quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Metáfora edível

                                                                              


Biscate

Ilumina a trilha
com a profana revelação
eu mataria para ter mais um minuto
ardoroso e doentio com você
você ainda quer me mudar?
vá em frente
eu acredito nos que se curvam por devoção
e naqueles que se esculpem
na lei da libertação e do amor

proclama a seiva duradoura
escreva cartas lascivas para a dor
quando ela estiver tentando te pregar peças
e levantar seu vestido nas festas
para acariciar tua bunda

Mostra pra mim, biscate
o preço da tua renúncia
Quando você deve de alma ao diabo
Cada gozo de
cada amante teu?
e do prazer torto
que você aprendeu
quase sozinha
e quantos altares
ergueste para a esfinge da vertigem
barcos dançando ritmados
na boca da tormenta

Quem te perdeu
e quem nunca te perdoou?
Pro inferno com todos
Você amou demasiadamente cada um deles
horas e até dias
mergulhada em estranha santidade
E não deves um pingo de afeto
a nenhum deles nem a si mesma

por ser um demônio obcecada
pela luxúria da alma
que deus te perdoe pelo seu infortúnio
um maníaco viciado roendo as unhas
comprando lingeries para professoras
chupando velhinhas
Cala-te biscate
Nenhum paraíso vai te levar
onde eu te quero
no cerne da minha existência
vermelha e medonha
contraditória e engraçada
não importa
você colocou tudo do avesso mesmo
e nem te motiva mais a grana
ou o poder sobre os homens
a lingerie na carne
não te salva mais?

mas há alento
se você ensinou um maldito a amar
agora também é teu
o reino dos céus

Rita Medusa


Carnívoros


Biscate, vou quitar apenas a bisteca, deixe-me com minha solidão. Estou bem comigo mesmo; aqui é charneca e o necator causa bastante incômodo. Foi um animus necandi de sua parte; eu entendo seu empenho, mas não posso permitir que sua lascívia me atinja. A vida já tem suas batalhas, e prefiro enfrentar meus demônios sozinho, sem mais distrações. Fez da rua seu refúgio, onde cada esquina guarda histórias de solidão e resistência, e cada olhar é um convite a um mundo que ela conhece bem, mas que sempre parece distante. Ali, entre sombras e luzes, ela busca efemeridades, momentos que aquecem sua alma em meio ao frio da noite.  A solitude se tornou meu refúgio, onde as sombras se dissipam e encontro clareza. Rameira, não precisa ramear meu túmulo; deixe o outono fazer isso. As folhas caindo trazem um frescor que eu aprecio. Não quero desmanchar seu tútulo; sua peruca parece ter custado uma fortuna. Seu pensamento tunante me incomoda; o nariz adunco não favorece o tunco. Sou como um uncompagarito; toda rispidez vem de desamores. Mesmo nas aflições, há um vazio que traz entendimento. Marafaia faiante, todo faido não produz faísca e toda essa aciesia aciculiforme é justificável. Na falta de um Mar para inspirar, vou seguir a acidália como se fosse uma hidrólise para contribuir para a formação da chuva ácida. Vai deixar tudo mais corrosivo.

sábado, 12 de outubro de 2024

Inspiração Lírica


Monólogo de uma boneca inflável



A estructa antes do estrugido, a circunstância não permitia que estivesse despida. Note como todos me olham, com um ar de desaprovação, como se estivéssemos agindo de maneira inadequada. Estão reparando em cada mínima coisa: sim, está chocho o esquerdo; minha assimetria não te incomoda, só minha prencheca te satisfaz. Antes de preencher o que me falta, sua fraqueza se deve à calipenia; talvez um fígado acebolado te ajude a ficar mais forte. Sempre fui calipígia. Os padrões de beleza são martelos que batem incessantemente, moldando, corrigindo, como se a perfeição fosse um objetivo a ser alcançado, e não uma ilusão projetada por uma sociedade que finge não ser ela mesma um produto do tempo e do contexto. A forja forma a gorja onde faltam gorjeios, a simetria? O tamanho? O peso? Todos são valores arbitrários que mudam conforme o tempo e a cultura e, no entanto, tratamos essas marcas como verdades imutáveis, como se cada curva ou ausência de curva definisse o que somos. Seria cômico se não fosse trágico a maneira como negamos nossa própria humanidade para nos tornarmos outra coisa, algo que não somos, algo que não podemos ser. Displicente, você coloca mais vinho no meu copo, como se eu fosse beber. Um garçom se aproxima e indaga por que minha refeição está intocada. Você explica que estou indisposta, e o garçom sugere embalar a comida para viagem; escargot não é algo barato e não podia ser desperdiçado. Você poderia comer depois. Isso vai longe demais, você fazendo todos acreditarem que estou grávida. O que vai acontecer daqui a 9 meses? Vai pegar um recém-nascido de algum hospital e dizer que é meu filho?As risadas sutis e as conversas disfarçadas ecoam ao nosso redor, como se o ambiente estivesse ciente do absurdo da situação. O vinho escorre lentamente, como meu senso de controle, enquanto os olhares se tornam mais intensos, inquisitivos, quase cirúrgicos. Fui transformada em um objeto de curiosidade. Não gosto de ser sempre o centro de toda a atenção; não sei por que você insiste em querer me levar para passear. É como se a sua vontade de exibir me tornasse um troféu, um símbolo de status, e não uma companheira. O mundo lá fora não é um lugar seguro para quem não deseja ser observado sob uma lupa. Estaria mais segura em um quarto escuro, longe de olhares julgadores e de sussurros insidiosos. Aqui, a luz brilha demais, revelando cada imperfeição, cada detalhe que você considera digno de apreciação. Anseio por momentos de tranquilidade, onde a simplicidade de um espaço íntimo pode me envolver em segurança. O barulho e a agitação se transformam em uma desordem dissonante, e o que deveria ser uma celebração se transforma em um teste exaustivo. É fácil para você se perder na multidão, mas eu estou presa, cercada por expectativas que não pedi. Não preciso de muito para sobreviver, todo esse ar que me envolve: sucedâneas vísceras, e tudo mais o que me abrange.