terça-feira, 10 de fevereiro de 2015
Entrudo Lúdrico
A UM MASCARADO
Augusto dos Anjos
Rasga essa máscara ótima de seda
E atira-a à arca ancestral dos palimpsestos...
É noite, e, à noite, a escândalos e incestos
É natural que o instinto humano aceda!
Sem que te arranquem da garganta queda
A interjeição danada dos protestos,
Hás de engolir, igual a um porco, os restos
Duma comida horrivelmente azeda!
A sucessão de hebdômadas medonhas
Reduzirá os mundos que tu sonhas
Ao microcosmos do ovo primitivo...
E tu mesmo, após a árdua e atra refrega,
Terás somente uma vontade cega
E uma tendência obscura de ser vivo!
Botox
Ednei Pereira Rodrigues
Espelho não aceita o disforme
Quebra-se quando refleti o refolho
Cacos se entendem com os cactos
Espenica o meu adejo
O rútilo da ruga
O decrépito que decorre
A carquilha da carniça
Diagnóstico do ego egro
O cipreste rompeu o lacre do álacre
O esmalte esmarrido da esmeralda
Tapera como Tapete
Seu advento adverso
Urde um deslumbre
Silicone para as dunas
Um Oásis,sózia do guapo
Em meio ao torpe
O camaleão no camarote observa tudo
A face da facécia
O ângulo da angústia.
Ânforas
Edson Bueno de Camargo
toco teu ventre liso
de oceanos azuis elétricos
e rosas brancas tocadas pela gravidade
em tudo busco serenidade
mas tua pele é tempestade e febre
senhora da maré cheia
tão completa de luas
como meu dedo de contar estrelas
(contudo
não posso tocá-las)
véus de terra
cobrem teus cabelos
de raízes fundas
a beber o sumo da terra
mulher de tronco vegetal
e ancas robustas de madeira ígnea
dá-me tuas ânforas de água fresca
de desatar o gelo das profundezas
eu
abandonado do deserto
a partir em busca de mim
em teus olhos de planície
em teus seios de montanha
respirando as dunas de imensidão
(contudo
sufoco)
A Beleza
Charles Baudelaire, "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães
De um sonho escultural tenho a beleza rara,
E o meu seio, — jardim onde cultivo a dor,
Faz despertar no Poeta um vivo e intenso amor,
Com a eterna mudez do marmor' de Carrara
Sou esfinge subtil no Azul a dominar,
Da brancura do cisne e com a neve fria;
Detesto o movimento, e estremeço a harmonia;
Nunca soube o que é rir, nem sei o que é chorar.
O Poeta, se me vê nas atitudes fátuas
Que pareço copiar das mais nobres estátuas,
Consome noite e dia em estudos ingentes..
Tenho, p'ra fascinar o meu dócil amante,
Espelhos de cristal, que tornaram deslumbrante
A própria imperfeição: — os meus olhos ardentes!
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