quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Anagramas Alados



A um Livro


No silêncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mágoas que me deste.

Estranho livro aquele que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!

Leio-o, e folheio, assim, toda a minha alma!
O livro que me deste é meu, e alma
As orações que choro e rio e canto! ...

Poeta igual a mim, ai que me dera
Dizer o que tu dizes! ... Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto! ...


Florbela Espanca "Livro de Mágoas" 




Janela Aberta

Às vezes um pássaro entra na biblioteca
Defeca na capa do livro de Amelie Poulain
Desarma a arapuca de letras de Baudelaire
Seu rasante provoca o estático
Plana na plataforma de Platão
Pousa na platibanda
Descansa sobre Descartes que descentraliza
Seu descendente 
Faz plágio de Sylvia Plath
Faz do fólio seu sólio
Estala a estante arfante
Não estanca o êxtase
Altera a áspera espera
Relata o que alteia
Alerta do que atrela
Modificá módicos desejos
Módulo moente do movimento
Frígida pinça da alopecia leminskiana
Trevelô revelado no escuro
Abranja o laranja com o latente
Abaçanar a ababaia de Abacur
Cariciar a carica com o rêmige 
Manete amente do descontrole
Albatroz escapa no albarrã.

Ednei Pereira Rodrigues





Às vezes no alto mar, distrai-se a marinhagem
Na caça do albatroz, ave enorme e voraz,
Que segue pelo azul a embarcação em viagem,
Num vôo triunfal, numa carreira audaz.

Mas quando o albatroz se vê preso, estendido
Nas tábuas do convés, — pobre rei destronado!
Que pena que ele faz, humilde e constrangido,
As asas imperiais caídas para o lado!

Dominador do espaço, eis perdido o seu nimbo!
Era grande e gentil, ei-lo o grotesco verme!...
Chega-lhe um ao bico o fogo do cachimbo,
Mutila um outro a pata ao voador inerme.

O Poeta é semelhante a essa águia marinha
Que desdenha da seta, e afronta os vendavais;
Exilado na terra, entre a plebe escarninha,
Não o deixam andar as asas colossais!

O Albatroz
Charles Baudelaire, "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães