quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

São Paulo 464 anos


ONTEM SOBRE ONTEM

 André Carneiro



Buzino para a pomba gorda
a rua empoeirada. 
Cães não se conformam 
com as rodas estranhas. 
Reclinada no banco 
você se queixa de algo, 
talvez a salada murcha 
ou minha ânsia de pontualidade, 
ou dos franceses vindos para o lanche. 
Engulo a estrada, 
quase ultrapasso o caminhão fantasma, 
mas não enfrento a mão errada 
na curva rodovia dos atos. 
Abro o portão eletrônico, 
o carro arrefece a ânsia cega 
e descansa as válvulas de aço. 
Seus átomos, prótons e neutrôns 
sustentam sua matéria sem veias e nervos. 
Escadas, fechos e travesseiros 
também são feitos com a fórmula 
da minha carne primata, de peixe e vertebrado. 
O cenário eu construo, 
não importa se gestos são 
pensamentos na matéria cinzenta. 
Circulo e falo, cada palavra é signo, 
sugere algo abstrato ou sólido aparente, 
provoca atos da carne ansiosa. 
Somos os documentos nas gavetas, 
arquivos, fitas magnéticas. 
Diante do inquisidor 
inventamos as respostas. 
Se o espelho devolve outro rosto, 
a chave não abre a porta, 
o desespero enlouquece com a perda do ontem. 
Aqui, agora, duram milionésimos de segundo. 
0 calendário imobiliza o passado. 
Até o futuro do sonho acordado 
mora na memória. 
Sinto a batida da veia com o dedo, 
o sangue já fugiu do braço, 
o beijo caiu no abismo, 
o orgasmo é clarão do incêndio, 
corre o espermatozóide, 
abraça o óvulo, inventa olhos e pernas, 
salta para a mãe apertado nos braços, 
cresce a cada instante, talvez escreva versos, 
rugas, cabelos brancos, 
ontem sobre ontem a humanidade inteira.



Palíndromo urbano

Mais do que listras 
Vontade de ser zebra 
A sola solaz claudicante 
Clastomania do Clástico 
Esmaga a chaga 
Vontade de ser capacho 
Alcatifa do alcachinado 
Alfombra sem sombra
Carpetar o vazio 
Esquálida Laura abráquia 
Testemunha ocular da sebaça 
Seus olhos são as câmeras de segurança 
Vontade de ser placa de plaga 
Sarandi às vezes não inspira 
Enquisa da esquina 
A ausência de quinase a deixou estéril 
Avenida com vontade de ser ave 
Avatar de si mesmo 
Prefixo decrescente anuncia o fim 
Prestes a entrar em declínio.


                                              Ednei P.Rodrigues


Glossário:

Clastomania-Desejo irresistível de destruir
Clástico-Desmontável
alcatifa-tapete
alcachinado-abatido
alfombra-tapete
abráquia-sem braços
Sarandi-Ilha pequena repleta de pedras ou pedregosa
Uma cinase ou quinase, é um tipo de enzima que transfere grupos fosfatos de moléculas doadoras de alta energia (como o ATP) para moléculas-alvo específicas (substratos). O processo tem o nome de fosforilação. A molécula-alvo pode activar-se ou inactivar-se mediante a fosforilação.

Nenhum comentário: