imagem: Lev Shevchenko
A barricada
A metáfora espreita a restrépia florescer no jardim e reconhece em cada pétala a fragilidade da própria existência, como se o efêmero fosse o único caminho para tocar o eterno. Minha vida teria mais sentido se pudesse florescer como uma pétala ao sol.
Talvez sucupira sem precisar usucapir sua peçonha de sucuri, eu exalaria essência, eu deixaria no ar um rastro de delicadeza, e ao me desfazer no tempo descobriria que só no desaparecer reside a plenitude do ser.
Estou enredada neste labirinto de palavras, minha presença se dissolve entre folhas e textos, e cada frase que atravesso parece sustentar o peso invisível de memórias que não me pertencem. Percorro corredores silenciosos de pontuações e margens, e em cada parágrafo me reconheço fragmentada, como se cada sílaba carregasse um pedaço da minha própria sombra, aguardando o instante em que, finalmente, possa escapar do eco constante do que foi escrito e existir apenas no sopro delicado do agora.
Sigo uma vorá em sua sépala, sentindo a oscilação do tempo se entrelaçar aos meus sentidos, enquanto pequenas partículas de existência flutuam ao redor, sussurrando segredos que somente o silêncio ousa revelar. Este inseto é diferente, daquele que foi macerado entre as páginas, pois carrega consigo a leveza do voo e o zumbido constante que parece traduzir segredos invisíveis, enquanto o outro repousava imóvel, aprisionado no tempo das palavras, esquecido pela tinta e pelo papel.
Se ainda temos abelhas, o mundo não acabou, mas e a radiação do último petardo? Pode ter afetado o plectro, mas não a petarola de um petaurista que desafia o vento e a gravidade, saltando entre a fragilidade do plectro e a resiliência do jardim, como se cada passo fosse uma promessa de sobrevivência. Aparentemente, tudo está bem, exceto que você não vai mais poder contar com os hábitos que te mantinham seguro.
Como é de praxe, a sintaxe se dissolve em curvas inesperadas, espalhando fragmentos de sentido pelos interstícios do texto, enquanto o imaginário insiste em resistir à desordem instaurada. Até quando você vai ignorar este epistaxe? Cada linha carregada de tensão grita por atenção, e mesmo o silêncio parece pulsar com uma urgência que não pode ser contida, desafiando a paciência de quem ainda busca coerência.
Podem até quebrar o vidro, mas a luz filtrada pelos cacos cria sombras que dançam sozinhas, como se o mundo continuasse a se reinventar mesmo diante da ruptura.
Já forcei o reflexo até ceder, senti vibrações desconhecidas atravessarem o vazio, despertando ecos de instantes esquecidos, enquanto partículas minúsculas dançavam entre sombras efêmeras, sugerindo que cada fissura carrega potencial de renascimento, mesmo quando tudo parecia definitivo.
Achei melhor ficar por aqui mesmo, permitindo que o silêncio se acomodasse ao redor, e observar cada fragmento flutuar lentamente, como se cada estilhaço contasse histórias que jamais seriam narradas, oferecendo um estranho consolo na quietude absoluta.