Solitário
Augusto dos Anjos
Eu e Outras Poesias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos contorta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
- Velho caixão a carregar destroços -
Levando apenas na tumba carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!
Natureza morta
Ednei Pereira Rodrigues
O viço víbice
Galhofa para o galho
O látex no pirex
O abrochar da borracha
O rancor do ranco
Arranca a ranca
A grua consegue erguer a Lua
A ausência de gravidade se encarrega de Ícaro
A cábrea para aprumar o cabaré
Hamadríadre com um guindaste
Tenta elevar algumas folhas
A grima da grimpa
O cárus da caruma
O caucho cáustico
O carusma da madeira que crepita
O ébano anebo
A leniente lenha
O machado manchado de seiva
Adianta o Outono.
Hamadríadre
chão de caruma,
crepitar no pinheiral -
passos ou fogo?
Carlos Seabra
Glossário
Viço: A força, a exuberância vegetativa das plantas
Víbice:s.f. Golpe de vergasta.
Fig. Açoite, castigo.
Galhofa:deboche
abrochar:apertar
ranco e ranca:Ramo ou galho
Grua e cábrea: Aparelho destinado a levantar cargas; guindaste.
Hamadríade:Mitologia Ninfa dos bosques, que nascia e morria com a árvore em que se acreditava estivesse encerrada e que a ela era destinada.
grima:ódio,raiva
Grimpa:Levantar
cárus:coma
caruma:folha
caucho: Árvore da família das moráceas, cujo látex dá uma borracha de qualidade inferior.
cáustico: Que queima, corrosivo.
ébano:madeira de cor escura
Anebo: não atingiu ainda a puberdade
Canção de Outono
Cecília Meireles (1901 - 1964) Poesia completa: Volume 2. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001.
Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles
que não se levantarão...
Tu és folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...
No coração do inverno -
a única folha no ramo
luta contra o vento
Stefan Theodoru
Nenhum comentário:
Postar um comentário