terça-feira, 4 de outubro de 2022

A inciclotropia para contemplar o incicatrizável

 

              Imagem do poeta surrealista Lawrence Ferlinghetti

Num ano surrealista
de homens-sanduíche e banhistas ao sol
girassóis mortos e telefones vivos
políticos amestrados repartidos em partidos
realizavam seu número de costume
no picadeiro de seus circos de serragem
onde acrobatas e homens-bala
enchiam o ar como um lamento
quando algum palhaço premiu
por pilhéria o botão de um cogumelo incomestível
e uma inaudível bomba de domingo
explodiu
surpreendendo o presidente em suas orações
no décimo nono buraco do campo de golfe
Oh era uma primavera
de folhas de peles selvagens e flores de cobalto
enquanto cadillacs caíam como chuva entre as árvores
encharcando com demência os relvados
e de cada nuvem de imitação
escorriam multidões múltiplas
de sobreviventes de nagasaki desasados
E ao longe perdidas
flutuavam xícaras
repletas com nossas cinzas.

Lawrence Ferlinghetti
trad. Eduardo Bueno

Continuação

Um lugar apropriado
A porcelana resolveu se rebelar contra a gravidade
Não terei sota na solta litofania
Talvez numa bilha
O bilênio de uma existência
Resquícios de bile
Tênue incineração
O vento espalha o boralho
A inciclotropia para contemplar o incicatrizável
Não quero me misturar com a fuligem
Até ser aspirado por algum pulmão
Aspirante do aspérrimo
A aspermia dos dias
Ou ser argueiro
Substituir sua pálpebra
Ressecar sua última lágrima
Tapulhe.

EPR


Nenhum comentário: