sábado, 15 de novembro de 2014

Singela Homenagem ao poeta Manoel de Barros




Em tempos de racionamento de água...


O menino que carregava água na peneira
Manoel de Barros

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.

A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.

Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.

Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.

A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!


Insônia
Ednei Pereira Rodrigues 

Outro dia me disseram para sair do Lúgubre
A crítica em meio a crise
Cretino noveleiro indagou o porque de eu não terminar tudo com Tálamo
Meu enlace é para enlaivar
Persisti no lobrego
Mesmo que tenha que lobrigar a Luz
Localizar um local fora desse lodo
Melhora do Habitat
Peneiro a Penumbra em busca do insight
Tamisar o mais crasso
Crivar o Cris
Layout  na lápide
Ridículo o logotipo
Publicidade Pútrida 
Nunca me influenciou a comprar nada
O que me motiva e o âmago
Que geralmente é soturno
Mas o mote foi a morte do inseto isento de responsabilidades
O motejo do mouco
Naquela noite tudo girava na lâmpada arapuca
A lagartixa fez um bom trabalho
Foi ai então que eclipsei.




O APANHADOR DE DESPERDÍCIOS
Manoel de Barros

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que as dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor os meus silêncios.



sexta-feira, 7 de novembro de 2014

113 aniversário de Cecilia Meireles



Motivo
Cecilia Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.


Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.




O Enigma da Transparência 
Ednei Pereira Rodrigues


Na ausência do Febo
Sem Febre
Podemos sair no horário do almoço
Sem se amoldar às mudanças
Sem amolgar o asfáltico
E esse ato de amontoar as coisas
Deixa tudo amorfo
Amortecer o impacto da desaceleração
Aquilo que retém, penetra: pôr freio aos desejos
Não almejar um idílio
Algum vínculo com o visto
Relação com o Relâmpago
O Convívio com a Solidão
Conversar com o Silêncio
Desabafar antes que tudo Desabe
Você Sabe dos desatinos
Outro Desastre
Asteróide provoca sua Austeridade
Aluir para fazer alusão ao que zurzi
Ruminar as Ruínas sem objetivo
Se não fosse a Inércia estaríamos juntos.

PANORAMA ALÉM
Cecilia Meireles

Não sei que tempo faz, nem se é noite ou se é dia.
Não sinto onde é que estou, nem se estou. Não sei de nada.
Nem de ódio, nem amor. Tédio? Melancolia.
-Existência parada. Existência acabada.

Nem se pode saber do que outrora existia.
A cegueira no olhar. Toda a noite calada
no ouvido. Presa a voz. Gesto vão. Boca fria.
A alma, um deserto branco: -o luar triste na geada...

Silêncio. Eternidade. Infinito. Segredo.
Onde, as almas irmãs? Onde, Deus? Que degredo!
Ninguém.... O ermo atrás do ermo: - é a paisagem daqui.

Tudo opaco... E sem luz... E sem treva... O ar absorto...
Tudo em paz... Tudo só... Tudo irreal... Tudo morto...
Por que foi que eu morri? Quando foi que eu morri?