quarta-feira, 31 de maio de 2017

Surrealismo erótico



Entreabertas as pernas, e pousada
de leve, sobre os ombros, a cabeça,
parecias às vezes, derramada
no fundo, mais espessa.

    E eras líquida: vias, através
de tua própria sombra transparente
a luminosidade dos teus pés,
alados. Porque ausente.

    Jamais dizias nada. Sempre tinhas
entre os lábios, a voz silenciosa
dos que voltam. Onda após onda, vinhas
(e vens) misteriosa.

    Desde a profundidade, do mar. Brusco
nas suas reações, onde o mar falta
sob as ondas, aí, aí te busco —
e és, como as ondas, alta.

    Quando olho o horizonte: quando tudo
se dissolve em si mesmo e, onda após
onda, me calo. Vejo, e estou mudo.
O mar na tua voz.

    Porque vias o mar (tinhas o mar
no olhar) fechando os olhos. E defronte
o víamos surgir. Bastava olhar,
que tudo era horizonte.


Octávio Mora,"'Terra Imóvel"'


Onanismo

As válvulas da vulva levam ao creampie que crepita
Tudo precisa de uma engrenagem para funcionar
Fica vulnerável quando tira a luva e sente
O vulto da vulva no catre
O crépido da alopecia
A Xerotribia para pruir o prumo
Vaga deixa de massagear o masseter
Para massagear o massapê
A anastalse com o roçar
A marola amoral murcha a alma
Diluir-se no Dilúvio
Maré traz a concha como uma onça que ruge
Um Mar para o marzapo singrar
Lençol freático cobre a frega
O umbigo concóide com piercing de pérola
Anfitrite moderna modera
A Agonia da Alópia com o hímen que se rompe com a vaga
Após um pássaro ser sugado por uma das turbinas de um avião. 

                                                  Ednei P.Rodrigues


Glossário:

crépido:cuja textura é ondulada
Alopecia:é a redução parcial ou total de pelos ou cabelos em uma determinada 
área de pele.

Xerotribia:Fricção seca, que se faz com a mão

masseter:é um músculo de grande espessura, quadrilátero, que se estende do 
arco zigomático à face lateral do ramo da mandíbula.
Massapê:Terra argilosa
Concóide:Que tem a forma de uma concha
Anfitrite: Deusa do mar na mitologia grega
Alópia:concha



 À flor da vaga, o seu cabelo verde,
Que o torvelinho enreda e desenreda...
O cheiro a carne que nos embebeda!
Em que desvios a razão se perde!
Pútrido o ventre, azul e aglutinoso,
Que a onda, crassa, num balanço alaga,
E reflui (um olfato que se embriaga)
Como em um sorvo, murmura de gozo.
O seu esboço, na marinha turva...
De pé flutua, levemente curva;
Ficam-lhe os pés atrás, como voando...
E as ondas lutam, como feras mugem,
A lia em que a desfazem disputando,
E arrastando-a na areia, co'a salsugem.

II

Singra o navio. Sob a água clara
Vê-se o fundo do mar, de areia fina...
_ Impecável figura peregrina,
A distância sem fim que nos separa!
Seixinhos da mais alva porcelana,
Conchinhas tenuemente cor de rosa,
Na fria transparência luminosa
Repousam, fundos, sob a água plana.
E a vista sonda, reconstrui, compara,
Tantos naufrágios, perdições, destroços!
_ Ó fúlgida visão, linda mentira!
Róseas unhinhas que a maré partira...
Dentinhos que o vaivém desengastara...
Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos... 


Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'

Nenhum comentário: