sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Metáfora submersa

Para voltar ao princípio do mundo 

sei de uma mulher
que penteava os cabelos ao sol
porque tinha no pensamento uma flor
sei que os lavava ao luar

porque tinha no coração uma corola
para voltar ao princípio do mundo

com a boca mordia o ar
e prendia os vestidos ao vento

era uma mulher sentada numa pedra
coroada por um lírio salgado na fronte

um dia
cortou os cabelos
atirando-os um a um ao mar

e disse: tece-me

e o mar inclinou-se para dentro
para tecer

o poema.

Maria Azenha



A Forma da água


O Mar que circunda a casa
Oferece aos habitantes o sustento ictío
Pensava que era algum tipo de divindade
Quando faziam a circunflexão
Para retirar parte do seu corpo
Era arrogante é narcisista
Via o reflexo de sua beleza nos olhos de quem se curvava
Só reparou na venustidade da pucela que ali morava
Na hora da ablução
Conheceu assim todas as suas cavidades
A dileção sem dilema
Deixou um pargo dilépido
Toda prosápia da tilápia
Foi assim que a fecundou
Só esperar 9 meses agora para nascer algo hidrópico
Houve uma infestação
Todos que ali moravam pegaram piolhos
A lêndea tinha que entrar para a lenda
Sua egéria com leucemia agora usa peruca.

EPR  

Um comentário:

Noi Soul 🔥 disse...

Enigma e ousadia que criam, juntos, profundidade. Sinto-me vista sem ver, sinto-me vulnerável... Isto é bom.