terça-feira, 25 de abril de 2023

Anagramas do ínfimo



Louvre


Sempre me considerei um poeta medíocre

Afinal, tenho levado uma vida tão torta que as tábuas de madeira do piso do meu quarto já estão há muito desencaixadas

Procurei inspiração no fundo de tantas e tantas garrafas, e no fim era só um punhado de palavras aglutinadas num papel qualquer

Bateram palmas, óbvio!
Mas alguém ouviu?

Há outros corredores no Louvre, e nem todos terminam num quadro famoso

Há bons e maus,
e terríveis e incríveis,
e tantas outras dualidades torpes e imbecis

Medíocre é questão de sorte
Genialidade, uma vaga mentira

Amor é uma constante,
que pode ser encontrada no final de qualquer corredor ou poema.

                                                                                                                                                                                     Guilherme Giesta

Zona de conforto


Limitado ao óbvio ramerraneiro

Toda ramescência para o enleio 

Não produz frutos

Enliçado pelo necídalo 

Invejo-o pela metamorfose

A dolência costumaz 

Não é um empecilho 

Cadilho para o rastilho
 
Contumélias redundantes não me afetam
 
Intragáveis apupos do intragrupo
 
Regurgito encômios 

Todo escárnio no escrínio
 
Faço do escólio meu sólio 

Meu valor é intrínseco
 
Vomito o caos para entreter a elite

Deixo escorrer dos poros a confusão que habita em mim, revelando ao mundo um turbilhão de sentimentos que me consomem

Não busco a compreensão do ledor

Mas sim a libertação da minha própria alma, pois é no caos que encontro a minha verdadeira essência

E se por acaso a minha arte conseguir tocar alguém

Que seja para mostrar que o caos também pode ser belo

E o que é considerado imperfeito pode ser a perfeição em sua mais pura forma.


                                                                                                                                                 EPR
 

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Associações impertinentes: A chaleira, pés e o fogo

 

imagem:Pés da poetisa Bruna Beber

Savoir-faire

Acender o isqueiro com os pés
Coreografia da creografia
O lume que faltava para a treita
Centelha do estro

A chaleira ventígena
Vai samintar samiel
Arejar as ideias
Espairecer na espalação

Chamuscar a unha
Conflagrar o flano
Um pouco do flanco
Cauto cautério

Alabarar o alabirintado
A guieira que vem da chaleira
Extingue a guimba do cinzeiro
Tudo se dissipa paulatinamente

Peculiares idiossincrasias
Apresto para o cálido
Aprimoração do ígneo
A erupção do hálux.


                                            EPR

p/Bruna Beber

 

Casarões

o coração é o povoado da memória;

aparentado com o fígado é o sentimento:

a indignação ocupa o estômago

mas o desejo faz do pulmão um pomar.


a cabeça é inquilina

ou proprietária do corpo,

e quem morre primeiro?



                                                    Bruna Beber

sábado, 1 de abril de 2023

Lugares onde nunca estive

 
 
Metamorfose
Adélia Prado
 
 
                                                             

Foi assim que meu pai me disse uma vez:
Você anda feito cavalo velho, procurando grota.

 

As cigarras atrelavam as patas nos troncos
e zuniam com decisão os seus chiados.
As árvores cantavam no quintal,
refolhadas de novíssimo verde.
Arregacei as narinas e fui pastar
com minha cabeça minúscula.
O que mais quente e amarelo pode ser,
era o sol, um dia de pura luz.
Mugi entre as vacas, antediluviana,
sei de moitas, água que achei e bebi.
Na volta sacudi pescoço e rabo.
Só dois sinais restaram:
um modo guloso de cheirar os verdes;
um modo de pisar, só casco e pedras.

imagem:Varanasi(Índia)
 

Abstrato Inabalável

Em Varanasi o mugido sacro
Ruminar uma ideia
Ubérrimo brumeiro
A pasteurização elimina totalmente a Nocárdia
E a noção do contexto
A arrelia da borrelia
Igualar-se a cicisbeia que faz a assepsia no Ganges
Entesei a guelra e fui singrar
Singular pargo
Só uma gota para se absterger do abstero
O abstrato continua ascético
Agora um pouco acético
Aceita os flagelos da existência
Deixar a metáfora desaguar em Trisul
Sobreviver em uma ilha de plástico
Reciclar a predisposição recíproca.

                                                      EPR

***poesia escrita após a oficina ministrada pela poetisa/tradutora Bruna Beber no dia 29/3/2023 na biblioteca São Paulo