sábado, 29 de junho de 2024

Inspiração Escatológica

 

 Monólogo de uma retrete



Meu retrato ninguém vai querer tirar; não preciso de tanta exposição porque minha presença fala por si só, sem necessidade de holofotes ou câmeras para validar quem eu sou. Minha expressão é um enigma indecifrável, capturando um mistério que desafia qualquer lente. Estes flashes incomodam quando tentam revelar o que prefiro manter oculto, preservando meu mistério e minha singularidade. Não, não é a Xi Aquarii; se fosse, eu seria algum satélite em órbita, explorando estrelas, descobrindo segredos do universo. Estou satisfeita com pouco, porque o essencial é suficiente para mim. Eu proporciono alívio imediato para os que vêm aqui, garantindo que saiam mais confortáveis e satisfeitos, pois meu objetivo é melhorar a qualidade de vida deles de forma rápida, tirando-lhes do corpo o fardo que carregam e ajudando-os a enfrentar suas dificuldades de maneira mais leve. Alga na nalga, este sansei comeu sushi; deve estar fazendo algum tipo de regime, porque tem perdido bastante peso ultimamente, um exemplo a ser seguido por quem busca uma vida mais saudável e equilibrada. Sinto pena daqueles que se prostram diante de mim, como se eu fosse alguma divindade, e regurgitam tudo pela boca. Gostaria de ajudar de alguma maneira, mas estou presa neste corpo de acrílico e sinto toda sua acrinia. Toda flatulência é um lembrete de que ninguém é perfeito. Esse soteropolitano deveria comer menos acarajé para evitar problemas, e é sempre bom equilibrar indulgências com escolhas alimentares mais saudáveis. Aquele gaulês deglute bastante beterraba; minha água fica avermelhada toda vez que ele vem aqui. O consumo excessivo de beterraba pode causar beeturia, uma condição inofensiva em que a urina ou as fezes ficam avermelhadas ou rosadas. Isso ocorre devido à excreção dos pigmentos da beterraba e pode ser preocupante se não for reconhecido como inofensivo. Este boche ingere bastante brioche; dá para perceber o alto conteúdo de gorduras saturadas em seu organismo, e percebo que o sedentarismo está afetando sua saúde. O teuto deveria considerar trocar o brioche pelo têutis, um peixe saboroso e nutritivo que pode contribuir para uma dieta mais equilibrada. O alvanel parece que vai ficar o dia inteiro aqui, mesmo tendo que fazer um alvalade. Mesmo comendo alvacora, sua reira é um indicativo de que algo pode não estar bem na sua digestão. O belfécio não está se sentindo muito à vontade aqui, talvez devido ao espaço apertado, mas é neste cubículo que tudo acontece. Todo epidídimo é lídimo e ninguém vai ficar sabendo da sua monorquidia. Imperfeições, todos temos elas, sejam físicas, emocionais ou de caráter. Mas é justamente essa mistura de qualidades e defeitos que nos torna únicos e interessantes.
 
***Xi Aquarii:estrela conhecida por Bunda, por causa de sua forma semelhante, da constelação de Aquarius.
 
 

terça-feira, 25 de junho de 2024

Ativistas servem para que?

imagem:ativistas climáticos jogam tinta em Stoneheng

 

Vou vandalizar sua poesia com uma inscícia segnícia

Vai pesar mais que monólitos

Você não vai conseguir levar no bolso

Ela quer se livrar desse calabouço

Todo esse balouço incomoda a metáfora



De manopla vou depredar a copla

Toda minha opacidade desconcertante

E então, você começa a questionar se a luz jamais existiu, se foi apenas uma ilusão criada pela sua própria mente

Colocar reticências no seu primeiro parágrafo

Quando um ascágrafo é mais útil



Serei como albugínea na sua alínea

E vou variegar com varietal sua variz

Você levitara

Desafiar a gravidade para ser mensagem que o avião não conseguiu redigir

Contrails para os pássaros te encontrar


Vou plagiar seu silêncio

E não adianta colocar plagióstomos no aquário

Para uma aliteração insistente

Uma urdidura ultra-utópica.



quinta-feira, 20 de junho de 2024

Descrição de imagem

imagem:Melancholy (Melancolia) do artista romeno Albert György.A obra fica às margens do lago de Genebra, na Suíça.

 

Dentre todos os meus problemas, a escoliose é um dos menos graves

E,  felizmente, não costuma me causar grande incômodo

Ontem até respirei mais fundo

Sem se preocupar com a poluição

Toda fumaça era bem-vinda

Liberdade sustancial irrestrita

Antes a entrada só era pelos poros

Hoje toda água que bebo

É fonte insonte onde os pássaros tomam banho

Antes tudo era insopésavel

Agora os níveis de dióxido de carbono na atmosfera são mensuráveis

Instintos insopitados que  levam a agir de forma inesperada diante da situação

Considerando resoluções para insossar vínculos

Pelo menos me libertei desse deserto de dentro

Agora será mais útil, divertindo crianças 

Habitar castelos que se dissipam com o vento

Melhor assim, não quero dividir minha alcova com micoses sistêmicas

Vontade de ser Duna, parte da paisagem que se transforma a cada dia

Cisco no seu olho, provocando lágrimas imprevistas.

sexta-feira, 14 de junho de 2024

Inspiração urbana


 

Monólogo de um bueiro



Passos que vêm e que vão. É uma vida de movimento, de mudança, de transformação. Passos que são rápidos, passos que são lentos, passos que são silenciosos, passos que são ruidosos. Aquele está com o cordão desamarrado, cuidado, é perigoso. Ontem foi um sofá, afinal precisava de mais conforto aqui, orto de ratos. E amanhã será a vez das cortinas, para dar aquele toque final de aconchego ao ambiente, e agora estou considerando uma nova mesa de centro para completar o espaço de convivência. Parece que só as panchloras estavam felizes, não terão uma vida fácil. Se serve de consolo, minha vida também não é fácil, os habitantes da superfície parecem não gostar de nós. Parecem nutrir um certo desprezo por nós, como se a existência deles dependesse da negação da nossa. Enquanto alguns nos veem como meros receptáculos de detritos e esgoto, há outros que reconhecem em mim um ecossistema próprio, um lugar onde a vida pulsa e se adapta de maneiras surpreendentes. Esta bulimia indômita me consome diariamente, criando desafios diários que são difíceis de superar. Ninguém virá trazer presentes, o fartum está cada vez mais insuportável, pode deixar por minha conta, a genitora afinal resolveu me nomear padrinho dos seus descendentes. Vou sorver alguma coisa de útil para sua prole, talvez um cobertor, aqui faz muito frio à noite, ou talvez resquícios de algum alimento do restaurante da esquina, que sempre desperdiça comida ao invés de doar aos necessitados. Amanhã  terá uma feira aqui, sempre rola alguma coisa, talvez um tomate, dá para fazer um encólpio com o licopeno que é muito bom para a saúde, pois é rico em antioxidantes e tem várias propriedades benéficas para sua prole. Falta muita empatia entre os humanos. É um problema que afeta a forma como nos relacionamos uns com os outros. Um dia vou regurgitar tudo o que descartam aqui e farei um grande estrago, um caos que ninguém poderá controlar. Será um despertar para a realidade, uma chamada de atenção para que as pessoas finalmente entendam as consequências de seus atos. E, talvez, seja tarde demais para mudar o curso, mas ao menos as pessoas saberão o que está acontecendo. Talvez isso possa ser o início de um novo caminho, uma oportunidade para que as pessoas sejam mais conscientes e responsáveis com o que fazem.

sábado, 8 de junho de 2024

Inspiração primata


 imagem:Biblioteca São Paulo 04/06/2024 Processo Criativo com a escritora Maria Fernanda Elias Maglio.




Alamirés



Não me lembro o que eu era antes de ser poeta
Alguma coisa entre vulcão e um estertor feito de fótons
(irascível e espalhafatoso)
Todo esse anacronismo era espurco
E não aceitava toda essa combinação espúria
Precisava de algo mais, um catalisador para desencadear tudo
Um canalizador para todas flatulências
Fogo-fátuo cintilava como um segredo ancestral, entre as sombras do desconhecido
Um catalogador de memórias perdidas
Tantos déjà vus que tive, como se o passado insistisse em sussurrar segredos que o presente ainda não entendia
Será que é tão complexo reconhecer a metamorfose que ocorreu dentro de mim?
A crisálida precisava ser lida
Introdução ao desespero
Espero mais um pouco?
E o vácuo retumbante.