sílaba Que a sisudez do siroco não percebe.
Glossário:
aiquemofilia:Prazer ou excitação sexual derivada do uso de agulhas ou objetos perfurantes.
anemofilia:Modo de polinização por intermédio do vento.
hipoplasia:Patologia Insuficiência de desenvolvimento de um tecido ou de um órgão.
Mioclonia:Contração muscular involuntária.
NOTURNO Augusto dos Anjos Eu e outras poesias, 1920
Chove. Lá fora os lampiões escuros Semelham monjas a morrer... Os ventos, Desencadeados, vão bater, violentos, De encontro ás torres e de encontro aos muros.
Saio de casa. Os passos mal seguros Trêmulo movo, mas meus movimentos Susto, diante do vulto dos conventos, Negro, ameaçando os séculos futuros!
De São Francisco no plangente bronze Em badaladas compassadas onze Horas soaram... Surge agora a Lua.
E eu sonho erguer-me aos páramos etéreos Enquanto a chuva cai nos cemitérios E o vento apaga os lampiões da rua!
A simples bulha surda Do meu coração batendo Poderá te acordar. Mesmo a penugem da lua Que cai sobre o ombro nu Das árvores, tão de leve, Poderá te acordar.
A simples caída da bolha D'água sobre a folha, Por ser fria como a neve, Poderá te acordar. Só porque a rosa lembra Um grito vermelho, Retiro-a de diante do espelho Porque — de tão rubra — Poderá te acordar.
E se nasce a manhã Calço-lhe logo pés de lã, Porque ela, com seus pássaros, Poderá te acordar. Mesmo o meu maior silêncio, O meu mudo pé-ante-pé, De tão mudo que é, Não irá te acordar?
Ó medusa de fogo, Conserva-te dormida. Com o teu fogo ruivo e meu, Qual monstruosa ferida. Como data esquecida. Como aranha escondida Num ângulo da parede. Como rima água-marinha Que morreu de sede.
E eu serei tão breve Que, um dia, deixarei Também, até de respirar, Para não te acordar. ó medusa de fogo, Dormida sob a neve!
A Vingança da Pedra
Ednei Pereira Rodrigues
Perônio Persente o Perverso Perseu Perpétuo perpianho estranho Micela Micante de Micenas Meu Niilismo para o seu Materialismo Apetece pela planície de Cistene Ofereço-lhe uma Cisterna Não aceita uma eclusa como escusa Nem minha Urolitíase por sua litolatria Réprobo de noma por sua nolição de nonadas Precito a ser puteal de pústula pusilânime Sem alforria da alforreca Ofensa aos Ofídios,meu cafuné fúnebre de ofito Carícia de Carrara incomoda quando queria o orgasmo Estrênuo quartzo enfrenta o estrepe da Urutu Ingênuo gabro contra a sisudez da sistruro Franja de Naja feri como navalha Naga nagaica como nagalho não te sufoca Trunfa de ibioca adorna sua alopecia Mucronado Topete de Muçurana contunde Sucuri como se fosse um bisturi machuca Arcara ao carcará a responsabilidade de seus atos.
Glossário:
Perseu algumas vezes grafado como Perseus (em grego moderno: Περσέας), é um dos mais célebres personagens da mitologia grega, heróisemideus conhecido por ser fundador da míticacidade-estado de Micenas, irmão de Hércules e patrono tanto da Casa Real de Perseu como da Dinastia Persênica, tendo sido ancestral, segunda a mitologia, dos imperadores da Pérsia. Famoso por ter decapitado a górgona Medusa, monstro que transformava em pedra qualquer um que olhasse em seus olhos.[Nota 1] Como um semideus, Perseu era filho de Zeus, que sob a forma de uma chuva de ouro, introduziu-se na torre de bronze e engravidou sua mãe, a mortal Dânae[Nota 2] , filha de Acrísio, rei de Argos. https://pt.wikipedia.org/wiki/Perseu
perpianho,gabro:pedra
Micela:Cada uma das partículas que se encontram em suspensão nas soluções coloidais, vivas ou inertes, formadas por agregados de moléculas.
eclusa:Obra de alvenaria que, munida de comportas, forma uma câmara destinada a tornar navegável um curso de água.
Urolitíase:pedra no rim
litolaria:culto a pedra
Réprobo,precito:condenado
noma: gangrena na boca
nolição:negação
nonadas:bagatelas
puteal:muro de pedra
alforreca:medusa
ofito: mármore verde com manchas amarelas, que tem aspecto de pele de cobra.
carrara:mármore branco
urutu,sistruru,naga,ibioca,muçurana:cobras
nagaica :chicote
nagalho:lenço de pescoço
trunfa: Cabelo abundante e desgrenhado.
mucronado:tudo aquilo que termina em ponta aguda e afiada.
"Perseus Turning Phineus and his followers to Stone" por Luca Giordano - http://www.uwm.edu/Course/mythology/0800/1429.jpg. Licenciado sob Domínio público, via Wikimedia Commons - https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Perseus_Turning_Phineus_and_his_followers_to_Stone.jpg#/media/File:Perseus_Turning_Phineus_and_his_followers_to_Stone.jpg
MEDUSA
SYLVIA PLATH Tradução: Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo (do livro Ariel, a sair pela Verus Editora)
Longe dessa península de bocais pétreos,
Olhos revirados por varetas brancas, Orelhas absorvendo as incoerências marinhas, Você abriga sua cabeça débil — globo de Deus, Lente de piedades, Seus parasitas Oferecem suas células selvagens à sombra de minha quilha, Empurrando como corações, Estigmas vermelhos bem no centro, Cavalgando a contracorrente até o ponto de partida mais próximo. Arrastando seus cabelos de Jesus. Escapei, me pergunto? Minha mente sopra até você Umbigo de velhos mariscos, cabo Atlântico, Se mantendo, parece, em estado de milagrosa conservação. Em todo caso, você está sempre ali, Respiração trêmula no fim da minha linha, Curva d’água pulando Em meu caniço, ofuscante e agradecida, Tocando e sugando. Não chamei você. Não chamei você mesmo. No entanto, no entanto Você veio a vapor em minha direção, Obesa e vermelha, uma placenta Paralisando amantes impetuososos. Luz de naja Espremendo o hálito das rubras campânulas Da fúcsia. Sem poder respirar, Morta e sem dinheiro, Superexposta, como num raio-x. Quem você pensa que é? Hóstia de comunhão? Maria Carpideira? Não vou tirar nenhum pedaço desse seu corpo, Garrafa aonde vivo, Vaticano espectral. O sal quente me mata de enjôo. Imaturos como eunucos, seus desejos Sibilam para meus pecados. Fora, fora, coleante tentáculo! Não há mais nada entre nós.
O silêncio da Medusa
Renata Bomfim
A pedra retribui o carinho
do olhar. Os lábios fixos ocultam um jogo erótico. Medusa sorri.
A dureza dissimulada do homem de carrara, denuncia o gozo contido, de um coração que pulsa apenas na intenção.
O organismo complexo e fértil torna-se acessível: heras brotam de suas narinas.
O jardim da caluniada Medusa guarda exemplares singulares: seu tesouro! seu orgulho!
Machos exemplares, rijos como o amor que lhe dedicam.
Incompreendida, só, mal vista e mal dita, Medusa guarda silêncio, já não necessita das palavras:
félix fúria foice e martelo cidadão como um cão danado da vida porque a vida está custando os olhos da cara porque a vida está cara como uma joia porque a vida está pela hora da morte repito (eu: vocês) félix fúria foice e martelo farto até os bagos de barriga vazia promessa não enche barriga félix feixe de vida farto da fúria do lucro feito foice martela teu ouvido chegou a hora chegou a hora agora
Ganância desmedida
Ednei Pereira Rodrigues
Adianta a adiafa considerável do larápio para apiloar o parálio A propina quita o propileu de seu alcácer Corrupto corruscuba tem imunidade em Cuba A cafurna do cafunje é proeminente Onde se prolifera meliantes do progresso Cobiçável cobocó do gabiru janota Que o caboclo apiança em seu prândio Esmola de sêmola não sustenta sua família Urumbeva vendível à endívia, ao endível Caburé comuta o voto por comua Cabrobó alborca o pleito por alborque Bacharel oferece a albrecha para preencher uma brecha do estômago O sufrágio em rágios aumenta o contágio Impor Imposto ao Impulso Tributo ao tripúdio moderado Escrutínio sem escrúpulos com escruncho O escroto do escroque serve de escudo
Desgoverno da Górgone Estupidez
que estua
Bruaca para Brunir a Bruma Gornope como Gorjeta
Gólgota sem uma Gota.
Glossário:
adiafa:gorjeta apiloar:amassar
Parálio:próximo ao Mar
propileu: Pórtico monumental na entrada de um templo grego
alcácer:palácio
corruscuba:esperto,hábil
cafurna:esconderijo
cafunje:ladrão
cobocó: tipo de queijo
gabiru:rato
janota:bem vestido
apinça:desejar
prândio:refeição
sêmola:arroz
urumbeva,caburé&cabrobo:caipira
endívia:verdura
endível:tudo o que se pode comer
alborca:alborcar,trocar
alborque:refeição
albrecha:pêssego
rágios:moscas
escruncho:roubo
Górgone,medusa: gornope:trago de bebida alcoolica
Mulher horrenda, perversa, repulsiva, por alusão às três fúrias
mitológicas Esteno, Euríale e Medusa, mulheres que tinham serpentes por
cabelos e que transformavam em pedra aqueles que as encaravam.
Golgota: Lugar onde se sofre implacavelmente.
Protesto
Walmir Ayala, 'O Edifício e o Verbo'
Não é no teu corpo que se imola
para a ceia dos meus sentidos
a vítima núbil, a áurea mola
que cinge o amor recente aos idos.
Mas é também no teu corpo que corre
o sangue que o meu sangue socorre.
Não é no teu corpo que se ergue
a guerra fria dos meus nervos.
nem nasceram tuas transparências
para a cegueira dos meus dedos.
Mas é também no teu corpo insano
que perscruto meu desconforto humano.
Não é no teu corpo, nos teus olhos
de fauno, que colho as minhas ditas,
nem o jasmim de tua boca flore
para a visão que me solicita.
Mas é também no teu corpo único
que o amor à forma do Amor reúno.
Não é no teu corpo que concentro
minha sede (esta sede ferina
que morre de seu farto alimento
e vive de quanto se elimina)
Mas é também teu corpo a medida
destas águas sobre a minha ferida.
Não é no teu corpo, mas é tanto
no teu corpo meu último refúgio,
que amoroso e em pânico me insurjo
contra a fonte que és: júbilo e pranto.
Mas é também no teu corpo o tudo
da solidão em que me aclaro e escudo.
Em teu corpo, canal que brande e acalma
minha alma, este pássaro árduo e mudo
na estranha migração da tua alma.
Eu e o esqueleto esquálido de Esquilo Viajávamos, com uma ânsia sibarita, Por toda a pró-dinâmica infinita, Na consciência de um zoófito tranqüilo. A verdade espantosa de Protilo Me aterrava, mas dentro da alma aflita Via Deus - essa mônada esquisita - Coordenando e animando tudo aquilo! E eu bendizia, com o esqueleto ao lado, Na guturalidade do meu brado, Alheio ao velho cálculo dos dias, Como um pagão no altar de Proserpina, A energia intracósmica divina Que é o pai e é a mãe das outras energias!
Anatomia
para principiantes
Ednei Pereira Rodrigues
Esquálido
Esqueleto Esquecido na Esquina da Saudade
Esquivoso à
claridade
Disfarçava o
banzo
Ombrear-se
com o breu
Pousa uma
fênix na espádua
Perpétua
Tábua
Grabato para
o gracejo das gralhas
Costela
Labirintiforme
Armadilha para
pássaros
Dedilho seu
dédalo para deduzir o vazio
Falta uma vértebra
para a Verve
Espôndilo
como Espólio
Esplêndido
Esplênico
Sua
decomposição que debela
Putrefação
na Puberdade
Quebrar o
jejum com o austro
Anormal
Anorexia
Faltou as
grades para deter a grafia
Catre para
atrelar
A extração
do cateter revelou o infinito
Aliviar o
fardo à farelo.
Inexorável
Cruz e Souza
Ó meu Amor,que já morreste,
Ó meu Amor,que morta estás!
Lá nessa cova a que desceste,
Ó meu Amor,que já morreste,
Ah! nunca mais florescerás?!
Ao teu esquálido esqueleto,
Que tinha outrora de uma flor
A graça e o encanto do amuleto;
Ao teu esquálido esqueleto
Não voltará novo esplendor?!
E ah!o teu crânio sem cabelos
Sinistro,seco,estéril,nu...(Belas madeixas dos teus zelos!)
O pequeno vaga-lume com sua verde lanterna, que passava pela sombra inquietando a flor e a treva — meteoro da noite, humilde, dos horizontes da relva; o pequeno vaga-lume, queimada a sua lanterna, jaz carbonizado e triste e qualquer brisa o carrega: mortalha de exíguas franjas que foi seu corpo de festa.
Parecia uma esmeralda e é um ponto negro na pedra. Foi luz alada, pequena estrela em rápida seta. Quebrou-se a máquina breve na precipitada queda. E o maior sábio do mundo sabe que não a conserta.
O voo da esmeralda
Ednei Pereira Rodrigues
Líbero o berilo da falange Anilha cintila no pálamo Cara de cariáster para cariátide Cadência da essência Flora perdeu seu Farol Por isso aumentaram os naufrágios Aspecto patesco da maresia para esmaiar Viver sob a ilusão sintética do neon Um escuro impuro que revela o reverso Faço reverência para o revérbero Quando a pupila se acostuma com o escuro Disfarço o garço da garça,muito branco Tons para Tonsar a Ovelha A Tonsura de Saturno Badana contra o níveo O façalvo fareja o obscuro Tingir o que tine da afrasia da frase Brilho intenso do áscio A cisão em qualquer coisa que não vejo Procuro o rútilo dentro do Fifó Quebro o holofote como protesto.
Glossário:
berilo:esmeralda
pálamo:Membrana existente entre os dedos de algumas aves.
cariáster:estrela
cariátide:estátua feminina
patesco:marinheiro inexperiente
badana:ovelha negra
façalvo:nariz branco
Fifó:lampião
Estrela perigosa
Clarice Lispector
Estrela perigosa Rosto ao vento Marulho e silêncio leve porcelana templo submerso trigo e vinho tristeza de coisa vivida árvores já floresceram o sal trazido pelo vento conhecimento por encantação esqueleto de idéias ora pro nobis Decompor a luz mistério de estrelas paixão pela exatidão caça aos vagalumes. Vagalume é como orvalho Diálogos que disfarçam conflitos por explodir Ela pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é.
No obscuro erotismo de vida cheia nodosas raízes. Missa negra, feiticeiros. Na proximidade de fontes, lagos e cachoeiras braços e pernas e olhos, todos mortos se misturam e clamam por vida. Sinto a falta dele como se me faltasse um dente na frente: excrucitante. Que medo alegre, o de te esperar.
A Noite É Muito Escura Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" Heterônimo de Fernando Pessoa
É noite. A noite é muito escura. Numa casa a uma grande distância Brilha a luz duma janela. Vejo-a, e sinto-me humano dos pés à cabeça. É curioso que toda a vida do indivíduo que ali mora, e que não sei quem é, Atrai-me só por essa luz vista de longe. Sem dúvida que a vida dele é real e ele tem cara, gestos, família e profissão.
Mas agora só me importa a luz da janela dele. Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido, A luz é a realidade imediata para mim. Eu nunca passo para além da realidade imediata. Para além da realidade imediata não há nada. Se eu, de onde estou, só veio aquela luz, Em relação à distância onde estou há só aquela luz. O homem e a família dele são reais do lado de lá da janela. Eu estou do lado de cá, a uma grande distância. A luz apagou-se. Que me importa que o homem continue a existir?
Sou uma coisa entre coisas
O espelho me reflete
Eu (meus
olhos)
reflito o espelho
Se me afasto um passo
o espelho me esquece:
- reflete a parede
a janela aberta
Eu guardo o espelho
o espelho não me guarda
(eu guardo o espelho
a janela a parede
rosa
eu guardo a mim mesmo
refletido nele):
sou possivelmente
uma coisa onde o tempo
deu defeito
Ferreira Gullar OVNI