sábado, 21 de fevereiro de 2015

Notícia Poética

http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/no-rio-beija-flor-vence-com-carnaval-do-ditador

 


 Depus a máscara e vi-me ao espelho.
Era a criança de há quantos anos.
Não tinha mudado nada...
É essa a vantagem de saber tirar a máscara.
É-se sempre a criança,
O passado que foi
A criança.
Depus a máscara, e tornei a pô-la.
Assim é melhor,
Assim sem a máscara.
E volto à personalidade como a um términus de linha.

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa 



 



Ledice Efêmera

Ednei Pereira Rodrigues

Reboliço do rebo
Reboa a gargalhada do gárgula
Tanta garoa faz o reboco cair
O rebojo precisa de bojo
A musa está com Musgo
É a música não move o músculo
Distorção para Distração
Achavascar o Achaque
O avesso na avenida
Para avigorar o aviltante
Enredo Tredo
Ariramba atiçado pela Liamba
Cuitelo pávido com a cuíca
Guanambi instruído para gualdripar
Guinumbi guia o Sátrapa
O sibilar do sibarita
Atroa o desejo da Alforria
A matriz da matulagem
A Histeria de Hitler desfila na avenida
A Hispidez de um Histrião.














Gárgula.

herberto helder


Por dentro a chuva que a incha, por fora a pedra misteriosa
que a mantém suspensa.
E a boca demoníaca do prodígio despeja-se
no caos.
Esse animal erguido ao trono de uma estrela,
que se debruça para onde
escureço. Pelos flancos construo
a criatura. Onde corre o arrepio, das espáduas
para o fundo, com força atenta. Construo
aquela massa de tetas
e unhas, pela espinha, rosas abertas das guelras,
umbigo,
mandíbulas. Até ao centro da sua
árdua talha de estrela.
Seu buraco de água na minha boca.
E construindo falo.
Sou lírico, medonho.
Consagro-a no banho baptismal de um poema.
Inauguro.
Fora e dentro inauguro o nome de que morro.




terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Entrudo Lúdrico




A UM MASCARADO
Augusto dos Anjos

Rasga essa máscara ótima de seda
E atira-a à arca ancestral dos palimpsestos...
É noite, e, à noite, a escândalos e incestos
É natural que o instinto humano aceda!


Sem que te arranquem da garganta queda
A interjeição danada dos protestos,
Hás de engolir, igual a um porco, os restos
Duma comida horrivelmente azeda!


A sucessão de hebdômadas medonhas
Reduzirá os mundos que tu sonhas
Ao microcosmos do ovo primitivo...


E tu mesmo, após a árdua e atra refrega,
Terás somente uma vontade cega
E uma tendência obscura de ser vivo!

   






Botox

Ednei Pereira Rodrigues

Espelho não aceita o disforme
Quebra-se quando refleti o refolho
Cacos se entendem com os cactos
Espenica o meu adejo
O rútilo da ruga
O decrépito que decorre
A carquilha da carniça
Diagnóstico do ego egro
O cipreste rompeu o lacre do álacre
O esmalte esmarrido da esmeralda
Tapera como Tapete
Seu advento adverso
Urde um deslumbre
Silicone para as dunas
Um Oásis,sózia do guapo
Em meio ao torpe
O camaleão no camarote observa tudo
A face da facécia
O ângulo da angústia.






Ânforas
Edson Bueno de Camargo


toco teu ventre liso
de oceanos azuis elétricos
e rosas brancas tocadas pela gravidade

em tudo busco serenidade
mas tua pele é tempestade e febre

senhora da maré cheia
tão completa de luas
como meu dedo de contar estrelas

(contudo
não posso tocá-las)

véus de terra
cobrem teus cabelos
de raízes fundas
a beber o sumo da terra


mulher de tronco vegetal
e ancas robustas de madeira ígnea
dá-me tuas ânforas de água fresca
de desatar o gelo das profundezas


eu
abandonado do deserto
a partir em busca de mim
em teus olhos de planície
em teus seios de montanha
respirando as dunas de imensidão

(contudo
sufoco)






A Beleza


Charles Baudelaire, "As Flores do Mal"
Tradução de Delfim Guimarães

De um sonho escultural tenho a beleza rara,
E o meu seio, — jardim onde cultivo a dor,
Faz despertar no Poeta um vivo e intenso amor,
Com a eterna mudez do marmor' de Carrara

Sou esfinge subtil no Azul a dominar,
Da brancura do cisne e com a neve fria;
Detesto o movimento, e estremeço a harmonia;
Nunca soube o que é rir, nem sei o que é chorar.

O Poeta, se me vê nas atitudes fátuas
Que pareço copiar das mais nobres estátuas,
Consome noite e dia em estudos ingentes..

Tenho, p'ra fascinar o meu dócil amante,
Espelhos de cristal, que tornaram deslumbrante
A própria imperfeição: — os meus olhos ardentes!