sexta-feira, 31 de maio de 2024

Inspiração lúrida

 

imagem:Laura Redfern Navarro recitando a poesia de Andressa Monteiro, facilitadores

@matryoshkabooks


Ponto cego



Filma a glia

Vai ver que está tudo bem

Ainda estou ágil

Sei que você estava afim da fima



Nistagmo abléfaro tenaz

Zéfiro faz da cortina

Sucedânea pálpebra

Agora temos um ponto cego



Miopia induzida

Incrustadas na córnea

Neandertais de épocas já vividas

Cancelamentos aconteceram devido à neblina



O que pretende fazer?

Aproveitar o aprosopo

Aprosar a parrosa

Ninguém vai te julgar.

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Continuação anagramática



  A Montanha Russa


Durante meio século
A poesia foi
O paraíso de solenes idiotas.
Até que eu chegasse
e me instalasse com a minha montanha russa.
Subam, se quiserem.
Claro que não responderei se descerem
Escorrendo sangue pela boca e nariz.

Niconor Parra 

tradução: Luca Argel

 

Estou bem, não se preocupe

Guarde a padiola para o paládio

Vai ser restituído

Não vou estancar

Deixo aqui minha contribuição

Aproveite antes de sonar

Ornar o chão com folhas caídas das árvores

Quando narro uma tomada de decisão

E a vida segue seu fluxo, indiferente à minha existência

Tanto refluxo por nada

Pássaro nem sentiu seu frouxel

É por mais que você se esforce

Algumas coisas simplesmente fogem ao controle

E o mundo sempre vai ser dos pascácios

Não preciso de tanta afeição assim

Estou acostumado com agressividade

Quero sua contumélia contundente

Pois é nela que encontro o ímpeto que e alimenta o estro.

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Bovídeos que me inspiram

imagem:https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/05/09/video-boi-e-encontrado-dentro-de-igreja-apos-inundacoes-no-rs.htm 09/05/2024 10h55



Reflexões sobre a impermanência e o discernimento



Espero que sua homilia seja profunda e reflexiva, trazendo paz e conforto para todos que a ouvirem

Você poderia ruminar um pouco menos

A ruminação excessiva pode nos prender em pensamentos repetitivos e não produtivos

Facilite o discernimento



Não vai apaziguar a bátega

Nada tens de hierático

Pático aos puritanos

Prático ao estro



Talvez seja impermeável

Oblata para algum nume

Anacronismo persistente

Dificulta o entendimento



Há uma discrepância latente que perturba a normalidade

Toda entropia revela a essência inexorável da transformação e do caos no universo

Desnudando a impermanência inerente a toda existência

Desafiando nossa busca por estabilidade em um mundo em constante mudança



Agora que tudo está disperso

Podemos aproveitar e encontrar beleza na impermanência e na transformação contínua

A metáfora prefere não ser resgatada

Sempre à deriva


Sem a necessidade de recuperar exatamente o que foi perdido.
 
 

sábado, 4 de maio de 2024

Onças que me inspiram


Celso Suarana é natural de Minas Gerais e radicado em São Paulo.Músico, educador,escritor e editor de livros,criador do selo Abarca Editorial.Publicou: o Cabaré do fim dos tempos(romance),Queridas quimeras(minicontos), e os infantojuvenis: Quando aprendi a dançar com o vento, em coautoria, e A noite dos gatos chorões,livro escolhido para integrar o PNLD 2023

 

Monólogo de uma guilhotina

 

Sim, estou em desuso, agora virei uma atração turística, tiram fotos e fazem chacota de mim, ninguém tem mais medo de mim. O tempo diluiu meu poder, transformando-me em uma lâmina enferrujada e emperrada que não corta nem papel e uma mera curiosidade histórica. Ainda tem nódoas de sangue aqui, mas ninguém se importa, no entanto, mesmo que tenha perdido minha ameaça física, ainda carrego o peso das vidas que ceifei, uma lembrança sombria da fragilidade da humanidade e dos extremos que podemos alcançar em nome de nossas crenças. Comecei a notar minha própria fraqueza quando uma panchlora, que acidentalmente decapitei como parte de um teste, mostrou-se surpreendentemente viva. Fiquei perplexa ao ver que, apesar do que fiz, ela continuou a se mover como se nada tivesse acontecido. Percebendo que algo extraordinário estava acontecendo, me vi intrigada com a  sua persistência . Sua resistência desafiava minha compreensão do que era possível. Será que eu estava perdendo minha eficácia, ou ela era extraordinariamente resiliente? A situação me deixou pensativa, questionando minha própria natureza e habilidades. Só depois fui entender que as baratas têm a capacidade de sobreviver por um curto período de tempo após perderem a cabeça devido à sua anatomia peculiar. Isso ocorre porque elas possuem um sistema nervoso distribuído por todo o corpo, permitindo que continuem a se mover e até mesmo responder a estímulos por algum tempo após a decapitação. Foi uma revelação intrigante, expandindo meu entendimento sobre esses seres que eu, inadvertidamente, havia subestimado. Aprendi uma valiosa lição sobre a resiliência e adaptabilidade das criaturas que compartilham este mundo conosco. Lembro da flebotomia que fazia, meu patíbulo era bíbulo agora com esse crucíbulo, fazem até festas aqui. Ontem à noite teve até um sarau em homenagem ao poeta Augusto dos Anjos. Enquanto as pessoas declamavam seus versos melancólicos, eu sentia uma pontada de nostalgia, lembrando-me das cabeças que rolaram ao som de suas palavras. A irreverência de ser palco de uma celebração poética em meio ao cenário de minha história macabra não me escapa, é como se o destino zombasse da minha antiga função. Só não dá para fazer pic-nics aqui, os espinhos do tríbulo não permitem. A ironia da história me consome, apenas um sufíbulo tremulando ao vento como encômio das existências que interrompi, todos devem ser respeitados e o turíbulo queimando o incenso e purificando o ar das lembranças ancestrais, enquanto eu perduro no ciclo da eternidade. Enquanto testemunho esse espetáculo da natureza, condenada a uma existência paradoxal entre a necessidade e a moralidade. Talvez algum dia eu tenha uma utilidade mais significativa uma redenção, do que me foi atribuído, uma transformação que me liberte das amarras do passado e me permita ser mais do que apenas uma máquina de julgamento implacável. Talvez possa ser um símbolo de renovação, de reinvenção, um instrumento não apenas de punição, mas de esperança e reconciliação. Cansei de revoluções quero algo mais pacífico como contemplar este Pôr do Sol que anuncia mais um dia que se acaba.