quinta-feira, 15 de junho de 2017

Litolatria


   
 Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo 
tronco ou ramo na incógnita floresta... 
Onda, espumei, quebrando-me na aresta 
Do granito, antiquíssimo inimigo... 

Rugi, fera talvez, buscando abrigo 
Na caverna que ensombra urze e giesta; 
O, monstro primitivo, ergui a testa 
No limoso paúl, glauco pascigo... 

Hoje sou homem, e na sombra enorme 
Vejo, a meus pés, a escada multiforme, 
Que desce, em espirais, da imensidade... 

Interrogo o infinito e às vezes choro... 
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro 
E aspiro unicamente à liberdade. 

Antero de Quental,"Sonetos"



Ambiguidades   

Monumento erguido para a inércia
Homenagem ao hornfel
Como um hormônio que estimula o vazio
Preito ao Ptério
Quando era para ser
Aliteração com H
Ruptura do que penso 
A rupia do fêmur
O ágamo sem volúpia
Quando tudo é rupestre
Prisão de Prásio
Topestesia com o Topázio
Alanhar a Allanita
Tirei o extrato do banco
E vi o âmago da pedra
Eixos do seixo
O êxtase com o estase
Adamar o Adamelito
Seu biotipo de biotita fascina.

                                       Ednei P.Rodrigues

Glossário:
hornfel:Rocha de metamorfismo de contato com aspecto de 
chifre (horn)
Ptério:Parte do crânio, geralmente em forma de H
ágamo:O mesmo que assexuado
prásio:Prásio ou prase é uma variedade quartzo idêntica ao jaspe, mas apresentando 
uma cor verde.
Topestesia:Med Faculdade de localizar as
sensações
Alanhar:abrir lanhos,esfaquear ,dilacerar
Allanita:é um mineral da classe 9 (silicatos)=pedra 
adamelito:Rocha magmática
biotita:ou biotite é um mineral comum da classe dos silicatos=pedra


    Escuto na palavra a festa do silêncio.
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.

Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.

Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.


António Ramos Rosa, "Volante Verde"

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