sexta-feira, 17 de julho de 2015

Onde estão os vagalumes?



Máquina breve
 Cecília Meireles
 
O pequeno vaga-lume
com sua verde lanterna,
que passava pela sombra
inquietando a flor e a treva
— meteoro da noite, humilde,
dos horizontes da relva;
o pequeno vaga-lume,
queimada a sua lanterna,
jaz carbonizado e triste
e qualquer brisa o carrega:
mortalha de exíguas franjas
que foi seu corpo de festa.


Parecia uma esmeralda
e é um ponto negro na pedra.
Foi luz alada, pequena
estrela em rápida seta.
Quebrou-se a máquina breve
na precipitada queda.
E o maior sábio do mundo
sabe que não a conserta.

  


O voo da esmeralda
Ednei Pereira Rodrigues

Líbero o berilo da falange
Anilha cintila no pálamo
Cara de cariáster para cariátide
Cadência da essência
Flora perdeu seu Farol
Por isso aumentaram os naufrágios
Aspecto patesco da maresia para esmaiar
Viver sob a ilusão sintética do neon
Um escuro impuro que revela o reverso
Faço reverência para o revérbero
Quando a pupila se acostuma com o escuro
Disfarço o garço da garça,muito branco
Tons para Tonsar a Ovelha
A Tonsura de Saturno
Badana contra o níveo
O façalvo fareja o obscuro
Tingir o que tine da afrasia da frase
Brilho intenso do áscio
A cisão em qualquer coisa que não vejo
Procuro o rútilo dentro do Fifó
Quebro o holofote como protesto.


  Glossário:
berilo:esmeralda
pálamo:Membrana existente entre os dedos de algumas aves.
cariáster:estrela
cariátide:estátua feminina
patesco:marinheiro inexperiente
badana:ovelha negra
façalvo:nariz branco
Fifó:lampião 


 
Estrela perigosa
  Clarice Lispector

Estrela perigosa
Rosto ao vento
Marulho e silêncio
leve porcelana
templo submerso
trigo e vinho
tristeza de coisa vivida
árvores já floresceram
o sal trazido pelo vento
conhecimento por encantação
esqueleto de idéias
ora pro nobis
Decompor a luz
mistério de estrelas
paixão pela exatidão
caça aos vagalumes.
Vagalume é como orvalho
Diálogos que disfarçam conflitos por explodir
Ela pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é.

No obscuro erotismo de vida cheia
nodosas raízes.
Missa negra, feiticeiros.
Na proximidade de fontes,
lagos e cachoeiras
braços e pernas e olhos,
todos mortos se misturam e clamam por vida.
Sinto a falta dele
como se me faltasse um dente na frente:
excrucitante.
Que medo alegre,
o de te esperar. 



 A Noite É Muito Escura
Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterônimo de Fernando Pessoa 

É noite. A noite é muito escura. Numa casa a uma grande distância
Brilha a luz duma janela.
Vejo-a, e sinto-me humano dos pés à cabeça.
É curioso que toda a vida do indivíduo que ali mora, e que não sei quem é,
Atrai-me só por essa luz vista de longe.
Sem dúvida que a vida dele é real e ele tem cara, gestos, família e profissão.

Mas agora só me importa a luz da janela dele.
Apesar de a luz estar ali por ele a ter acendido,
A luz é a realidade imediata para mim.
Eu nunca passo para além da realidade imediata.
Para além da realidade imediata não há nada.
Se eu, de onde estou, só veio aquela luz,
Em relação à distância onde estou há só aquela luz.
O homem e a família dele são reais do lado de lá da janela.
Eu estou do lado de cá, a uma grande distância.
A luz apagou-se.
Que me importa que o homem continue a existir?

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