sábado, 23 de março de 2024

Monólogo de um container

 

Dizem que viver à beira-mar é mais saudável, mas essa maresia está acabando comigo, corroendo minha estrutura, enferrujando minhas paredes e minando minha resistência a cada brisa salgada que sopra do oceano. Não sirvo mais para ser moradia, nesta hostilidade constante que me cerca. Não consigo mais oferecer abrigo seguro contra os elementos naturais que me rodeiam, cada vez mais implacáveis e destrutivos. Cada rajada de vento e salinidade do ar mina ainda mais minha integridade, tornando-me incapaz de cumprir minha função de fornecer proteção e abrigo. Sinto-me cada vez mais vulnerável e desgastado ,vejo-me sucumbindo aos efeitos implacáveis do marulho, incapaz de manter-me firme diante da constante erosão que me consome, como se fosse uma vítima resignada do destino inexorável. Nada contra a pulcritude do mar, admiro toda sua imensidão azul e a calmaria aparente de suas águas, mas é como se sua beleza fosse um véu que encobre sua verdadeira natureza implacável e corrosiva. Por mais que eu tente resistir, a força do oceano é irresistível. Cada onda que se quebra sobre mim com uma determinação inabalável, como se estivesse determinada a me devorar lentamente. Onde antes havia solidez, agora há rachaduras, onde havia beleza, agora há desgaste. À medida que o tempo avança, percebo que não posso lutar contra a maré. Talvez, ao me render ao abraço do oceano, encontre uma nova forma de existência, onde minhas ruínas se tornem parte integrante da paisagem, refúgio para peixes e outras miríades criaturas marinhas coloridas e exóticas em busca de abrigo, vou me tornar um recife de coral, quem sabe, sob as águas, eu possa finalmente descansar em paz, meu propósito transformado em um santuário para a vida marinha, um testemunho silencioso da interação eterna entre o homem e o mar. Talvez, na escuridão tranquila das profundezas, eu encontre uma nova forma de beleza e significado, uma existência que transcende a limitação da forma física. Lá, entre as sombras dançantes e os raios de luz que penetram timidamente, posso me fundir com os mistérios do mar, tornando-me parte de algo maior do que eu mesmo. Não mais confinado pelos limites do concreto e do metal, posso me espalhar como uma energia difusa, nutrindo os ecossistemas submarinos, ajudando a perpetuar a vida em suas formas mais diversas e esplêndidas. Nesse reino silencioso e vasto, posso encontrar uma serenidade que nunca conheci em minha forma anterior, uma tranquilidade que ecoa com os segredos ancestrais guardados pelas águas profundas. Como parte desse ecossistema em constante movimento, minha essência se mescla com a energia vital que pulsa através das águas, criando um elo indissolúvel com a teia da vida oceânica.

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