quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Descrição de imagem

 
Viagem
Aíla Sampaio


Vida: vagão de um trem

a qualquer hora

a soltar-se pelos trilhos.

Se fendem as trancas

na ferrugem das peças,

nenhuma alavanca detém a carga.



Sigo. Passageira sem estação de rota.

Quando vou, estou indo de volta

como se por mim tudo fosse outra vez

sem ter sido nunca a primeira.



Meu corpo é minha bagagem

arma atenta à cicatriz

que não fecha

e a que se cava

em tua ausência

materializada na cadeira vazia.



Ao meu lado, o passado:

sentença do efêmero,

algema sem trancas.

Sigo como um vagão

desgarrado do comboio,

querendo ainda obedecer

ao freio das alavancas.


 Vontade férrea
Ednei Pereira Rodrigues

Insossa Insônia vertical que me aflige
Não consigo pensar no horizontal
O deitado já foi editado várias vezes
Teoria de uma conspiração abstrata
Já fez a inspeção do insólito?
Então já pode se retirar insolente!
Insisto no ínsito que insinuei insípido
Determinado de minhas convicções
Estabeleço residência por ausência de reciprocidade
Não me importo com os sismos
Carinho do carril em minha nuca
Nunca tive quando estava com voçê
Adestro este estrado sem destoar o destino
Sem destronar a rainha tebaida de minha razão
Soberana do sobejo sobre este vazio
Monarca do momento moído
Não me importo se me destroncar
Vou sobreviver ao soberano engano
Vou resistir sem existir de fato
Como resíduo de algo bom
Na resma memória do que penso.
 

A sintaxe do ferro
Ricardo Rizzo

    Mencionar o ferro é expô-lo
    à dura nudez de palavra

    no registro encerrada, sílabas
    articulando matéria, antimatéria.

    Em que categoria confinar o ferro
    todo o ferro que há no mundo,
                                         insuspeito?

    Se em uma só palavra, e curta,
    traz a geografia de mundos, estrelas?

    O ferro do despeito
    vaza a sintaxe,
                      fere e desnorteia.

    Não é o ferro palatável, o ferro
    que a todos resume, paroxítono.

    Dizer o ferro é lambê-lo,
    comê-lo, fruta escura,

    é atividade carnal, antes
    tenso combate subterrâneo

    que se trava, ou melhor, se turva
    entre noite e sombra nos edifícios.

    Mas já um sal do ferro convida
    a dobrar o ferro utilitário

    a romper o ferro posto
    vingar-lhe o porte mortuário

    mencionar o ferro é mudá-lo
    em terrena dor de gente;

    é fecundar-lhe o ventre
    divergente e proletário.

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