terça-feira, 10 de abril de 2018

A espoliação do espôndilo

Codicilo

Alberto Pucheu


Emito gritos de socorro, acaricio cabeças pendidas, festejo a entrada da primavera e pereço na calçada mais próxima.
A balbúrdia nos ouvidos da cidade,
a paisagem nas pernas dos caminhos,
o acontecimento que, à minha revelia, me incrementa,
rearranjam os meandros de meu corpo. Despenco, a cada dia, de mim mesmo, renasço do outro lado das alturas: muito mais oceano do que braços, mais trânsito do que pele, mais ruídos do que cérebro. Não tenho por lugar
turísticos belvederes, mas o emaranhado das ruas populosas
e recantos por onde encontro o esquecimento.
Sinto o cheiro espesso da gasolina escorregando por entre as veias, sinto seu gosto no copo do qual beberei, sinto o ritmo derrapante das inquietudes.
Como a leitora cobrindo com esparadrapo frases de um livro,
como um homem amontoado no meio da multidão,

sigo, arrastado pela força que leva as aves a emigrarem1.

E não desiste, a sede: como o mar, imorredoura.

P.S. - Alguém que não foi nada na vida me disse que tudo valeu a pena. 

1Verso de Fernando Ferreira de Loanda, em Kuala Lumpur.








Codicilo


Vísceras expostas
Em frente a sua casa
Não se esquecerá de mim!
O solear para a soledade
Columela para o silêncio
Na soleira a soldra
Soldar o dorsal com a aduela
A espoliação do espôndilo
Não justifica o solecismo de tudo
Corrija a cornija com orgia
Sob o alpendre o pâncreas
O íleon na sarjeta
Vontade de ser ilha
Apostema no poste
Como pôster no seu armário
O prosterno
Tudo que foi postergado
Deixo para a posteridade
Postres para a solidão.

EPR

P.S-Continuação da poesia A angústia da relevância

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