sábado, 30 de maio de 2015

Cemitérios me inspiram

 
Epitáfio

Cecília Meireles, in 'Poemas (1942-1959)

 Ainda correm lágrimas pelos
teus grisalhos, tristes cabelos,
na terra vã desintegrados,
em pequenas flores tornados.

Todos os dias estás viva,
na soledade pensativa,
ó simples alma grave e pura,
livre de qualquer sepultura!

E não sou mais do que a menina
que a tua antiga sorte ensina.
E caminhamos de mão dada
pelas praias da madrugada.

Condolências ao Concreto

 Ednei Pereira Rodrigues


Ninguém foi na exposição de féretros na Maternidade
O chocalho era o guizo ofídio
O bote foi preciso
Ninguém sentou no férculo feito para observar a neblina
A pruca imprudente
Provisória Provocação
Faltou conforto
O ébano contra o ebúrneo
Meteorologista erra a previsão do tempo
Errei na métrica
Ninguém foi na exposição de berços no cemitério
Parafina de graça para surfistas
O austro apagou a vela
Está tudo fora do lugar
Elefante é a principal atração do Circo de Pulgas
O barrito foi erudito
O pruído Lúrido
Girafa usada como pataréu para o bombeiro apagar o incêndio
Sprinkler sonha em ser cachoeira
Itupava saudava a estiagem

O crucífero foi usado como aliteração
Sem retaliação dos devaneios crucificados
Martim como Mártir aguarda a martelada
O prego como parergo na ansa
Anina para inanir o inane
Tarugo arguto entende tudo
Nômina Nomeia o Normal
Batismo com sangue 
O martelo para ritmar a morte
Para mitrar o óbito.

Cálido Calepino

férculo&pruca:palco
barrito:a voz dos elefantes
 pruído:coceira
  Lúrido:escuro 
Anina,Tarugo,Nônima:prego
Itupava:cachoeira
Mitrar:enganar

 

 O Morto Prazenteiro

Charles Baudelaire, in "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães
 
Onde haja caracóis, n'um fecundo torrão,
Uma grandiosa cova eu mesmo quero abrir,
Onde repouse em paz, onde possa dormir,
Como dorme no oceano o livre tubarão.

Detesto os mausoléus, odeio os monumentos,
E, a ter de suplicar as lágrimas do mundo,
Prefiro oferecer o meu carcaz imundo,
Qual precioso manjar, aos corvos agoirentos.

Verme, larva brutal, tenebroso mineiro,
Vai entregar-se a vós um morto prazenteiro,
Que livremente busca a treva, a podridão!

Sem piedade, minai a minha carne impura,
E dizei-me depois se existe uma tortura
Que não tenha sofrido este meu coração.

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